sábado, 31 de dezembro de 2011

RETROSPECTIVA 2011 – O ano da perda da dignidade da grande mídia - Por Eduardo Ramos (Blog do Nassif)

Se eu fosse batizar esse ano, não citaria o primeiro ano de uma presidenta no Brasil, nem o Privataria Tucana, nem vaticinaria a morte do PSDB.

O que mais me marcou em 2011 foi o fim definitivo da coerência e da dignidade da grande mídia no Brasil!

Ora, poderia alguém contestar, isso já se deu há muito tempo, desde que Daniel Dantas e/ou outras forças corromperam de vez a mídia, e junto com José Serra deu as cartas nas redações nos últimos anos. Discordo: esse foi “o processo da morte em si”, mas foi nesse ano que, aos meus olhos, “o fato se consumou”.

Lembro bem do dia exato em que tive essa sensação. Foi num momento até tolo, quase insignificante. Um dos jornais da Globo News, naquela parte em que o apresentador faz uma triangulação entre um dos jornalistas e um convidado, no telão. O jornalista era o George Vidor, e o convidado, um economista careca, pedante, creio que o tal Alexandre, (esqueci o sobrenome) que o Nassif debocha chamando de “o economista de deus”. De fato, é estarrecedor o que o rapaz é capaz de dizer, o ar de sapiência absoluta, enquanto desfia asneiras de doer.

O coitado do Vidor chegou a ficar sem graça, quando questionou – e fez auto-crítica... – o fato de vários economistas e colunistas de jornais terem metido o pau no Tombini quando o BC iniciou esse movimento de baixa dos juros, antecipando o agravamento da crise na Europa.

O Alexandre “de deus” não se deu por vencido, vaticinou que o BC havia errado, sim, e por mais que o Vidor insistisse, ele batia sempre na mesma tecla, não cedendo um milímetro apesar da lógica irrefutável – e humilde... – do jornalista. A coisa foi tão constrangedora, que ficou parecendo “conversa de bêbado” e o Vidor se viu obrigado a mudar de assunto.

Foi nesse instante, diante dessa cena, pequena em si mesma, grotesca, banal, que percebi que há algumas semanas a mídia já vinha “batendo cabeça” ao longo do ano, de modo sutil, e nessa questão de juros, um constrangimento se plantou de vez. Porque, para atingir o governo mais uma vez, realmente massacraram o BC naquele episódio. O governo estava atacando a independência do Banco Central, Tombini era um fraco, a inflação nos devoraria, a crise européia nem era tão grave, e mais um bando de sandices, cujo único objetivo era ter algo a criticar no governo Dilma.

Com o acerto absoluto da decisão, inclusive do motivo alegado, o que se provou logo ali na frente, a mídia não fez a única coisa digna a ser feita: reconhecer seu erro, e parabenizar o governo e o Banco Central pela coragem de agir no momento certo. Alguns hipócritas falaram que poderia ter começado antes, outros, que o ritmo deveria ser mais prudente. O fato, é que pegos de surpresa, a coerência do discurso se despedaçou, e os argumentos se fragmentaram, contra e a favor, outros totalmente “em cima do muro” – o famoso “temos que esperar para ver se o governo acertou...” – o que não quer dizer coisa alguma.

Só então, percebi a fragilidade absurda desse gigante imponente que chamamos “grande mídia”. Ao perder o foco no que é o alimento natural de sua profissão, (o jornalismo), que é a busca da verdade, a mídia entrou num caminho sem volta, de CRIAR UMA FICÇÃO E MANTÊ-LA A QUALQUER CUSTO! Essa ficção se chama “vamos brincar de escrever e fazer qualquer coisa que ferre o governo!” – Ora, é claro que uma ficção, dentro do mundo real, não pode durar para sempre, por mais poderosos que sejam os agentes por trás da tal ficção.

As paredes começam a ruir, óbvio! São de areia fofa, não do concreto da verdade, da argamassa do jornalismo honesto.

Então, percebe-se que suas pequenas vitórias – a queda de alguns ministros, uma irritação provocada aqui ou ali – são “vitórias de pirro”, inconseqüentes, são “birras”, não constroem e não construirão nenhum perigo real para seu adversário – o governo.

Estão, na verdade, perdidos, sem discurso aprofundado, sem idéias novas, sem ideologias a propor, e, agora, mesmo INTERNAMENTE, começam a se desfacelar, a envergonhar a si próprios, quando não sabem explicar as vitórias do governo e seus prognósticos furados, numa questão simples, como essa do BC abaixar os juros.

Seu denuncismo continuado e exacerbado É PROVA DE SUA FRAQUEZA, NÃO DE SUA FORÇA! Descobrir isso me deixou aliviado, porque demonstra sim, que não têm outra arma para usar – o debate inteligente e honesto, por exemplo... – por isso a repetição exaustiva da única que possuem. Denúncias, denúncias, denúncias...

Antes disso, a tentativa canhestra de opor Dilma à Lula, e logo depois, o deboche bobo de falar do constrangimento de Dilma com a “herança maldita” de Lula – os ministros corruptos – como se Lula não soubesse – e, com certeza, admira essa característica... – da personalidade forte de Dilma, e de seu direito em mexer no ministério sempre que necessário. Os tolos parecem não saber que se Lula quisesse um “poste” ou fantoche, JAMAIS TERIA ESCOLHIDO DILMA PARA SUCEDÊ-LO! Não compreendem que a lealdade inquestionável de Dilma não é posta à prova, quando exerce seu também inquestionável direito, como presidente, de governar segundo sua consciência.

O episódio “Privataria...” foi como o “fechar o caixão” da coerência e dignidade de uma mídia que desonra há anos a palavra JORNALISMO, e em seu desespero e confusão mental, dão mesmo a impressão de que não sabem mais como se conduzir dentro da profissão que escolheram.

Termino dizendo algo que parece incoerente, mas não é. O mais indigno adversário, só mantém alguma legitimidade, quando dentro da sua indignidade ele se reserva ALGUMA DIGNIDADE, ALGUMA VERDADE, ALGUMA IDEOLOGIA. Na velha parábola do rei nu, equivale a dizer que um rei ainda é rei, se ao menos não está nu aos olhos do seu povo.

É nesse aspecto que digo que a mídia morreu, mesmo que dêem a volta por cima, no sentido mercadológico, de triplicarem suas vendas, de causarem a queda de trinta ministros. Estão nus! Ao perderem a verdade do jornalismo de vez, toda e qualquer coerência, toda ou qualquer dignidade, ao se focarem EXCLUSIVAMENTE EM ATACAR O GOVERNO E DEFENDER SEUS ALIADOS POLÍTICOS, assumem-se publica e definitivamente, como PANFLETOS, panfletos de papel, panfletos televisivos, panfletos milionários, de alta penetração na sociedade, e com toda uma roupagem tecnológica e de aparência profissional, tentando desesperadamente mostrar o que já não são.

2011, para mim, estará sempre marcado, como o ano em que a grande mídia morreu.


Comentário
Pra mim já havia morrido há muito (desde que aprendi a ter discernimento).

Debate "A Privataria Tucana e o Silêncio da Mídia" - Barão de Itararé

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Araguaia: país não cumpre sentença da OEA - por Lilian Milena (Brasilianas.org)

Um ano e Brasil não executa julgamento de crimes de violação dos direitos humanos
O Brasil teve um ano para cumprir a sentença que recebeu da Corte Interamericana de Direitos Humanos por crimes de tortura, morte e desaparecimento forçado de pessoas durante a Guerrilha do Araguaia (1972-1974), na ditadura militar.

Na avaliação de movimentos sociais, parte importante das ações sentenciadas ainda não foi atendida. Paira nas atividades governamentais “uma letargia muito grande envolvendo esse tema”, corrobora a procuradora do Ministério Público Federal, Eugênia Gonzaga.

No último dia 14, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República enviou seu relatório final, e obrigatório, à Corte justificando suas ações em resposta à sentença. Se o júri interamericano entender que o Estado brasileiro não cumpriu toda a sentença por má vontade, o país poderá ser excluído da Organização dos Estados Americanos (OEA). Além disso, uma possível desmoralização frente às demais nações diminuiria as chances do Brasil conseguir algum assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.


Exército no Araguaia (1972-1974)

Avaliações apontam que, ainda assim, o Estado terá mais tempo para executar todos os pontos da condenação que se resumem à investigação e punição dos responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas na guerrilha do Araguaia, entre os anos de 1972 e 1974, assim como a abertura dos arquivos do período da repressão.

O pouco que foi feito

Para resolver a proposta de investigação, no último ano foram criados dois grupos de trabalho em Brasília: a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), e a Câmara Criminal, ambos sob tutela do Ministério Público Federal. Segundo Eugênia Gonzaga, essas duas instâncias estão contribuindo ao orientar os procuradores sobre a maneira como devem proceder quando encontram pela frente casos ligados a ditadura militar.

A procuradora destaca, porém, que os casos que envolvem a violação dos direitos humanos durante o período da repressão demandam investigações profundas para revelar fatos e que “talvez dependam bastante de uma Comissão da Verdade que realmente funcione”. Aí é que entra a responsabilidade do Governo Federal no atraso das investigações.

A instauração da Comissão Nacional da Verdade foi uma das principais exigências de ex-presos e familiares de desaparecidos. Mas o texto aprovado, tanto na Câmara quanto no Senado, entre setembro e outubro deste ano, não era exatamente o que queriam. Primeiro, por conta do período de cobertura para avaliar a documentação, com datas de 1946 a 1988, ao invés de cobrir apenas os anos da ditadura militar, prejudicando o foco das pesquisas.

Segundo, a comissão será subordinada à Casa Civil, não tendo autonomia de verbas para viagens e realizações de trabalhos mais complexos. E, terceiro, os membros da comissão deverão resguardar dados de documentos sob sigilo que tiverem acesso. Para terminar, a comissão será formada por apenas sete membros indicados pela presidente Dilma, o que ainda não foi feito, e terá somente dois anos para realizar seus trabalhos.

Apesar de tudo isso, os relatórios produzidos pelo grupo serão disponibilizados pelo Arquivo Nacional.

Ainda falta tudo

Para Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, o Estado poderia ter feito muita coisa no último ano. Para começar, a identificação das ossadas na região do Araguaia (Tocantins) está em marcha lenta. O Brasil também não acatou a Convenção de Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. Faltaria apenas uma assinatura da presidente Dilma Rousseff e, em seguida, um protocolo do Ministério das Relações Exteriores junto a OEA para o país se tornar signatário.

Zelic destaca que não existe classificação de crime por desaparecimento forçado no regime jurídico interno do país. Ele ainda questiona o fato do governo não pedir a abertura dos arquivos do DOPS do Estado da Bahia, fechado desde o governo de Antônio Carlos Magalhães, muito menos exigir que os arquivos das Forças Armadas sejam totalmente disponibilizados para ajudar na informação do sepultamento de militantes da guerrilha do Araguaia.

Cumpra-se

Os familiares de desaparecidos e ex-presos políticos realizaram protestos, durante a semana do dia 14 de dezembro, nas capitais de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.

Há cerca de um ano o grupo organiza a Campanha Cumpra-se na página da internet www.cumpra-se.org. O objetivo do site é cadastrar pessoas que queiram colaborar com a resolução dos crimes de violação dos direitos humanos. Atualmente, o movimento reúne mais de 35 entidades.

O cumprimento da sentença da OEA exige:

- Investigação e punição de torturadores em envolvidos em crimes da Guerrilha do Araguaia:
- Sistematização do acesso a documentos em poder do Estado que podem contribuir com a história;
- Criação do Dia do Desaparecido Político;
- Implementação de programas de educação em direitos humanos permanentes dentro das Forças Armadas.

Nenhuma das medidas acima foi estabelecida. Também porta-voz da campanha, Zelic aponta que a estratégia do governo brasileiro tem sido a de protelar ao máximo o cumprimento da sentença. A análise do relatório enviado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos à organização levará alguns meses. “Em meados do ano saberemos o posicionamento da Corte, assim o Estado ganhará algum tempo para se justificar. Não é um caminho sem volta no campo jurídico, para o Brasil”, conclui, esperando que o país não faça como o Peru, que por não cumprir a sentença da OEA em relação aos crimes ocorridos em sua ditadura militar, foi afastado da organização durante o governo de Alberto Fujimori (que durou de 1990 até 2000), e depois teve que cumprir todos os termos da corte para voltar a ser aceito.

A Lei que safa torturadores

Estima-se que 30 mil pessoas foram torturadas nos 21 anos da ditadura militar brasileira (1964-1985). A ordem do número de desaparecidos é de 150 pessoas, sendo metade na guerrilha do Araguaia (entre os anos de 1972 e 1974). E apesar de provas históricas e materiais de familiares e ex-presos políticos, até hoje, nenhuma pessoa foi responsabilizada criminalmente. Isso, por conta da “obstrução da justiça”, que ocorre a partir da leitura da Lei da Anistia (nº 6683/79), por parte do judiciário, explica Marcelo Zelic.

