segunda-feira, 20 de junho de 2011

EUA desenvolvimentistas? – por Luiz Carlos Bresser – Pereira (Folha de São Paulo)

Os EUA demoraram mais para perceber que um Estado fraco não gera um mercado forte. Foi preciso a crise financeira brutal de 2008

O Valor publicou nesta semana uma notícia reveladora. Em sua edição do dia 13 informou que "Obama pretende criar um banco semelhante ao BNDES". Não pude deixar de achar graça.

Estariam os Estados Unidos se voltando para o famigerado desenvolvimentismo, depois de haverem brandido por muitos anos a bandeira do neoliberalismo e terem pregado a privatização, a liberalização e a desregulamentação geral, em nome de uma racionalidade supostamente superior que modelos econômicos matemáticos justificariam? O correspondente do jornal em Washington, Alex Ribeiro, informa que "o governo Barack Obama aposta as suas fichas na criação de uma espécie de BNDES americano para financiar projetos de transporte, energia e saneamento". Esta é uma boa notícia. O grande país está afinal se dando conta do preço alto que está pagando por ter adotado o credo neoliberal.

Enquanto os Estados Unidos investem apenas 2% de seu PIB em infraestrutura, a China investe 8%. Enquanto o PIB dos Estados cresceu, nos últimos 30 anos, 1,7 vezes, o da China cresceu 17,7 vezes! Eu não diria que essa diferença enorme de desenvolvimento se deveu exclusivamente à política econômica neoliberal americana. Os Estados Unidos estão em um estágio mais avançado de desenvolvimento, e é natural que sua taxa de crescimento seja menor.

Mas a diferença é muito grande, e só pode ser explicada por políticas e por reformas econômicas que equivocadamente opuseram o Estado ao mercado, enquanto na China as duas instituições eram combinadas.

Os neoliberais não compreenderam que não vivemos mais no capitalismo "dos capitalistas" do século 19, em que o mercado era pobremente regulado pelo Estado e as taxas de crescimento eram muito baixas.

Vivemos no capitalismo "dos profissionais" ou na sociedade do conhecimento. Vivemos em um tempo em que a revolução da tecnologia da informação aumentou a capacidade de planejamento e controle dos sistemas econômicos e viabilizou taxas de crescimento muito maiores para os países que se aproveitam desses novos recursos. Mas para isso é preciso associar capitalistas e profissionais, mercado e Estado, concorrência e planejamento.

E construir uma estratégia nacional de desenvolvimento da qual os trabalhadores sejam parte.

Essa não é uma combinação fácil, mas o fordismo "a coalizão política que caracterizou os Estados Unidos entre o início do século 20 e os anos 1970" aproximou-se desse modelo, especialmente durante o New Deal. O Brasil, entre 1930 e 1980, também cresceu de forma extraordinária porque soube associar Estado e mercado.

Mas nos anos 1970 cometeu o erro de aceitar indiscriminadamente os capitais externos, se endividou, se enfraqueceu, e, afinal, se rendeu ao neoliberalismo. Nos últimos anos, porém, os brasileiros perceberam seu erro, e tentam sair da armadilha. Os Estados Unidos demoraram mais para perceber que um Estado fraco não gera um mercado forte. Foi preciso a crise financeira brutal de 2008 para que começassem a acordar.

A regulamentação dos mercados financeiros pela Lei Dodd-Frank fortaleceu Estado e mercado. Agora, a possível criação de um BNDES americano aponta na mesma direção.
Mostra que cabe ao Estado planejar os grandes investimentos e contribuir para seu financiamento.

E assinala que um Estado capaz e desenvolvimentista é essencial para que o mercado seja vivo e competitivo.


Comentário
Que otimismo... Não vejo as coisas assim tão benévolas ao desenvolvimentismo. Ao contrário, diversas crises econômicas costumam jogar os países num aprofundamento das políticas que o levaram ao cadafalso – vide, em outros tempos, a ascensão do fascismo depois da 1ª  guerra mundial e do crash de 1929, e agora, o crescimento do Tea Party nos EUA.
Quando as coisas estão ruins, os políticos da direita defendem um aprofundamento destas medidas reacionárias. Um exemplo clássico destas plagas? No meio do desastroso governo FHC, diversos çábios – tanto do governo, como de fora dele – defendiam que o emprego só voltaria a crescer se as leis trabalhistas fossem “flexibilizadas” – em outros termos, que os trabalhadores perdessem os direitos que arduamente conquistaram. Chegou-se ao cúmulo de um ministro externar (afora as outras barbaridades que não deviam externar para o público, claro) que havia uma parcela de “inimpregáveis” na população, devido à sua precária formação intelectual.
Responder a estas bazófias ofensivas chega a cansar. Os tais “inimpregáveis” não possuíam formação adequada, justamente porque o próprio governo não a ofereceu. E, por outro lado, o argumento é retumbantemente falso, porque há muitas e muitas vagas de trabalho no mercado que não exigem grande qualificação intelectual (como na construção civil, por exemplo), mas que nem por isso são desimportantes para o país.
Já com relação à flexibilização das leis trabalhistas, a falácia é desmentida com a atual condição econômica, em que vivemos num regime de quase pleno emprego. Os salários e a qualidade destes estão longe do ideal, mas não foi pela destruição das leis trabalhistas que houve um avanço na taxa de emprego. Ao contrário, se houvesse ocorrido a tal "flexibilização", a qualidade dos empregos seria ainda mais precária.

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