quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Itália disse não a Berlusconi – por Mauro Santayana (Jornal do Brasil)

A derrota de Berlusconi, na consulta plebiscitária desta semana, apesar da crescente impopularidade do primeiro ministro, trouxe duas surpresas. A primeira delas foi o comparecimento que, superando o patamar constitucional de 50%, validou a consulta, e a segunda, a derrota das decisões do governo pela inédita maioria de 95% em média, nas quatro questões propostas. Como se sabe, há 16 anos não se obtinha o quorum mínimo para anular uma lei ou decisão governamental.

Ainda que, do ponto de vista da atualidade política, a massacrante vitória da oposição seja a da não imunidade (melhor, não impunidade) de Berlusconi e de seus ministros, os outros pontos da consulta golpeiam fundo os postulados do neoliberalismo, sobre os quais Berlusconi estabeleceu o seu poder. O povo disse não à apressada privatização da água, manifestando-se contra a exploração dos recursos hídricos pelas sociedades capitalistas, algumas delas provavelmente estrangeiras, da mesma forma que se manifestou contra a energia nuclear.

Embora tenha perdido, por duas vezes, a chefia do governo para a esquerda, é inegável que a vida política italiana se desenvolveu em torno de Berlusconi, desde 1994, quando o poderoso e suspeitíssimo empresário ganhou sua primeira eleição: não se discutiam os projetos de governo, nem os fundamentos ideológicos da democracia. E Berlusconi conciliava os interesses mafiosos do Sul com os altos interesses empresariais do Norte, reunidos em torno da Lega Lombarda, de inspiração separatista e neofascista.

O fascismo de Mussolini foi um desses movimentos de direita, mais grave pelas condições históricas que favoreciam a ascensão do totalitarismo e também pela formação intelectual e ideológica do duce, filho de um trabalhador socialista e de algumas letras, que lhe deu o nome de Benito em homenagem a Juarez, o revolucionário mexicano. Benito Juarez morrera onze anos antes do nascimento do líder italiano e levou o pai a homenageá-lo com o nome do heróico mestiço. É imensa a distância entre Mussolini e Berlusconi, o que dá razão a Marx: as coisas ocorrem primeiro como tragédia e, mais tarde, como farsa. Ainda que para Croce, Mussolini não tenha passado de um “palhaço”, a quem o rei da Itália entregara o poder, o duce era discreto em seu comportamento pessoal, protegido pelo sistema totalitário que, com a censura à imprensa e o terror policial, preservava a sua privacidade.

A derrota de Berlusconi é uma oportunidade para que os democratas de esquerda encontrem um projeto comum de poder. Eles devem partir da dura realidade de que não foi o comportamento debochado de Berlusconi que promoveu a sua queda de popularidade, nem, provavelmente, o expila do governo daqui a uma semana. O seu desprestígio é resultante da terrível situação econômica do país, que, por sua vez, se deve ao neoliberalismo, hoje em dramática decadência nos países que o inventaram e nos quais os governos o sustentaram, a partir dos Estados Unidos e da Inglaterra, passando pela França de Sarkozy, a Espanha de Aznar e Zapatero, a Itália do trêfego Berlusconi. A Itália e os seus vizinhos só terão estabilidade política se adotarem medidas de bom senso restaurador, algumas delas sinalizadas pelo referendum recentíssimo. A esmagadora maioria dos italianos optou por mais estado e menos mercado, por mais empregos e menos lucros das empresas privadas.


Ainda Battisti

Apenas por curiosidade, transcrevo, aqui, dois artigos da Constituição Italiana de 1947.

O artigo 10, linha 4, determina:

“Nom è ammessa l’estradizione dello straniero per reati politici”.*

O artigo 26, confirma:

“L’estradizione del cittadino puó essere consentita soltanto ove sia espressamente prevista dalle convenzioni internazionale. Non puó in alcun caso essere ammessa per reati politici”.**

Sem comentário.


*: Em tradução livre: “Não é permitida a extradição de estrangeiro por crime político”.
**: Em tradução livre: "A extradição de um cidadão só é permitida nos casos expressamente previstos em convenções internacionais. Não pode, em circunstância alguma, ser permitida para crimes políticos."

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