O mecanismo legal, criado em agosto de 1979 pelo presidente militar João Figueiredo, beneficiou pessoas que violaram os atos institucionais baixados desde 1964, ou seja, àqueles que sofreram perseguição política, presos ou exilados. Entretanto, a lei passou a ser aplicada a todos, inclusive torturadores e responsáveis pela morte de presos políticos.


Presidente militar João Figueiredo (1979-1985)

O caso Vladimir Herzog, jornalista encontrado morto em uma cela do DOI-Codi, em outubro de 1975, é um exemplo dessa interpretação. Nos aos 2000 o Ministério Público de São Paulo, a pedido da família de Herzog, entrou com inquérito para apurar os motivos de sua morte. O processo, porém, foi trancado no Tribunal de Justiça de São Paulo com base na Lei de Anistia.

Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou no Supremo Tribunal Federal uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 153), ferramenta jurídica utilizada para revisar e reparar erros cometidos pelo poder público, neste caso, contestando a validade da Lei da Anistia.

Em abril de 2009, o STF julgou válida a Lei da Anistia, contrariando o pedido da OAB, por seis votos a dois – apenas os ministros Ayres Britto e Ricardo Lewandowski concluíram que o dispositivo legal não poderia perdoar os crimes do período, por considerá-los hediondos. Ao contrário dos ministros Eros Grau, Cármem Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marcos Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluzo.

Em sentença, a OEA também exigiu que o Brasil desobstrua a lei para responsabilizar criminalmente ex-torturadores, pedindo que o judiciário brasileiro voltasse a apreciar a ADPF 153, o que não ocorreu até o momento. Para ajudar existe, no projeto de lei que resultou na criação da Comissão da Verdade, um dispositivo para que seja respeitada a Lei da Anistia.

Decisão do STF fere tratado internacional

Ao aplicar a Lei da Anistia o estado brasileiro desrespeita diretamente a Convenção Americana de Direitos Humanos (também chamada de Pacto de São José), criada em 1969 e ratificada pelo país em 1992.

No programa Brasilianas.org, veiculado no canal da TV Brasil, em 10 de outubro, o procurador geral da república, Marlon Alberto Weichert, explicou que, a partir do dia seguinte que o país reconheceu a jurisprudência da Corte, a mesma passou a “dizer que Brasil está praticando uma violação de direitos humanos ao deixar impune crimes que foram cometidos antes de 1992”.

Isso porque, além de considerar que a execução sumária de pessoas é uma grave violação aos seus princípios, também entende que a não investigação e não punição de envolvidos em crimes relacionados aos direitos humanos, por si só, já é uma violação de direitos humanos.

“Existe [portanto] entendimento consolidado de que enquanto não forem localizados os restos mortais ou a pessoa, eventualmente, não aparecer com vida, se considera juridicamente que o crime está em andamento”, pontuou.

Eugênia Gonzaga completa que a Lei da Anistia teve um entendimento além do seu texto. “A medida diz que anistia crimes políticos e eleitorais praticados de 1971 a 1979. Daí você pega o caso Rio Centro, que foi uma bomba implantada pelos militares nos anos 1980, e seu inquérito foi arquivado com base na Lei da Anistia”, logo, continua, a interpretação dessa norma não tem sido jurídica, mas sim política.

Resquícios da ditadura nas ruas de hoje


“Os poderes legislativo, judiciário e executivo, ao não cumprirem a sentença [da OEA] põem em risco décadas de avanço dos direitos humanos no país”, pondera Zelic ao lembrar do desaparecimento de seis jovens, em maio de 2006, quando, em meio aos ataques do PCC, a polícia militar de São Paulo executou mais de 500 pessoas. Bem como a tortura de uma estudante de 25 anos, na ação da PM de reintegração de posse da reitoria da USP, no dia 8 de novembro deste ano.

“Um deles pegou na minha nuca, bateu minha cabeça no chão várias vezes, na parte do couro cabeludo, para não deixar hematoma. Eu tentei reagir e mordi a mão do PM que segurava minha boca. Quando fiz isso, eles me falaram: ‘Você conhece o porco?’. O porco é uma bolacha de plástico que enfiaram na minha boca e me impedia de falar e dificultava minha respiração, pois sou asmática. Eu fiquei com isso na boca enquanto eles falavam: ‘é melhor ficar quieta senão vai ser pior’.”, contou ao jornalista Alceu Luís Castilho, do blog Outro Brasil.

A procuradora Eugênia Gonzaga reitera que a posição do Estado brasileiro em relação aos crimes de ditadura põe em risco os direitos humanos na atualidade.

“Há pesquisas feitas em dezenas de países que fizeram essa transição de ditadura violenta para um governo democrático, e em nenhuma situação a transição se deu de maneira completa e eficaz com base na política do esquecimento. A transição que garante que esses fatos não mais se repitam, que eliminem essas práticas de tortura disseminadas nos quartéis e nos aparatos policiais, é a política da verdade, da memória e da justiça”, ressalta.

O Brasilianas.org entrou em contato com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, mas até o fechamento desta matéria não obteve respostas sobre pedido de entrevista.

Quarenta anos da Teologia da Libertação – por IHU Online

Há 40 anos, um pequeno livro de um sacerdote peruano estremeceu a Igreja católica ao sentar as bases da Teologia da Libertação, uma reflexão acusada de marxista por ressaltar a opção de Deus pelos pobres, mas também elogiada por renovar a mensagem dessa religião.

A reportagem está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 17-12-2011. A tradução é do Cepat.

O livro Teologia de Libertação. Perspectivas [Vozes], de 1971, é considerado o ato teórico fundacional que deu nome ao movimento teológico mais importante nascido na América e foi escrito pelo peruano Gustavo Gutiérrez, hoje com 83 anos e sacerdote dominicano.

“A ideia era dizer que Deus acompanhava os povos do Terceiro Mundo, que estava do seu lado na busca pela Terra Prometida, mas uma Terra Prometida que significava terra, liberdade, justiça, dignidade”, explicou o professor Jeffrey Klaiber, historiador das religiões na Universidade Católica de Lima.

Em uma América Latina marcada pela desigualdade social e pelas ditaduras das décadas de 1960 e 1970, essa linha “captou a imaginação” de vastos setores, desde a Nicarágua de Somoza até as Filipinas de Marcos, encontrando ecos na África, segundo Klaiber.

Gustavo Gutiérrez afirmou que “na Teologia da Libertação (TdL) a pobreza significa insignificância social, ela não se limita à sua dimensão econômica; pobre é o insignificante e excluído por diferentes razões, dali a gravidade da desigualdade social que sofremos no Peru”.

“Essa teologia segue presente na América Latina, apesar das quatro décadas transcorridas, e sua mensagem central (a opção preferencial pelos pobres) repercute sobre a tarefa pastoral da Igreja”, disse Gutiérrez.

“Bastaria tomar as conclusões da Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe em Aparecida (Brasil, 2007) para dar-se conta disso”, evocou o sacerdote peruano sobre a reunião encabeçada pelo papa Bento XVI.

A opção pelos pobres entusiasmou em um primeiro momento Roma, sob o papa Paulo VI (1963-1978), que designou bispos progressistas para a região com o maior número de fiéis católicos. Contudo, João Paulo II(1978-2005), formado no anticomunismo, a questionou alegando que fomentava a luta de classes e poderia distanciar os fiéis dos setores médios e altos.

A ofensiva do Vaticano contra a Teologia da Libertação se traduziu na nomeação de bispos conservadores e se selou com dois documentos (“Instruções”) do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger, Bento XVI desde 2005.

“A primeira instrução foi negativa, mas a segunda foi mais positiva porque dizia que a história do cristianismo é uma história de libertação, de liberdade, e que os cristãos deviam apoiar a liberdade”, assinalou Klaiber.

“O importante é que os mal-entendidos, quando os houve, há tempo que foram superados através de um diálogo permanente e frutuoso”, ressaltou Gutiérrez sobre suas conversas com Ratzinger entre 1984-1986.

O paradoxo na posição de Roma é que foram o Concílio Vaticano II (1962) e a Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín (1968) que serviram de inspiração para a TdL.

Klaiber acredita que, “como corrente intelectual, o tempo da TdL já passou, mas seu espírito continua vigente e ativo no terreno, nas paróquias pobres e amazônicas mesmo que ninguém ouse pronunciar seu nome por medo da hierarquia”.

O cardeal peruano Juan Luis Cipriani, primeiro cardeal da Opus Dei nomeado por João Paulo II no mundo, não aceitou fazer um comentário sobre a TdL quando lhe foi solicitado.

“O que se pratica, na verdade, é a mensagem cristã, o Evangelho, não uma teologia; esta contribui para a vida da Igreja na medida em que reflete sobre essa mensagem tendo em conta o momento que se vive”, matiza Gutiérrez ao responder sobre se reescreveria sem mudanças seu texto de 1971.

Gutiérrez não foi o único que impulsionou a TdL, que teve entre seus pioneiros o então sacerdote brasileiro Leonardo Boff e o colombiano Camilo Torres – que integrou as guerrilhas em seu país.

Os casos dos arcebispos de El Salvador, Oscar Romero, assassinado em 1980, e do brasileiro Hélder Câmara, são referências obrigatórias dos representantes da Teologia da Libertação, que teve no Brasil sua base maior.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O inimigo da moral - por Vladimir Safatle (Folha de São Paulo)


O maior inimigo da moralidade não é a imoralidade, mas a parcialidade.

O primeiro atributo dos julgamentos morais é a universalidade. Pois espera-se de tais julgamentos que sejam simétricos, que tratem casos semelhantes de forma equivalente. Quando tal simetria se quebra, então os gritos moralizadores começam a soar como astúcia estratégica submetida à lógica do "para os amigos, tudo, para os inimigos, a lei".

Devemos ter isso em mente quando a questão é pensar as relações entre moral e política no Brasil. Muitas vezes, a imprensa desempenhou um papel importante na revelação de práticas de corrupção arraigadas em vários estratos dos governos. No entanto houve momentos em que seu silêncio foi inaceitável.

Por exemplo, no auge do dito caso do mensalão, descobriu-se que o esquema de corrupção que gerou o escândalo fora montado pelo presidente do maior partido de oposição. Esquema criado não só para financiar sua campanha como senador mas (como o próprio afirmou em entrevista à Folha) também para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu candidato. 

Em qualquer lugar do mundo, uma informação dessa natureza seria uma notícia espetacular. No Brasil, alguns importantes veículos da imprensa simplesmente omitiram essa informação a seus leitores durante meses.

Outro exemplo ilustrativo acontece com o metrô de São Paulo. Não bastasse ser uma obra construída a passos inacreditavelmente lentos, marcada por adiamentos reiterados, com direito a acidentes mortais resultantes de parcerias público-privadas lesivas aos interesses públicos, temos um histórico de denúncias de corrupção (caso Alstom), licitações forjadas e afastamento de seu presidente pela Justiça, que justificariam que nossos melhores jornalistas investigativos se voltassem ao subsolo de São Paulo.

Agora volta a discussão sobre o processo de privatização do governo FHC. Na época, as denúncias de malversações se avolumaram, algumas apresentadas por esta Folha. Mas vimos um festival de "engavetamento" de pedidos de investigação pela Procuradoria-Geral da União, assim como CPIs abortadas por manobras regimentais ou sufocadas em seu nascedouro. Ou seja, nada foi, de fato, investigado.

O povo brasileiro tem o direito de saber o que realmente aconteceu na venda de algumas de suas empresas mais importantes. Não é mais possível vermos essa situação na qual uma exigência de investigação concreta de corrupção é imediatamente vista por alguns como expressão de interesses partidários. O Brasil será melhor quando o ímpeto investigativo atingir a todos de maneira simétrica.

Comentário
Quem dera que a própria Folha levasse a sério o artigo. O trecho "O maior inimigo da moralidade não é a imoralidade, mas a parcialidade" é um tiro no peito do próprio jornal. É o avesso da forma como ele atua.

Quando resolvi escolher o nome deste blog, "Política nada imparcial", não visava defender um partido ou espectro político específico e ser parcial na defesa deste lado - como faz nossa velha mídia -, muito ao contrário, neste blog há ataques para todos os lados. Eu visava, sim, ter um lado - que é o dos trabalhadores, do povo - e defende-lo de maneira bem clara. Quem se coaduna com aquilo que julgo correto, vou defendendo - e fazendo o oposto contra quem faz o contrário.
Infelizmente, ao longo do tempo, foram mais críticas que elogios.
O que também é uma lástima.

O movimento Occupy Wall Street e os democratas de Obama - por Andrew Levine (Counter Punch - blog do Nassif)

O que representa o Occupy Wall Street

Nassif, traduzi o texto abaixo. Veja se lhe apraz. Os trechos em colchetes são inserções minhas com o objetivo de introduzir clareza em algumas passagens. O elo para o original está no fim.Do Counter Punch
Não se trata apenas de justiça

O movimento Occupy Wall Street e os democratas de Obama - por Andrew Levine

A justiça igualitária (ou justeza) tem sido o tópico número um para filósofos políticos desde até antes de 1971, quando John Rawls publicou seu monumental Uma teoria da justiça. Rawls é amplamente aclamado como o mais importante filósofo político em língua inglesa desde John Stuart Mill. Se esta avaliação resistirá o teste do tempo não nos cabe dizer, mas não se questiona que, nas últimas quatro décadas, sua influência nos círculos acadêmicos não encontra rival. Seria justo dizer que, como resultado, temos hoje uma compreensão mais profunda do que antes sobre o que está envolvido nos conceitos de justiça e eqüidade e por que esses conceitos importam. Seria igualmente justo dizer que esses avanços [em nosso entendimento do tema] não tiveram impacto político algum no mundo real.

Na medida em que a visão filosófica de Rawls reflete uma orientação política, ela se classifica como social-democrata, embora com um matiz estadunidense – conseqüência do acordo liberal do New Deal e as aspirações dos democratas de inclinação esquerdista (mas, infelizmente, também pró-imperialista e anticomunista no espírito da Guerra Fria) do período que vai da presidência de Truman à Grande Sociedade de Lyndon Johnson e além. Em outras palavras, ela representava uma orientação política que já começava a se esvanecer da política do mundo real exatamente quando se tornava hegemônica nos círculos acadêmicos.

A partir dos anos oitenta, o trabalho de Rawls passou a se concentrar tanto em questões de legitimidade política e da teoria da democracia quanto no domínio da justiça igualitária, e novamente ele atraiu outras mentes para sua seara. Essa mudança de curso tão somente ampliou o abismo entre a teoria acadêmica e a política do mundo real. A diferença entre as duas se torna particularmente gritante no que diz respeito às salvaguardas que protegem os direitos e liberdades básicos. Rawls e seus condiscípulos consistentemente propugnavam posições à esquerda daquelas promovidas pela Suprema Corte comparativamente liberal da era Earl Warren, exatamente quando aquele terceiro poder retornava ao seu papel tradicional e hoje firmemente enraizado de defensor de interesses da elite e de legitimador de condutas políticas antidemocráticas e guiadas pelo dinheiro.

Será possível que, graças ao movimento Occupy Wall Street, essa situação assaz anômala – em que um modo de pensar que floresce numa instituição ideológica de escol, a universidade, não encontra quase qualquer eco na cultura política convencional – esteja prestes a mudar? Será possível que um senso de urgência em prol de uma justiça igualitária esteja a se apossar da consciência coletiva dos “99%”? Eu ousaria dizer que sim; que algo semelhante àquilo que Rawl tinha em mente parece estar se metamorfoseando em algo semelhante àquilo que Marx tinha em mente quando ele falou sobre a consciência que se torna uma “força material”.

Isto seria um acontecimento auspicioso, ainda mais agora. Uma exposição filosoficamente educada e liberal-igualitária da justiça e da igualdade, combinada com investigações empíricas consistentes com essa perspectiva, pode iluminar e aprofundar as intuições, do contrário confusas, sobre justiça e igualdade que vicejam em círculos liberais. Nesse sentido, ela pode fornecer uma teoria para a prática dos movimentos Occupy.

Porém, deveríamos ter cuidado para não levar esta teoria ao pé da letra, em vista do fato de que ela, como tantas coisas mais em nossa cultura intelectual, é dissociada de um entendimento mais profundo do contexto econômico, social e político em cujo seio nascem as intuições a que ela dá expressão teórica. As transformações fundamentais que parecem estar em curso não podem ser explicadas apenas em se apontar as desigualdades indefensáveis que, em maior ou menor grau, sempre houve em nosso meio. Por que a percepção dessas desigualdades se torna um fator de importância política apenas agora? A resposta não é difícil de discernir, ao menos em termos gerais: a ascensão e a trajetória do movimento a partir de agora respondem a acontecimentos inerentes à natureza do capitalismo de hoje.

Pode ser difícil apreender este último fato porque, em décadas recentes, as instituições que moldam a consciência popular em grande medida lograram êxito em ocultar a natureza problemática do capitalismo em nosso período histórico e em implantar a idéia de que não há alternativa factível ou desejável a ele. Também têm culpa por este cenário os igualitaristas liberais, a despeito de apoiarem a igualdade; apesar de que, verdade seja dita, questões de economia política, embora nunca trazidas para o cerne da discussão, não foram inteiramente ignoradas em Uma teoria da justiça ou em parte da literatura crítica a que o livro deu origem décadas atrás.

Pelo fato de estarem em falta as ferramentas conceituais necessárias para contextualizar a assertiva de que as desigualdades econômicas estão se tornando profundamente injustas, não é surpresa que, quando os ativistas do Occupy tentam se explicar, eles às vezes se concentrem apenas na injustiça do sistema em vigor sem referência à estrutura econômica que gera essas desigualdades. O que é surpreendente, e também animador, é que eles não o façam com mais freqüência; que, ao contrário, as estórias pessoais geralmente tenham precedência sobre condenações morais de alcance universal. Tal comportamento é característico de esforços para tomada de consciência e é completamente adequado.

E também é sábio. Mais ou menos ao mesmo tempo em que a filosofia política Rawlsiana se tornou hegemônica em círculos acadêmicos, uma inclinação para abordar questões políticas pelo prisma ético também surgiu. Em parte, isso foi uma conseqüência tardia e equivocada de demandas estudantis por “relevância”. Porém, quaisquer que fossem as intenções daqueles que apregoavam a virada ética e “progressista” da academia, ela também foi um meio de dissipar a turbulência política do período precedente.

Na melhor das hipóteses, a abordagem ética ignora o principal; mais freqüentemente, ela disfarça o que é essencialmente uma posição política, e a apresenta de um modo inautêntico que induz a erro. Concentrar-se apenas nas questões éticas levantadas pelo movimento Occupy faz as duas coisas. Essa abordagem pode ser benigna. E, na medida em que gera um bem-vindo engajamento político, ela pode trazer benefícios. Contudo, mesmo quando traz, ela obscurece o que realmente está em jogo, e isso vai provavelmente exercer um efeito debilitante à medida que o movimento se expande e se aprofunda.

O perigo potencial se torna especialmente evidente quando os eticistas insistem que as ocupações nada têm que ver com o que eles, em coro com os defensores do 1%, jocosamente chamam de “conflito de classes”. É revelador que, em seu discurso muito elogiado de Osawotomie, Kansas, o “populista” redivivo Barack Obama tenha adotado essa linha ao invocar o espírito do Square Deal* de Teddy Roosevelt. É um tributo aos movimentos Occupy que Obama tenha considerado tal linha oportuna. Todavia, deveria servir igualmente de aviso àqueles que se concentram apenas na injustiça das desigualdades que nos afligem, e não estendem a ênfase às suas causas subjacentes; em outras palavras, àqueles que pegam leve com o capitalismo.

*Nota do tradutor: já se perguntou por que o New Deal de Franklin Roosevelt era New? Eu jamais me perguntara, mas agora descobri que foi porque houvera um “old” Deal, proposto por seu primo distante, Theodore. O Square Deal, segundo a Wikipedia, se assentava sobre três pilares: conservação do meio ambiente, controle das corporações e proteção ao consumidor.

* * *

É interessante observar como a equipe de Obama abandonou as referências a Franklin Roosevelt de há quatro anos, e agora tenta grudar-se em seu parente distante, Teddy.

Teddy Roosevelt era um imperialista e militarista descarado; Obama é tudo isso também, embora tal comportamento pareça ser contrário a sua natureza. Ele é, portanto, menos ostensivo e mais discreto do que TR, que não era nada menos do que um entusiasta da guerra e do destino imperial reservado aos Estados Unidos. Obama não é um cavaleiro calejado em carga ligeira montanha acima nas colinas de San Juan das regiões produtoras de petróleo deste mundo – ele deixa esse serviço para os conscritos econômicos que ele põe em perigo ou terceiriza a tarefa para mercenários que a ninguém respondem. E os “grandes bastões” que ele carrega – e que brande a qualquer oportunidade! – são aeronaves não tripuladas de controle remoto. Porém, essas diferenças são mais de estilo que de substância, e têm que ver principalmente com as diferenças entre um poder imperial em ascensão de há cem anos e o que hoje está em declínio.

É digno de nota que, no curso de seu mandato, Roosevelt era visto com bons olhos no exterior, e que Obama ainda é. De fato, no caso de ambos os presidentes, a diferença entre reputação e realidade é tão extrema que ambos venceram prêmios Nobel da paz. No caso de TR, pode-se argumentar que o prêmio foi merecido, pois ele de fato ajudou a mediar um fim à guerra russo-japonesa de 1905. Obama ganhou seu prêmio exatamente quando estava mudando o rótulo de uma das guerras de Bush, intensificando outra, e dando início ou aprofundando sabe-se lá quantos mais “conflitos de (mais) baixa intensidade” de sua própria lavra.

Mas as políticas domésticas de TR são outra história. O Square Deal tratava de desfazer trustes, de conservação ambiental e de regular o capitalismo selvagem. Tem-se a impressão que Obama se sente mais à vontade com este aspecto do legado de TR, mas tudo que ele faz nessa seara é falar pelos cotovelos; ou isso, ou sugerir algumas iniciativas a contragosto apenas para recuar assim que os republicanos ou democratas conservadores façam objeções. Roosevelt realmente era um progressista e, como tal, um inimigo de várias formas de capitalismo, embora não do próprio em si. Obama se prostra perante capitalistas. Que ele não tenha sido escorraçado debaixo de risadas do auditório onde TR um dia defendeu seu Square Deal indica quanto mais de tomada de consciência resta por acontecer.

Ainda mais perturbadora foi a reação dos comentaristas liberais ao discurso de Obama em Osawotomie. Será possível que eles ainda estejam tão comprometidos com apoiar os democratas qual líderes de torcida que não tomaram conhecimento dos últimos três anos e meio ou, para falar a verdade, do que está acontecendo diante de seus olhos? Quem poderia imaginar que palavras eloqüentes ainda poderiam cativar a equipe jornalística do noticiário noturno da MSNBC? “Engane-me uma vez”, diz o ditado, “e se envergonhe disso; engane-me uma segunda vez, e eu é que devo me envergonhar.” Os ocupantes entendem a situação bem demais para caírem nessa esparrela. Já os comentaristas semeadores de pânico e as pessoas que eles assustam com a demonstração de quão lunáticos os republicanos são e quão retrógrada é sua base eleitoral, esses são outra história.

Portanto, muito obrigado, Secretária Kathleen Sebelius da Saúde e dos Serviços Humanos, por anular a decisão de tua própria Administração de Alimentos e Drogas (FDA, em inglês) de vender contraceptivos de emergência sem receita. Muito obrigado, uma pinóia, porque, como bem sabes, o mal que causaste é muito maior que o bem de enfiar um pouco de bom senso de volta às cabeças dos comentaristas liberais. Porém, obrigado mesmo assim. Não é apenas o fato de que atendeste ao eleitorado republicano ainda antes que o bafo quente de Obama se dissipasse em Osawotomie. De uma forma que lembrou a capitulação recente do próprio Obama em sua iniciativa de controle de smog, ajudaste-o a irritar seus mais ardentes apoiadores de novo, ao mesmo tempo em que deliberadamente renegaste as políticas expressas de sua administração e sua presumida determinação de deixar que a ciência a guiasse.

E muito obrigado, também, Barack Obama, por fazer coro gratuitamente em apoio a este ultraje com sofismas desonestos sobre a possibilidade de que meninas de onze anos causassem dano a si próprias. É de se admirar de liberais que, após mais essa, ainda sejam lenientes com Obama.

* * *

Ainda antes de Osawotomie, já era evidente que a maioria dos apelos à justiça ou à justeza, hoje, não vêm dos aderentes do movimento Occupy, mas de democratas determinados a cooptar aquele movimento e recrutá-lo em prol da reeleição de Obama.

O pronunciamento de Obama em Osawotomie expandiu um pouco o escopo dos temas inclusos no discurso político, mas ainda persiste o estado original em que, em sua maioria, quando os democratas dizem que algo não é justo, o que eles têm em mente é apenas que os superricos não pagam impostos o bastante. Este é um lado de um “debate” notavelmente raso, mas altamente polarizado, em que o outro lado alega que taxar os que estão bem de vida é dar um tiro no próprio pé – porque os ricos são “geradores de empregos” que precisam poder ficar com tanto quanto for possível da receita e da riqueza que obtêm do mercado, de modo que a prosperidade “escorra” para baixo e beneficie a todos.

Merece menção o fato de que as propostas tributárias que os democratas defendem não são sequer aproximações tênues daquilo que a justiça Rawlsiana exige; elas dificilmente sequer contariam como redistributivas. Elas se resumem apenas a fazer que aqueles que têm lucrado como bandidos nas décadas recentes sejam taxados um pouco mais do que atualmente – talvez de volta aos níveis da era Clinton, mas certamente não àqueles dos dias em que os republicanos ainda gostavam de Ike [Eisenhower].

Para igualitaristas liberais, a taxação redistributiva deveria ter por meta a igualdade exceto na medida em que as desigualdades aumentem a porção que vai para os menos remediados – como talvez ocorra se houver incentivos tributários ao aumento das contribuições produtivas à economia. O argumento principal de Rawls era que isto é o que implica o entendimento prevalente da justiça como justeza. Se ele estava certo, a novidade ainda não chegou ao Partido Democrata.

Conclui-se, portanto, que ou os filósofos interpretaram o mundo de forma tremendamente errada ou os democratas não estão sequer minimamente interessados em mudá-lo. Não é óbvio qual das duas opções é correta? E assim, é tão difícil enxergar que quando os democratas falam de justiça, eles apenas disfarçam suas reais, e muito políticas, intenções?

Obama e seus sequazes querem tributos modestamente mais elevados que incidam sobre os ocupantes do topo da pirâmide de distribuição de renda como forma de legitimar o próprio regime que o movimento Occupy implicitamente (e cada vez mais explicitamente) opõe. Eles acham que podem atingir esse objetivo apenas limando algumas arestas. Nenhuma aresta poderia ser mais áspera do que o passe (quase) livre que foi dado ao 1% que abocanha 25% da receita do país e controla mais de 40% de sua riqueza; ou a quase-imunidade de taxação de que gozam as corporações e instituições financeiras cujo comportamento predatório causou a Grande Recessão [iniciada em 2008] e que, sendo “grandes demais para quebrar”, foram resgatados com dinheiro do contribuinte. O completo ultraje que essa situação representa pode não ser suficiente para enfurecer os cidadãos pertencentes ao “eleitorado pró-valores” que a administração Obama ainda está evidentemente tentando cortejar, mas ofende flagrantemente os sentimentos democráticos dos 99% cujo apoio, ou ao menos cuja aquiescência, é indispensável para manter intocado o status quo.

É relevante que tanto os democratas como os republicanos também pareçam achar que a ordem do dia atualmente é pagar a dívida federal. Que haja um consenso sobre uma postura tão espetacularmente burra exige uma explicação. Note o leitor primeiro, porém, que, rigorosamente, essa convicção deveria atuar em favor do campo que pretende taxar os ricos. Que os democratas ainda não tenham obtido uma vitória clara e cristalina nesse debate para o qual eles tentam desesperadamente canalizar a percepção das falhas do sistema que ajudam a sustentar confirma a eficácia continuada dos mecanismos ideológicos que moldam a forma como se travam as lutas políticas nos Estados Unidos e, é claro, confirma as propensões características do partido que Obama encarna e conduz, repetidas vezes, a capitular primeiro e culpar o outro lado depois.

* * *

Republicanos têm menos necessidade de disfarçar seus objetivos porque, após três décadas em que eles conseguiram que as coisas fossem ao seu modo e com oposição apenas simbólica [dos democratas], os ambiciosos que ainda (mal e mal) comandam o Grande Venerável Partido [GOP, Grand Old Party, como o Partido Republicano é conhecido nos EUA] e os (ligeiramente) menos afortunados membros do 1% que se identificam com eles se tornaram autoconfiantes demais para se importarem, enquanto as hordas de inocentes úteis que eles alistaram para a sua causa são tão devotadas a valores culturais retrógrados e ignorância nativista* que tampouco se importam.

*Nota do tradutor: ignorância nativista traduz o neologismo know-nothingism, uma alusão ao movimento conservador know-nothing do século XIX, marcado pela intolerância e anti-intelectualismo. Seus membros, quando confrontados em argumentação, adotavam o lema “I know nothing” (Eu nada sei). E não, o movimento não tinha inspiração socrática, caso alguém esteja se perguntando.

Porém, ainda há republicanos que, de tempos em tempos, sentem uma necessidade de se justificar, e nem todos eles vão tão longe como o primeiro colocado presidencial do dia, Newt Gingrich, em exemplificar o velho dito de que “quanto menos eles sabem, menos eles se dão conta disso”*. Alguns deles, principalmente estudantes nota C como o muito celebrado Paul Ryan, são apaixonados pelo charlatanismo crasso** da pseudofilósofa Ayn Rand. Porém, há também alguns estudantes nota A, mais notavelmente o filósofo Robert Nozick, que engendraram suas próprias teorias da justiça. Nozick não era um republicano dedicado; ele era apolítico. Ironicamente, no entanto, suas opiniões tiveram mais impacto no mundo real do que as de Rawls, ao menos até agora.

*The less they know, the less they know it. Entendo que se refira a uma situação em que uma pessoa é tão ignorante que não tem noção de tudo que ignora.

**Traduzi como charlatanismo crasso o sintagma inane nostrums. Inane é simples, mas nostrum significa “receita, fórmula, esquema”, com a conotação pejorativa de uma solução mal-ajambrada que não resolve coisa alguma. Por isso, estabeleci a comparação com os remédios vendidos por charlatões.

A descrição de justiça feita por Nozick ressuscitou as defesas, que jaziam adormecidas, que John Locke fez dos direitos de propriedade e das transações de mercado. Os argumentos de Nozick eram inteligentes o bastante para que filósofos políticos de todas as estirpes os considerassem cativantes, e não apenas para propósitos pedagógicos. Ainda assim, a influência de Nozick nos círculos acadêmicos foi limitada e mormente desagradável. Porém, pelo fato de que suas obras realmente parecem suprir um racional para minimizar o poder do estado e taxar os ricos o menos possível, parte de seu conteúdo vazou para o discurso convencional.

Entretanto, a despeito daquilo que supõe a maioria dos libertários, as implicações políticas das teorias da justiça lockeanas estão longe de serem claras. O que Nozick defendia era o capitalismo limpo – em que a propriedade é adquirida e transferida por meios que não violam quaisquer dos direitos que Locke e seus seguidores consideravam invioláveis. O capitalismo real tal como existe hoje não guarda a menor semelhança com esse ideal. Portanto, ainda que a defesa por Nozick da propriedade privada e dos mercados pudesse ser sustentada – o que, eu me arriscaria a dizer, ela não pode – nada do que se seguiria justifica as distribuições geradas pelo mercado que ocorrem no mundo real. As implicações de teorias da justiça neolockeanas são, na melhor das hipóteses, indeterminadas.

É por isso que os estudantes nota B que povoam os centros de políticas públicas da direita e que, portanto, influenciam a formulação de políticas dos republicanos usualmente defendem as desigualdades existentes com base na assertiva de que mecanismos de mercado os produziram e que mercados sempre acertam, desde que os governos não interfiram com a forma como operam.

Na medida em que eles têm motivos para abraçarem tal ponto de vista, estes são inferidos das descrições, por economistas neoclássicos, de como teorias abstratas de mercado operam quando um conjunto de condições impraticáveis (ausência de assimetrias de informação, de economias de escala, de distorções de preços provocadas por monopólios, e por aí vai) é atingido. De acordo com a teoria subjacente, mercados livres – incluindo mercados de futuros para quaisquer instrumentos financeiros que qualquer um possa querer adquirir – acabam por atingir estados de equilíbrio em que a fração distributiva de cada agente econômico reflete com precisão sua própria contribuição produtiva. Nesse sentido, as distribuições do mercado seriam justas. (Elas também atingem, em teoria, eficiência máxima, de acordo com uma definição de eficiência que tem apenas uma relação distante com o que a palavra significa em bom português, mas que confere credibilidade à conjetura de Adam Smith sobre as conseqüências benéficas da “mão invisível” de um mercado livre de qualquer obstáculo.) Contudo, mais uma vez, esses resultados só se aplicam a modelos abstratos de economias que têm tão pouco que ver com o mundo real quanto o capitalismo limpo de Nozick.

Defesas de arranjos de mercado baseados em justiça são racionalizações para posturas adotadas em nome de outras causas, não-racionais; e não propriamente motivos para se ter determinada convicção. Nesse sentido, elas são como teologia. Há uns novecentos anos, Santo Anselmo descreveu como “fé à procura de entendimento” o célebre e impenetrável argumento que criara para estabelecer a existência de Deus. Tal caracterização é também adequada para os teólogos pró-mercado de hoje, embora estes sejam geralmente menos cientes do que Anselmo no tocante ao rumo cognitivo de suas próprias empreitadas esotéricas.

* * *

Para esses ideólogos, a fé que eles defendem se resume a nada mais ilustre do que um apoio à ganância sem limites do 1%. Trata-se de uma empreitada tão tola quanto tentar provar que Deus existe, mas há um mercado para ambas as tolices. Há uma demanda especialmente alta por essa teologia de mercado nos dias que correm porque os plutocratas agora precisam de todo o apoio ideológico que conseguirem angariar – na medida em que, ao contrário de há trinta anos, seus interesses e os de todo mundo mais entraram em flagrante conflito.

Por uma conjunção de fatores fortuita e não reprodutível, foi possível, por cerca de três décadas após a Segunda Guerra Mundial, que aspirações democráticas (com “d” minúsculo) coexistissem em relativa harmonia com os requisitos do desenvolvimento em moldes capitalistas, e que um capitalismo em franca expansão melhorasse as condições de vida de muita gente, ainda que de modo algum de todos. Isso foi uma anomalia histórica; o capitalismo e a democracia normalmente não se bicam – não apenas porque um sistema baseado na propriedade privada e nos arranjos de mercado afasta a esfera econômica do controle popular, mas também porque o controle popular ameaça o domínio que os capitalistas exercem sobre os recursos produtivos; e ameaça o poder dos capitalistas.

Entre meados e o fim da década de 70, havia se esgotado a era de expansão capitalista que tornou possível arregimentar os menos favorecidos e, portanto, que a desigualdade diminuísse e uma aparência de justeza parecesse atingível. Todas as economias capitalistas desenvolvidas então entraram num período prolongado em que, por motivos políticos, a tensão inerente foi disfarçada por uma variedade de artifícios – principalmente pelo endividamento público e privado. Essas manobras evasivas foram, ao cabo, insustentáveis, como se vê hoje. Elas também aumentaram o poder político e econômico daqueles no topo de uma distribuição de renda cada vez mais desigual, ao mesmo tempo em que diminuiu enormemente o poder daquelas instituições, especialmente os sindicatos, que haviam impulsionado a justiça e a democracia nos período pós-guerra.

Agora parece que não restam panacéias, não importam quanto se precise delas para que tudo fique como está. Certamente, aquelas que seguraram a tampa da panela por tanto tempo se encontram completamente exaustas. Assim, encontramo-nos onde o Occupy Wall Street diz que estamos: os 99%, lutando para melhorar a vida de quase todo mundo, e o 1% a usar seu considerável poder – e nosso sistema político progressivamente disfuncional – para manter os primeiros no andar de baixo e assim ter maior chance de manter o que possui. É disso que se trata o movimento bipartidário – na verdade, assim ocorre em todo o mundo – rumo à austeridade.

Então, sim, de fato, as crescentes desigualdades que nos cercam são intoleravelmente injustas; e sim, as ocupações, e não o circo eleitoral que se aproxima, é que correspondem àquilo que se reconhece como democracia. Contudo, isso não é a história completa, ou mesmo a parte principal. O Occupy Wall Street é, ou está se tornando, o principal foco de luta de classes política em nosso tempo; e o que está em jogo é, ao cabo e ao fim, nada menos que o futuro do próprio capitalismo. Se nosso futuro, o futuro dos 99%, finalmente mudar de curso e para melhor, urge que a percepção de tudo isso tenha o alcance devido e que, junto com a consciência do fracasso moral das desigualdades que nos afligem, ela também se torne uma força material nos anos vindouros.

ANDREW LEVINE é acadêmico sênior no Institute for Policy Studies (Instituto de Estudos de Políticas Públicas), e suas obras mais recente foram THE AMERICAN IDEOLOGY (A ideologia estadunidense; Editora Routledge) e POLITICAL KEY WORDS (Palavras-chaves políticas; Editora Blackwell), assim como muitos outros livros e artigos em filosofia política. Ele foi professor de filosofia na Universidade de Wisconsin-Madison e professor-pesquisador de filosofia na Universidade de Maryland-College Park. Ele contribuiu para o livro Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion (Sem esperança: Barack Obama e a política da ilusão), prestes a sair pela Editora AK Press.

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Nota final: escolhi justiça e justeza, respectivamente, para traduzir justice e fairness. Filosoficamente a diferença é sutil, e se eu soubesse explicar a contento em poucas linhas, eu seria exegeta de John Rawls, autor que não li. Porém, arrisco-me a dizer que justice corresponde à expressão formal – leis e regulamentos – das condutas aceitáveis por uma sociedade. Fairness, ao contrário, corresponderia àquilo que atende aos postulados de não-maleficência e bem comum. Pelo que entendi, Rawls afirma que a harmonia social só existe se os dois conceitos se equivalerem. Quem quiser que me corrija.

http://www.counterpunch.org/2011/12/13/its-not-only-about-justice/print

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Livro sobre a Privataria tucana e a espera de Godot-Gurgel - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Conversa Afiada)

O livro do jornalista Amaury Ribeiro Júnior intitulado ‘A Privataria Tucana’, da Geração Editorial e cuja primeira edição esgotou em menos de 48 horas, começa com uma informação de capa: “Os documentos secretos e a verdade sobre o maior assalto ao patrimônio público brasileiro. A fantástica viagem das fortunas tucanas até o paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. E a história de como o PT sabotou o PT na campanha de Dilma Roussef”.

Com o livro na praça, os canais telemáticos e as redes sociais movimentaram-se extraordinariamente, abundaram comentários e caixas-postais eletrônicas lotaram.

Não tardou a crítica da posição silente por parte dos denominados veículos tradicionais de mídia e a respeito do livro, do seu conteúdo e dos documentos anexados.

Talvez tenham esses veículos que não se manifestaram concluído pelo veracidade da afirmação do senador Álvaro Dias que, –sem ler o livro–, falou em “matérias requentadas”. Ou, talvez, estejam à espera do sempre tardieiro (confira-se caso de Roberto Palocci) procurador geral Roberto Gurgel. Com Gurgel, poderão correr o risco de uma “Espera de Godot”, aquele personagem do teatrólogo irlandês Samuel Beckett.

A segunda edição do livro será apresentada na quarta-feira, na sede paulistana do sindicato dos bancários, segundo corre pelas redes sociais.

O estranho, — a essa altura do campeonato e não se perca de vista a contundência do informado na capa do livro–, é o silêncio tumular do excelentíssimo Procurador Geral da República. E espera-se que não caia na prevaricação.

Como sabem até os rábulas de porta de cadeia de pobre, o direito de punir criminosos , incluída a chamada burguesia mafiosa brasileira, é do Estado-administração. E o seu exercício se dá por meio de ação criminal, cuja titularidade foi, pelo contrato social chamado Constituição de 1988, entregue ao Ministério Público. E isto porque o Ministério Público representa a sociedade civil.

Infelizmente, não temos no Brasil a ação penal popular. Aquela referida e defendida pelo saudoso jurista José Frederico Marques.

Pela ação penal popular, — que não se confunde com a ação popular voltada a invalidar atos e contratos administrativos lesivos ao patrimônio financeiro público–, qualquer do povo, no exercício da cidadania, poderia apresentar, para julgamento pelo poder Judiciário, uma pretensão punitiva tipificada nas leis positivas criminais.

E já passou o tempo em que cogitava de o pedido de arquivamento por parte do ministério Público gerar a legimitação de qualquer do povo para promover a ação. A respeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é remansosa no sentido de a última palavra caber ao ministério Público.

No nosso sistema processual e criminal, frise-se, o titular da ação penal pública é o ministério Público, observada a competência processual-constitucional dos seus órgãos federais e estaduais.

Até para desatentos leitores, o livro do jornalista Amaury Ribeiro Júnior apresenta notícias de crimes e que não podem, exceção ao que ocorre em repúblicas bananeiras, escapar ao crivo do procurador Roberto Gurgel, procurador geral da República e chefe do ministério Público federal.

Em outras palavras, o procurador Roberto Gurgel deveria, até para não se cogitar em crime de prevaricação, examinar, em regular procedimento a ser instaurado, o conteúdo e documentos referidos no livro “A Privataria Tucana”. Mais ainda, no caso de haver notícia de crime fora da sua atribuição, caberia enviar o procedimento à procuradoria competente.

Aqueles veículos de mídia que se mantém silentes talvez estejam no aguardo da palavra de Roberto Gurgel, até para que esclareça se os documentos, em especial aos que decorreram de exceção da verdade apresentada em juízo pelo jornalista Amaury Ribeiro Júnior, já foram objeto de análise pela Procuradoria Geral da República: por evidente, não valerá o argumento de que Comissão Parlamentar de Inquérito já os apreciou, pois, como frisado acima, o titular da ação penal pública é o ministério Público.

Pano Rápido. A estranheza maior, pelo menos da minha parte, não está no silencio de algumas mídias, mas no calar sepulcral de Roberto Gurgel.

O procurador Roberto Gurgel, já criticado ao se pronunciar pela constitucionalidade da Lei de Anistia aos torturadores do regime militar e que deu tratamento inusitado ao caso do ex-ministro Antonio Palocci, tarda a dar uma satisfação à sociedade. Afinal, a meta, voltando a Frederico Marques, é não deixar impunes os crimes e não punir os inocentes.

Que tal a sociedade civil organizada participar, formalmente a Roberto Gurgel, o fato de o livro A Privataria Tucana apresentar notícias de crimes. O ofício seguiria com um livro para conhecimento de Gurgel que, pelo visto, ainda não os tem em mãos.

domingo, 18 de dezembro de 2011

O ruído virtual do silêncio - por CartaCapital

Em apenas quatro dias, a primeira edição estava esgotada, com 30 mil exemplares vendidos. As primeiras 15 mil cópias de A Privataria Tucana, livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., desapareceram em menos de 24 horas das principais livrarias do País, um sucesso inegável. O êxito editorial é um reconhecimento do esforço de apuração do repórter, que passou mais de dez anos investigando as maracutaias das privatizações na era Fernando Henrique Cardoso. “Mas se esta mesma obra tivesse sido lançada dez ou 15 anos atrás, ela poderia ter amargado um fracasso de vendas”, especula o jornalista e sociólogo Venício Artur de Lima, professor aposentado da Universidade de Brasília. “A chamada grande mídia ignorou solenemente as denúncias do livro e, não fosse pela repercussão na internet, em blogs e redes sociais, dificilmente teria entrado para o debate público como ocorreu.”

A omissão dos principais veículos de comunicação revelou, sobretudo, a seletividade da mídia tradicional na cobertura dos escândalos políticos. As exceções, como de hábito, foram raras. CartaCapital- antecipou aos leitores, em reportagem de capa com 12 páginas, as principais denúncias feitas por Ribeiro Jr., fartamente documentadas no livro, além de -divulgar com exclusividade trechos da obra. A TV Record, que emprega o repórter-autor, também dedicou parte significativa do seu noticiário ao tema, assim como a revista eletrônica Terra Magazine, editada por Bob Fernandes. Ficou por aí. Enquanto os principais jornais e telejornais se calavam, quem cuidou de manter o debate aceso foram os internautas, tanto em textos publicados em blogs,como nos incalculáveis comentários que se alastraram pelo Facebook, Twitter e outras redes sociais. Diante da dificuldade de encontrar o livro nas prateleiras das livrarias, multiplicaram-se os boatos sobre um possível boicote. E também versões -digitalizadas da obra na web. “Muita gente baixou cópias. O livro impresso deve chegar ao Acre (se chegar) em 2012”, tuitou o jornalista acriano Altino Machado.

O silêncio dos jornalões impressionou até mesmo profissionais calejados, acostumados a combater o jogo rasteiro da mídia tradicional. “Sete ministros da presidenta Dilma já caíram, sempre em razão de denúncias de corrupção ou de tráfico de influência. Em todos os casos, a mídia cumpriu o seu papel. Investigou e mancheteou. Impiedosamente. A oposição botou a boca no trombone, como lhe cabe fazer. Mas, desde sexta-feira 9, o que se ouve é um estrondoso silêncio”, criticou Fernandes no Jornal da Gazeta, três dias após o lançamento do livro.

“Alguém invocou a credibilidade do Sombra, aquele que recebia e pagava (propina) e que levou à queda do governador José Roberto Arruda (do Distrito Federal)? Ou dos motivos que levaram Roberto Jefferson a denunciar o mensalão? E o policial João Dias, que recebia dinheiro,como confessou há pouco, mas levou à queda do ministro do Esporte, Orlando Silva?”, indagou. “Os citados no livro A Privataria Tucana seguem em profundo silêncio. A mídia, sempre pronta a investigar e manchetear, como é de seu ofício, também segue em silêncio. Um silêncio estrondoso. Se continuar assim, um silêncio revelador.”

Entrincheirado em seu blog, o jornalista econômico Luis Nassif foi um dos primeiros a repercutirem a última reportagem de capa de CartaCapital e esmiuçar as denúncias do livro, ao lado de Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim e Rodrigo Vianna. “Ao juntar todas as peças do quebra-cabeça e acrescentar documentos relevantes, Amaury escancara a história recente do País. Fica claro por que os jornais embarcaram de cabeça na defesa de Daniel Dantas, Gilmar Mendes e outros personagens que os indispuseram com seus próprios leitores”, escreveu. Na avaliação de Nassif, a mídia firmou um grande pacto com Serra em 2005, com duplo objetivo: um, não alcançado, de ajudá-lo a se tornar presidente da República; o outro, levado a cabo, foi a blindagem contra qualquer tipo de denúncia. “Foi um comprometimento tão amplo, orgânico, que agora a velha mídia não repercute mais nada que deponha contra Serra. De um modo geral, a imprensa brasileira sempre teve uma cobertura partidarizada, mas havia um espaço mínimo de debate. Um colunista podia, eventualmente, discordar da linha editorial do jornal. Havia mais sensibilidade para oferecer informações de interesse do leitor. Goste ou não do livro do Amaury, não se pode ignorá-lo. Deve ser debatido nem que seja para rebater o que está escrito lá. Isso expôs os próprios jornalistas da mídia tradicional ao ridículo. Quem tem perfil em redes sociais está sendo cobrado pelos leitores.”

De fato, sobram exemplos de jornalistas constrangidos na web. No Twitter, por exemplo, diversos colunistas e analistas políticos perderam a esportiva quando indagados por internautas sobre o seu silêncio em relação às denúncias. Lúcia Hippolito, comentarista da Rádio CBN, justificou que ainda não havia tido tempo para ler o livro e disparou contra um seguidor do seu microblog: “Por favor, não gosto de ser pautada. Não gostava na ditadura, não vou aceitar na democracia. Vou ler o livro com atenção e comentar”. Ricardo Noblat, colunista do jornal O Globo, afirmou que comprou um exemplar, mas o lê “sem pressa”. Cobrado por leitores, fugiu pela tangente: “Lula disse mais de uma vez que a grande imprensa não forma opinião. Não é levada em conta. Portanto, o livro do Amaury não precisa de resenhas na grande imprensa para vender bem. As redes sociais se encarregarão disso. Não é?” Também Dora Kramer, colunista do Estado- de S. Paulo, viu-se numa saia justa diante das cobranças na internet: “Se a ‘mídia golpista’ não tem a menor importância, por que querem tanto que a imprensa comente o livro?” A jornalista perguntou e ela própria sabe qual é a resposta.

Na avaliação de VenícioLima, esse tipo de embate deve se intensificar ainda mais, conforme a internet é popularizada no Brasil. “A verdade é que a mídia perdeu o monopólio para ditar a pauta do debate público. Novas fontes de informação política surgiram na web, com a possibilidade de interação com os leitores, e essas fontes são consultadas. Independentemente da vontade da grande mídia, o tema tem sido debatido intensamente nos últimos dias, o que forçou alguns jornais, como a Folha de S. Paulo e o Estadão, a se pronunciarem, ainda que timidamente, numa tentativa de desqualificar o autor do livro”, afirma. “Eles sabem que precisam entrar nesse debate, porque o que está em jogo é a credibilidade deles. Não dá para continuar atuando como um partido político, atacando os rivais e protegendo os amigos, porque esse tipo de postura é denunciado na internet. Não é à toa que há muito tempo eles perdem leitores e audiência.”

Para o jornalista Paulo Henrique Amorim, apresentador do Domingo Espetacular, da TV Record, e editor do site Conversa Afiada, o fenômeno pode ser comparado à Primavera Árabe. Apenas a sua página na internet viu a audiência crescer 20% desde o lançamento do livro de Amaury, passando de 42 mil acessos diários para mais de 52 mil. “A internet ajudou a desmascarar Serra e a imprensa golpista, que está se enterrando agarrada às entranhas do nosso Mubarak. Digo isso porque o Serra está com a mesma saúde política do Mubarak. As farsas do tucano durante a campanha de 2010, como o espetáculo da bolinha de papel, foram desmascaradas na web. A mídia sempre deu respaldo às calhordices dele, e agora perdeu a credibilidade.”
Amorim foi um dos primeiros a revelarem que Ribeiro Jr. preparava um livro contundente sobre as maracutaias das privatizações. Quando ficou sabendo da disputa interna na cúpula da campanha de Dilma, entre os grupos de Rui Falcão e de Fernando Pimentel, procurou Amaury para perguntar sobre o suposto dossiê que preparava contra Serra. “Ele negou a existência de um dossiê, mas confirmou que estava escrevendo um livro sobre as privatizações. Na época, cheguei a publicar um prefácio da obra, que nem chegou a ser aproveitado na versão final, mas que resumia as denúncias. Desde então, passei a ser alvo de intensos ataques. Não faltou quem dissesse que o livro não existia, era uma peça de ficção, mas eu voltei a conversar com ele diversas vezes e ele me mostrava documentos, provas do que dizia e às vezes deixava eu ler um capítulo concluído”, afirma. “Pois bem, não era ficção. O livro está aí. E a mídia se recusa a falar sobre ele, até porque não sabe como rebater as acusações. Essa é a pior imprensa de todas as novas democracias.

E sempre foi assim, covarde, partidária. É a mesma imprensa caluniosa do tiro no peito de Getúlio Vargas, o boletim interno da Casa Grande.”

Na avaliação do jornalista Rodrigo Vianna, que mantém o blog O Escrevinhador, “o livro fatalmente ficaria restrito aos poucos veículos de comunicação mais críticos se os internautas não fizessem barulho na web”. A audiência em seu blog cresceu de 20% a 30% após noticiar o caso, um crescimento semelhante ao do site de CartaCapital. Em ambas as páginas, os textos relacionados à “privataria tucana” foram recordistas de comentários. “É evidente que a grande mídia tem um peso muito forte para mobilizar a opinião pública. Consegue derrubar ministros e motivar investigações oficiais com facilidade, mas ela não detém mais o monopólio da agenda pública. Não consegue mais esconder um tema como esse. - CartaCapital chegou às bancas na sexta-feira 9 e em menos de 12 horas o Brasil inteiro discutia a sua matéria de capa e o livro do Amaury. Quem tem acesso à internet não ficou sem informação. Já os leitores da velha mídia não tiveram a mesma sorte. Essa omissão pode sair caro.

Hora de rever as privatizações - por Mauro Santayana (CartaMaior)

Se outros efeitos não causar à vida nacional o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., suas acusações reclamam o reexame profundo do processo de privatizações e suas razões. Ao decidir por aquele caminho, o governo Collor estava sendo coerente com sua essencial natureza, que era a de restabelecer o poder econômico e político das oligarquias nordestinas e, com elas, dominar o país. A estratégia era a de buscar aliança internacional, aceitando os novos postulados de um projetado governo mundial, estabelecido pela Comissão Trilateral e pelo Clube de Bielderbeg. Foi assim que Collor formou a sua equipe econômica, e escolheu o Sr. Eduardo Modiano para presidir ao BNDES – e, ali, cuidar das privatizações.

Primeiro, houve a necessidade de se estabelecer o Plano Nacional de Desestatização. Tendo em vista a reação da sociedade e as denúncias de corrupção contra o grupo do presidente, não foi possível fazê-lo da noite para o dia, e o tempo passou. O impeachment de Collor e a ascensão de Itamar representaram certo freio no processo, não obstante a pressão dos interessados.

Com a chegada de Fernando Henrique ao Ministério da Fazenda, as pressões se acentuaram, mas Itamar foi cozinhando as coisas em banho-maria. Fernando Henrique se entregou à causa do neoliberalismo e da globalização com entusiasmo. Ele repudiou a sua fé antiga no Estado, e saudou o domínio dos centros financeiros mundiais – com suas conseqüências, como as da exclusão do mundo econômico dos chamados “incapazes” – como um Novo Renascimento.

Ora, o Brasil era dos poucos países do mundo que podiam dizer não ao Consenso de Washington. Com todas as suas dificuldades, entre elas a de rolar a dívida externa, poderíamos, se fosse o caso, fechar as fronteiras e partir para uma economia autônoma, com a ampliação do mercado interno. Se assim agíssemos, é seguro que serviríamos de exemplo de resistência para numerosos países do Terceiro Mundo, entre eles os nossos vizinhos do continente.

Alguns dos mais importantes pensadores contemporâneos- entre eles Federico Mayor Zaragoza, em artigo publicado em El País há dias, e Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia – constataram que o desmantelamento do Estado, a partir dos governos de Margareth Thatcher, na Grã Bretanha, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, foi a maior estupidez política e econômica do fim do século 20. Além de concentrar o poder financeiro em duas ou três grandes instituições, entre elas, o Goldman Sachs, que é hoje o senhor da Europa, provocou o desemprego em massa; a erosão do sistema educacional, com o surgimento de escolas privadas que só servem para vender diplomas; a contaminação dos sistemas judiciários mundiais, a partir da Suprema Corte dos Estados Unidos – que, entre outras decisões, convalidou a fraude eleitoral da Flórida, dando a vitória a Bush, nas eleições de 2000 -; a acelerada degradação do meio-ambiente e, agora, desmonta a Comunidade Européia. No Brasil, como podemos nos lembrar, não só os pobres sofreram com a miséria e o desemprego: a classe média se empobreceu a ponto de engenheiros serem compelidos a vender sanduíches e limonadas nas praias.

É o momento para que a sociedade brasileira se articule e exija do governo a reversão do processo de privatizações. As corporações multinacionais já dominam grande parte da economia brasileira e é necessário que retomemos as atividades estratégicas, a fim de preservar a soberania nacional. É também urgente sustar a incontrolada remessa de lucros, obrigando as multinacionais a investi-los aqui e taxar a parte enviada às matrizes; aprovar legislação que obrigue as empresas a limpa e transparente escrituração contábil; regulamentar estritamente a atividade bancária e proibir as operações com paraísos fiscais. É imprescindível retomar o conceito de empresa nacional da Constituição de 1988 – sem o que o BNDES continuará a financiar as multinacionais com condições favorecidas.

A CPI que provavelmente será constituída, a pedido dos deputados Protógenes Queiroz e Brizola Neto, naturalmente não se perderá nos detalhes menores – e irá a fundo na análise das privatizações, a partir de 1990, para que se esclareça a constrangedora vassalagem de alguns brasileiros, diante das ordens emanadas de Washington. Mas para tanto é imprescindível a participação dos intelectuais, dos sindicatos de trabalhadores e de todas as entidades estudantis, da UNE, aos diretórios colegiais. Sem a mobilização da sociedade, por mais se esforcem os defensores do interesse nacional, continuaremos submetidos aos contratos do passado. A presidente da República poderia fazer seu o lema de Tancredo: um governante só consegue fazer o que fizer junto com o seu povo.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O livro e a imprensa, um ponto de ruptura - por Luciano Martins Costa (Observatório da Imprensa)

Esta semana marca um ponto de ruptura da imprensa brasileira tradicional, aquela chamada de circulação nacional. O fato de os principais jornais do país haverem ignorado o tópico mais divulgado na internet – o livro que denuncia atividades criminosas atribuídas a familiares e pessoas próximas do ex-governador José Serra – representa uma declaração pública de que a imprensa tradicional não considera relevante o ambiente midiático representado por blogs, sites independentes de empresas de mídia e grupos de discussões nas redes sociais.

A fidelidade canina das grandes empresas de comunicação ao político Serra é um caso a ser investigado por jornalistas e analisado por cientistas políticos. Na medida em que essa fidelidade chega ao ponto de levar as bravas redações – sempre animadas para publicizar toda espécie de malfeitoria envolvendo protagonistas do poder – a fingir que não tem qualquer relevância o fenômeno editorial intitulado A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., cria-se um precedente cujas consequências não se pode ainda avaliar.

Por iniciativa da imprensa tradicional, aprofunda-se o fosso que a separa da mídia alternativa.

Debate aberto

Não que tenha arrefecido o ímpeto dos jornais por dar repercussão a todo tipo de denúncia: estão nas primeiras páginas, nas edições de quinta-feira (15/12), o ministro Fernando Pimentel, o governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz e o publicitário Marcos Valério.

Cada um desses personagens tem uma história a explicar para a sociedade, mas a imprensa, ao proceder com tão escancarado desequilíbrio nos critérios de edição, se desqualifica como meio legítimo para mediar a questão com a sociedade.

Não se pode escapar à evidência de que a imprensa realiza um esforço corporativo para apresentar ao seu público um cardápio restrito de escândalos, quando o prato mais apetitoso vende milhares de exemplares de livros, produz um mercado paralelo de cópias piratas e manifesta o desejo do público de saber mais.

O silêncio da imprensa prejudica as chances do ex-governador José Serra de contestar as acusações apresentadas no livro contra sua filha, seu genro, o coordenador de suas campanhas eleitorais e outros personagens ligados ao seu núcleo de ação política.

Paralelamente, amplia o raio de conflitos entre as empresas de comunicação e a categoria profissional dos jornalistas, muitos dos quais são ativos participantes nos debates sobre o livro de Amaury Ribeiro Jr.

Fugindo da boa história

A origem do esquema investigado pelo autor de A Privataria Tucana se confunde com o ponto em que a imprensa tradicional perdeu o interesse pelo caso do Banestado – provavelmente a matriz de todos os crimes financeiros revelados ou semiocultos no Brasil nos últimos quinze anos. Por essa razão, aumenta a curiosidade geral em torno da recusa da imprensa em reabrir esse caso através da janela criada com o livro de Ribeiro Jr.

A partir deste ponto, torna-se legítima qualquer desconfiança sobre o real interesse da chamada grande imprensa em ver desvendadas as denúncias de corrupção que ela própria divulga. Não há mais dúvida razoável de que essas denúncias são publicadas de maneira seletiva.

O mapa aberto pelo livro de Ribeiro Jr., pelo que já se deu a conhecer, complementa reportagens já publicadas sobre crimes financeiros em geral, mas principalmente sobre aqueles que têm como vítima o patrimônio público. Em geral, as reportagens sobre aquilo que agora é chamado de malfeito esmaecem quando o caso se transforma em processo formal na Justiça.

Estranhamente, quando surge a possibilidade de oferecer ao público o acompanhamento das conclusões, a imprensa sai de campo. Observe-se, por exemplo, que o chamado caso “mensalão” está para ser prescrito e há um hiato no noticiário entre a aceitação da denúncia e a prescrição.

No caso Banestado, assim como no livro-reportagem de Amaury Ribeiro Jr., o mais importante é a revelação do esquema de lavagem de dinheiro, com o mapa dos caminhos que o dinheiro sujo realiza por paraísos fiscais e contas suspeitas. Trata-se do mesmo esquema utilizado pelos financiadores ocultos do narcotráfico, pelos corruptos e corruptores e por cidadãos acima de qualquer suspeita.

Se desse curso às pistas levantadas no livro de Ribeiro Jr., a imprensa poderia construir histórias muito interessantes – por exemplo, ao identificar consultores jurídicos especializados em lavagem de dinheiro que costumam frequentar páginas mais nobres dos jornais.

A omissão da imprensa em relação ao fenômeno editorial do ano é também a renúncia ao bom jornalismo

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Os cevadores de trolls - por Cynara Menezes (CartaCapital)


No livro “You Are Not a Gadget” (“Você não é um aplicativo”, editora Saraiva), lançado ano passado, o americano Jaron Lanier, um dos pioneiros da realidade virtual, adverte e lamenta que a internet esteja servindo para libertar o “troll interior” que todos carregamos.

Nós, seres cordatos e decentes na vida em sociedade, estaríamos sendo tentados pelo anonimato da rede a confessar em blogs e fóruns nossos pensamentos e preconceitos mais sórdidos. Uma espécie de Médico e o Monstro virtual cuja poção capaz de liberar o lado escuro é a certeza de que ninguém saberá que somos capazes de pensar aquelas coisas –além, claro, de evitar processos judiciais.

Lanier defende o fim dos comentários apócrifos, sem a identidade de seus autores, mas antes de tudo dá alguns conselhos às pessoas em geral para resistirem à sedução da trollagem. A primeira e mais importante delas é: nunca poste anonimamente a não ser que, se você se identificar, corra algum perigo. É um conselho muito bacana, mas ele esqueceu ou não quis se dirigir também aos trolls que estão detrás das telas destes trollzinhos, com colunas opinativas impressas ou em vídeo, instigando estes pensamentos e preconceitos sórdidos. Cevando os trolls interiores.

Foi-se o tempo em que recebíamos correntes de e-mails com artigos edificantes ou engraçados. Era até chato, eu sei, mas já comecei a sentir saudade, juro. Sobretudo de quando a leitura de uma coluna mexia comigo, quando era capaz de me fazer concordar, discordar ou até me fazer mudar de opinião sobre um assunto. Felizmente ainda há exceções, mas hoje alguns colunistas só conseguem me causar indignação. O que no passado era conhecido como “polemista” se transformou num criador de casos banal, tipo aquele bêbado do bar da esquina que provoca todo mundo. Na vida real, o bêbado iria causar repulsa nos frequentadores do boteco. No mundo virtual, arrasta um monte de gente atrás dele, rindo e replicando suas asneiras.

O cevador de troll é mais perigoso do que o troll, porque, alimentando-os, os multiplica. Quando um colunista escreve que homofobia não é crime, não é porque ele respeita o direito de alguém não gostar de homossexuais. O que ele quer é angariar notoriedade mesmo que isso custe incentivar o preconceito contra os gays e consequentemente os trolls da rede, que são atraídos por estes textos que nem moscas. Quando um articulista chama uma senadora de “primeira-dama das estrebarias” está, sim, chamando: ti, ti, ti, venham, trollzinhos, que aqui tem alpiste.

Quando alguém com meia página num jornal diz que detesta classes emergentes, dá razão ao troll mais mesquinho e o incentiva a ir em frente. Come, trollzinho, pra ficar gordinho. Saciado, o troll deve pensar: “Nossa, é legal pensar desse jeito. Se eu continuar assim, um dia vou conseguir trabalho num jornal ou revista importante”. Ou: “O segredo do sucesso é sempre dizer o que se pensa, mesmo que isso seja nojento”. Nham, nham. Arf.

Esqueça todas aquelas condenações que leu na imprensa aos internautas capazes de tripudiar sobre a doença de um ex-presidente. Elas não passam de uma tentativa de maquiar com as tintas da civilidade o fato de que estas criaturas horrendas possuem um criador. Alguém que lhes dá de comer na boquinha, que os estimula a crescer, a se encorajar, a não se reprimir. Os cevadores de trolls estão todos bem empregados, não vai lhes faltar emprego. Alimentar monstrinhos atrai leitores. E eleitores.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um sucesso de vendas cercado por um muro de silêncio - por Maria Inês Nassif (Agência CartaMaior)

O livro "A Privataria Tucana", de Amaury Ribeiro Jr., foi lançado há quatro dias e já é um fenômeno de vendas cercado por um muro de silêncio. Produto de doze anos de trabalho - e, sem dúvida, a mais completa investigação jornalística feita sobre o submundo da política neste século -, o livro consegue mapear o esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que teria sido montado em torno do tucano José Serra. De quebra, coloca o PT em duas saias justas. Ao atirar para os dois lados, o livro-bomba do jornalista acabou conseguindo a façanha de ser ignorado pela mídia tradicional, pelo PT e pelo PSDB.

O livro "A Privataria Tucana", de Amaury Ribeiro Jr., foi lançado há quatro dias e já é um fenômeno de vendas cercado por um muro de silêncio. Produto de doze anos de trabalho - e, sem dúvida, a mais completa investigação jornalística feita sobre o submundo da política neste século -, o livro consegue mapear o esquema de corrupção e lavagem de dinheiro montado em torno do político tucano José Serra - ex-deputado, ex-senador, ex-ministro, ex-governador, ex-prefeito e candidato duas vezes derrotado à Presidência da República. De quebra, coloca o PT em duas saias justas. A primeira delas é a constatação de que o partido, no primeiro ano de governo Lula, "afinou" diante do potencial de estrago da CPMI do Banestado, que pegou a lavanderia de vários esquemas que, se atingiam os tucanos, poderiam também resvalar para figuras petistas. O segundo mal-estar com o PT é o ultimo capítulo do livro, quando o autor conta a "arapongagem" interna da campanha do PT, que teria sido montada para derrubar o grupo ligado ao mineiro Fernando Pimentel da campanha da candidata Dilma Rousseff. Amaury aponta (como ele já disse antes) para o presidente do partido, Rui Falcão. Falcão já moveu um processo contra o jornalista por conta disso. O jornalista mantém a acusação.

Ao atirar para os dois lados, o livro-bomba do jornalista, um dos melhores repórteres investigativos do país, acabou conseguindo a façanha de ser ignorado pela mídia tradicional e igualmente pelo PT e pelo PSDB. O conteúdo de seu trabalho, todavia, continua sendo reproduzido fartamente por sites, blogs e redes sociais. Esgotado ontem nas livrarias, caminha para sua segunda edição. E já foi editado em e-book.

Os personagens do PSDB são conhecidos. O ex-caixa de campanha de Serra e de FHC, Ricardo Sérgio de Oliveira, aparece como o "engenheiro" de um esquema que operou bilhões de dólares durante as privatizações e os dois governos de Fernando Henrique Cardoso. A mesma tecnologia financeira usada por Oliveira foi depois copiada pela filha de Serra, Verônica, e seu marido, Alexandre Burgeois. Gregório Marin Preciado surge também como membro atuante do esquema. Ele é casado com uma prima do tucano nascido na Móoca, ex-líder estudantil e cardeal tucano.

Embora esteja concentrado nesse grupo específico do tucanato - o empresário Daniel Dantas só aparece quando opera para o mesmo esquema -, o livro não poupa gregos, nem troianos. A documentação da Comissão Parlamentar de Inquérito Mista (CPMI) do Banestado, que forneceu os primeiros documentos sobre lavagem de dinheiro obtido ilegalmente das privatizações, é o pontapé inicial do novelo que se desenrola até as eleições presidenciais do ano passado. A comissão, provocada por denúncias feitas pela revista Isto É, em matéria assinada pelo próprio Ribeiro Jr. e por Sônia Filgueiras, recebeu da promotoria de Nova York, e foi obrigada a repassá-lo à Justiça de São Paulo, um CD com a movimentação de dinheiro de brasileiros feita pelo MTB Bank, de NY, fechado por comprovação de que lavava dinheiro do narcotráfico, do terrorismo e da corrupção, por meio de contas de um condomínio de doleiros sul-americanos.

O material era uma bomba, diz o jornalista, e provocou a "Operação Abafa" da comissão de inquérito, pelo seu potencial de constranger tanto tucanos, como petistas (a CPMI funcionou no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003).

Amaury Ribeiro conta de forma simples intrincadas operações de esfria/esquenta dinheiro ilegal - e, de quebra, dá uma clara ideia de como operava a "arapongagem tucana" a mando de Serra. Até o livro, as acusações de que Serra fazia dossiês para chantagear inimigos internos (do PSDB) e externos eram só folclore. No livro, ganham nome, endereço e telefone.

Nos próximo parágrafos, estão algumas das histórias contadas por Amaury Ribeiro Jr., com as fontes. Nada do que aponta deixa de ter uma comprovação documental, ou testemunhal. É um belo roteiro para a grande imprensa que, se não acusou até agora o lançamento do livro, poderia ao menos tomá-lo como exemplo para voltar a fazer jornalismo investigativo.

1. A arapongagem da turma do José Serra (pág. 25) - Quando ministro da Saúde do governo FHC, José Serra montou um núcleo de inteligência dentro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (a Gerência Geral da Secretaria de Segurança da Anvisa). O núcleo era comandado pelo deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), também delegado. O grupo foi extinto quando a imprensa denunciou que o grupo bisbilhotava a vida dos funcionários. O funcionário da Agência Brasileira de Informações Luiz Fernandes Barcellos (agente Jardim) fazia parte do esquema. Também estava lá o delegado aposentado da Polícia Federal Onézimo de Graças Souza.

Este núcleo, mesmo desmontado oficialmente, teria sido usado por Serra, quando governador, para investigar os "discretos roteiros sentimentais" do governador de Minas, Aécio Neves, no Rio de Janeiro. De posse do dossiê, Serra teria tentado chantagear Aécio para que o governador mineiro não disputasse com ele a legenda do PSDB para a Presidência da República. O agente Jardim, segundo apurou Amaury, fez o trabalho de campo contra Aécio. (Fontes: O agente da Cisa Idalísio dos Santos, o Dadá, conseguiu informações sobre o núcleo de arapongagem de Serra e teve a informação confirmada por outros agentes. Para a "arapongagem" contra Aécio, o próprio Palácio da Liberdade).

2. O acordo entre Serra e Aécio (págs. 25 a 28) - Por conta própria, Ribeiro Jr., ainda no "Estado de Minas" e sem que sua apuração sobre a arapongagem de Serra tivesse sido publicada, retomou pauta iniciada quando ainda trabalhava no "Globo", sobre as privatizações feitas no governo FHC. Encontrou a primeira transação do ex-tesoureiro de campanha de FHC e Serra, Ricardo Sérgio de Oliveira: a empresa offshore Andover, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, que injetava dinheiro de fora para outra empresa sua, em São Paulo, a Westchester. (Fontes: cartórios de títulos e documentos e Juntas Comerciais de São Paulo e do Rio).

Nos mesmos papéis, encontrou outro personagem que usava a mesma metodologia de Oliveira: o genro de Serra, Alexandre Bourgeois, casado com Verônica Serra. Logo após as privatizações das teles, Bourgeois abriu duas off-shores no mesmo paraíso fiscal - a Vex Capital e a Iconexa Inc, que operavam no mesmo escritório utilizado pelo ex-tesoureiro, o do Citco Building. (Fonte: 3° Cartório de Títulos e Documentos de São Paulo).

Amaury ligou para assessoria de Serra no governo do Estado e se deu mal: as informações, das quais queria a versão do governador, serviram para que o tucano paulista ligasse para Aécio e ambos aparassem as arestas. O Estado de Minas não publicou o material.

3. Ricardo Sérgio de Oliveira, Carlos Jereissati e a privatização das teles - O primeiro indício de que a privatização das teles encheu os cofres de tucanos apareceu no relatório sobre as movimentações financeiras do ex-caixa de campanha Ricardo Sérgio de Oliveira que transitou pela CPMI do Banestado. A operação comprova que Oliveira recebeu propina do empresário Carlos Jereissati, que adquiriu em leilão a Tele Norte Leste e passou a operar a telefonia de 16 Estados. A offshore Infinity Trading (de Jereissati) depositou US$ 410 mil em favor da Fanton Interprises (de Ricardo Sérgio) no MTB Bank, de Nova York.

Comprovação do vínculo da Infinity Trading com Jereissati: Relatório 369 da Secretaria de Acompanhamento Econômico; documentos da CPMI do Banestado.

Comprovação do vínculo de Oliveira com a Franton: declaração do próprio Oliveira, à Receita Federal, de uma doação à Franton, em 2008.

4. Quando foi para a diretoria Internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio tinha duas empresas, a Planefin e a RCM. Passou a administração de ambas para a esposa, a desenhista Elizabeth, para assumir o cargo público. Em 1998, a RCM juntou-se à Ricci Engenharia (do seu sócio José Stefanes Ferreira Gringo), para construir apartamentos. Duas torres foram compradas pela Previ (gerida pelo seu amigo João Bosto Madeira da Costa) ainda na maquete. A Planefin entrou no negócio de Intenet recebeu líquido, por apenas um serviço, R$ 1,8 milhão do grupo La Fonte, de Carlos Jereissati, aquele cujo consórcio, a Telemar, comprou a Tele Norte Leste (com a ajuda de Ricardo Sérgio, que forneceu aval do BB e dinheiro da Previ à Telemar).

5. Em julho de 1999, a Planefim comprou, por R$ 11 milhões, metade de um prédio de 13 andares no Rio, e outra metade de outro edifício em Belo Horizonte. As duas outras metades foram compradas pela Consultatum, do seu sócio Ronaldo de Souza, que morreu no ano passado. Quem vendeu o patrimônio foi a Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, reduto tucano. O dinheiro para pagar a metade de Ricardo Sérgio nos imóveis veio da Citco Building, nas Ilhas Virgens Briânicas, a mesma "conta-ônibus" de doleiros que viria a lavar dinheiro sul-americano sujo, de várias procedências.

Amanhã, a Carta Maior contará o que o livro de Amaury Ribeiro Jr. revela das operações feitas pela filha e genro de Serra, Verônica e Alexandre Bourgeois, e pelo primo Gregório Marín Preciato.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sobre o livro "A privataria tucana"

Um apanhado das reportagens sobre o livro que esta sendo considerado a reportagem da década, ao apresentar provas (e não acusações vazias) de corrupção envolvendo o senhor José Serra. Como nossa mídia é muito casta e honesta, muito defensora do dinheiro público e totalmente contra a corrupção, como é isenta e verdadeira, não publicou nada sobre o tema (ou, como fez o Estadão, publicou no site, escondido, e se censurou descaradamente na edição impressa).
É por causa deste tipo de gente, deste tipo de atitude, que este senhor deplorável ainda permaneceu na política brasileira. Agora, a pá de cal esta selada.

 Chega às livrarias ‘A Privataria tucana’, de Amaury Ribeiro Jr. CartaCapital relata o que há no livro


A “Privataria tucana”, de Amaury Ribeiro Jr., chega às bancas. CartaCapital relata o que há no livro

Não, não era uma invenção ou uma desculpa esfarrapada. O jornalista Amaury Ribeiro Jr. realmente preparava um livro sobre as falcatruas das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso.

Neste fim de semana chega às livrarias “A Privataria Tucana”, resultado de 12 anos de trabalho do premiado repórter que durante a campanha eleitoral do ano passado foi acusado de participar de um grupo cujo objetivo era quebrar o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos. Ribeiro Jr. acabou indiciado pela Polícia Federal e tornou-se involuntariamente personagem da disputa presidencial Na edição que chega às bancas nesta sexta-feira 9, CartaCapital traz um relato exclusivo e minucioso do conteúdo do livro de 343 publicado pela Geração Editorial e uma entrevista com autor (reproduzida abaixo).

A obra apresenta documentos inéditos de lavagem de dinheiro e pagamento de propina, todos recolhidos em fontes públicas, entre elas os arquivos da CPI do Banestado.

José Serra é o personagem central dessa história. Amigos e parentes do ex-governador paulista operaram um complexo sistema de maracutaias financeiras que prosperou no auge do processo de privatização.
Ribeiro Jr. elenca uma série de personagens envolvidas com a “privataria” dos anos 1990, todos ligados a Serra, aí incluídos a filha, Verônica Serra, o genro, Alexandre Bourgeois, e um sócio e marido de uma prima, Gregório Marín Preciado.

Mas quem brilha mesmo é o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, o economista Ricardo Sérgio de Oliveira. Ex-tesoureiro de Serra e FHC, Oliveira, ou Mister Big, é o cérebro por trás da complexa engenharia de contas, doleiros e offshores criadas em paraísos fiscais para esconder os recursos desviados da privatização.

O livro traz, por exemplo, documentos nunca antes revelados que provam depósitos de uma empresa de Carlos Jereissati, participante do consórcio que arrematou a Tele Norte Leste, antiga Telemar, hoje OI, na conta de uma companhia de Oliveira nas Ilhas Virgens Britânicas. Também revela que Preciado movimentou 2,5 bilhões de dólares por meio de outra conta do mesmo Oliveira. Segundo o livro, o ex-tesoureiro de Serra tirou ou internou no Brasil, em seu nome, cerca de 20 milhões de dólares em três anos.

A Decidir.com, sociedade de Verônica Serra e Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, também se valeu do esquema. Outra revelação: a filha do ex-governador acabou indiciada pela Polícia Federal por causa da quebra de sigilo de 60 milhões de brasileiros. Por meio de um contrato da Decidir com o Banco do Brasil, cuja existência foi revelada por CartaCapital em 2010, Verônica teve acesso de forma ilegal a cadastros bancários e fiscais em poder da instituição financeira.

Na entrevista a seguir, Ribeiro Jr. explica como reuniu os documentos para produzir o livro, refaz o caminho das disputas no PSDB e no PT que o colocaram no centro da campanha eleitoral de 2010 e afirma: “Serra sempre teve medo do que seria publicado no livro”.

CartaCapital: Por que você decidiu investigar o processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso?
Amaury Ribeiro Jr.: Em 2000, quando eu era repórter de O Globo, tomei gosto pelo tema. Antes, minha área da atuação era a de reportagens sobre direitos humanos e crimes da ditadura militar. Mas, no início do século, começaram a estourar os escândalos a envolver Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro de campanha do PSDB e ex-diretor do Banco do Brasil). Então, comecei a investigar essa coisa de lavagem de dinheiro. Nunca mais abandonei esse tema. Minha vida profissional passou a ser sinônimo disso.

CC: Quem lhe pediu para investigar o envolvimento de José Serra nesse esquema de lavagem de dinheiro?
ARJ: Quando comecei, não tinha esse foco. Em 2007, depois de ter sido baleado em Brasília, voltei a trabalhar em Belo Horizonte, como repórter do Estado de Minas. Então, me pediram para investigar como Serra estava colocando espiões para bisbilhotar Aécio Neves, que era o governador do estado. Era uma informação que vinha de cima, do governo de Minas. Hoje, sabemos que isso era feito por uma empresa (a Fence, contratada por Serra), conforme eu explico no livro, que traz documentação mostrando que foi usado dinheiro público para isso.

CC: Ficou surpreso com o resultado da investigação?
ARJ: A apuração demonstrou aquilo que todo mundo sempre soube que Serra fazia. Na verdade, são duas coisas que o PSDB sempre fez: investigação dos adversários e esquemas de contrainformação. Isso ficou bem evidenciado em muitas ocasiões, como no caso da Lunus (que derrubou a candidatura de Roseana Sarney, então do PFL, em 2002) e o núcleo de inteligência da Anvisa (montado por Serra no Ministério da Saúde), com os personagens de sempre, Marcelo Itagiba (ex-delegado da PF e ex-deputado federal tucano) à frente. Uma coisa que não está no livro é que esse mesmo pessoal trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas sob o comando de um jornalista de Brasília, Mino Pedrosa. Era uma turma que tinha também Dadá (Idalísio dos Santos, araponga da Aeronáutica) e Onézimo Souza (ex-delegado da PF).

CC: O que você foi fazer na campanha de Dilma Rousseff, em 2010?
ARJ: Um amigo, o jornalista Luiz Lanzetta, era o responsável pela assessoria de imprensa da campanha da Dilma. Ele me chamou porque estava preocupado com o vazamento geral de informações na casa onde se discutia a estratégia de campanha do PT, no Lago Sul de Brasília. Parecia claro que o pessoal do PSDB havia colocado gente para roubar informações. Mesmo em reuniões onde só estavam duas ou três pessoas, tudo aparecia na mídia no dia seguinte. Era uma situação totalmente complicada.

CC: Você foi chamado para acabar com os vazamentos?
ARJ: Eu fui chamado para dar uma orientação sobre o que fazer, intermediar um contrato com gente capaz de resolver o problema, o que acabou não acontecendo. Eu busquei ajuda com o Dadá, que me trouxe, em seguida, o ex-delegado Onézimo Souza. Não tinha nada de grampear ou investigar a vida de outros candidatos. Esse “núcleo de inteligência” que até Prêmio Esso deu nunca existiu, é uma mentira deliberada. Houve uma única reunião para se discutir o assunto, no restaurante Fritz (na Asa Sul de Brasília), mas logo depois eu percebi que tinha caído numa armadilha.

CC: Mas o que, exatamente, vocês pensavam em fazer com relação aos vazamentos?
ARJ: Havia dentro do grupo de Serra um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que tinha se desentendido com Marcelo Itagiba. O nome dele é Luiz Fernando Barcellos, conhecido na comunidade de informações como “agente Jardim”. A gente pensou em usá-lo como infiltrado, dentro do esquema de Serra, para chegar a quem, na campanha de Dilma, estava vazando informações. Mas essa ideia nunca foi posta em prática.

CC: Você é o responsável pela quebra de sigilo de tucanos e da filha de Serra, Verônica, na agência da Receita Federal de Mauá?
ARJ: Aquilo foi uma armação, pagaram para um despachante para me incriminar. Não conheço ninguém em Mauá, nunca estive lá. Aquilo faz parte do conhecido esquema de contrainformação, uma especialidade do PSDB.

CC: E por que o PSDB teria interesse em incriminá-lo?
ARJ: Ficou bem claro durante as eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona. Quando se descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me contar que Serra ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até jornalistas que o apoiavam. Entrou em pânico. Aí partiram para cima de mim, primeiro com a história de Eduardo Jorge Caldeira (vice-presidente do PSDB), depois, da filha do Serra, o que é uma piada, porque ela já estava incriminada, justamente por crime de quebra de sigilo. Eu acho, inclusive, que Eduardo Jorge estimulou essa coisa porque, no fundo, queria apavorar Serra. Ele nunca perdoou Serra por ter sido colocado de lado na campanha de 2010.

CC: Mas o fato é que José Serra conseguiu que sua matéria não fosse publicada no Estado de Minas.
ARJ: É verdade, a matéria não saiu. Ele ligou para o próprio Aécio para intervir no Estado de Minas e, de quebra, conseguiu um convite para ir à festa de 80 anos do jornal. Nenhuma novidade, porque todo mundo sabe que Serra tem mania de interferir em redações, que é um cara vingativo.


Livro de jornalista acusa Daniel Dantas de pagar propina a tucanos – por Eliano Jorge (Terra Magazine)

O livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, anuncia e promete, com documentos, comprovar pagamentos de propinas durante o processo de privatizações no Brasil, num esquema de lavagem de dinheiro com conexões em paraísos fiscais que, de acordo o autor, une membros do PSDB, como o ex-ministro da Saúde e ex-governador paulista José Serra, ao banqueiro Daniel Dantas.

As denúncias chegam às bancas neste fim de semana. No livro e como tema de capa da revista CartaCapital.
Em entrevista a Terra Magazine, Ribeiro Jr afirma ter rastreado o dinheiro. "Esses tucanos deram uma sofisticação na lavagem de dinheiro. Eram banqueiros, ligados ao PSDB", acusa. "Quem estava conduzindo os consórcios das privatizações eram homens da confiança do Serra", acrescenta.

"É um saque (financeiro) que eles fizeram da privatização brasileira. Eles roubaram o patrimônio do País, e eu quero provar que eles são um bando de corruptos", dispara Ribeiro Jr. "A grande força desse livro é mostrar documentos que provam isso".

Durante a corrida presidencial de 2010, Ribeiro Jr foi indiciado pela Polícia Federal, acusado de participar de um grupo que tentava quebrar o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos.

Por três vezes, Terra Magazine fez contato com a assessoria de Serra na tarde e no início de noite desta sexta-feira (9) em busca de ouvir o ex-governador de São Paulo a respeito das denúncias. Às 20h, a reportagem recebeu a resposta de que Serra não se pronunciaria a respeito.

Confira a entrevista com o autor de A Privataria Tucana.

Terra Magazine - Seu livro denuncia um esquema de corrupção que teria sido comandado por amigos e parentes do ex-governador José Serra. No seu entender, como isso funcionava?
Amaury Ribeiro Jr - Eu tô há 20 anos, como diz o próprio livro, vendo essas contas, rastreando tudo. Eu apurava matérias de direitos humanos, depois virei um especialista (em lavagem de dinheiro). O tesoureiro do Serra, o Ricardo Sérgio, criou um modus operandi de operar dinheiro do exterior, e eu descobri como funcionava o esquema. Eles mandavam todo o dinheiro, da propina, tudo, para as Ilhas Virgens, que é um paraíso fiscal, e depois simulavam operações de investimento, nada mais era que internação de dinheiro. Usavam umas off-shore, que simulavam investir dinheiro em empresas que eram dele mesmo no Brasil, numa ação muito amadora. A gente pegou isso tudo.

E como você conseguiu pegar isso?
Não teve quebra de sigilo, como me acusaram. São transações que estão em cartórios de títulos e documentos. Quando você nomeia um cara para fazer uma falcatrua dessa, você nomeia um procurador, você nomeia tudo. Rastreando nos cartórios de títulos e documentos, a gente achou tudo isso aí.

São documentos disponíveis para verificação pública então?
Não tem essa história de que investiguei a Verônica Serra (filha do ex-governador), que investiguei qualquer pessoa ou teve quebra de sigilo. A minha investigação é de pessoa jurídica. Meu livro coloca documentos, não tem quebra de sigilo, comprova essa falcatrua que fizeram.

Segundo seu livro, esse esquema teria chegado a movimentar cifras bilionárias então?
Bilionárias, bilionárias. Esses tucanos deram uma sofisticação na lavagem de dinheiro. Eram banqueiros, ligados ao PSDB, formados na PUC do Rio de Janeiro e com pós-graduação em Harvard. A gente é muito simples, formado em jornalismo na Cásper Líbero, mas a gente aprendeu a rastrear esse dinheiro deles. Eles inventaram um marco para lavar dinheiro que foi seguido por todos os criminosos, como Fernando Beira-Mar, Georgina (de Freitas que fraudou o INSS), e eu, modestamente, acabei com esse sistema.
Temos condenações na Justiça brasileira para esse tipo de operações. Os discípulos da Georgina foram condenados por operações semelhantes que o Serra fez, que o genro (dele, Alexandre Bourgeois) fez, que o (Gregório Marín) Preciado fez, que o Ricardo Sérgio fez.

Está dito no seu livro que pessoas ligadas a Serra que teriam participado desse esquema?
Ricardo Sérgio, a filha (Verônia Serra), o genro (Alexandre Bourgeois), Preciado, o primo da mulher dele, e, acima, (o banqueiro) Daniel Dantas, o cara que comandava todo esse esquema de corrupção.

Em A Privataria Tucana, você afirma que faria parte das operações uma sociedade entre Verônica Serra, filha do ex-governador Serra, e Verônica Dantas, irmã de Daniel Dantas.
É verdade, conta a história da Verônica Serra com a Verônica Dantas. Isso era um pagamento de propina muito evidente para o clã Serra. Inventaram essa sociedade entre elas em Miami. Quem investe nessa sociedade? Os consórcios que investiram e ganharam (na privatização): o Opportunity, o Citibank. Eles que dão o dinheiro, está no site deles próprios.
Em 2002, Serra era candidato a presidente do Brasil, o Dantas quis chantagear. Quem revelou isso aí? Fui eu, o jornalista investigativo? Foi a própria revista IstoÉ Dinheiro que revelou a sociedade de Dantas e o clã Serra. Porque ele tinha dificuldade em compor a Previ, do governo, do Banco do Brasil. Ele estava chantageando os tucanos para compor com ele. Você vê como o Dantas é manipulador nessa história toda.
Primeiro veio a matéria para justificar o dinheiro dessa corrupção, dizendo que a Verônica Dantas havia enriquecido porque era uma mártir das telecomunicações. Depois, veio uma matéria fajuta... Quando não o satisfazia, (Dantas) ele chantageou o Serra. Para compor com a Previ, que estava com problemas com a Telecom, naquele processo todo.
Descobri que a sociedade de Verônica Dantas e Verônica Serra não acabou, como disseram, foi para as Ilhas Virgens, sendo operada pelo Ricardo Sérgio. Para quê? Jogar dinheiro aonde? Pra própria filha do governador do Serra. Mapeei o fluxo do dinheiro, esses caras roubaram, receberam propina, e a propina está rastreada. O dia em que o Dantas deu a propina da privatização, peguei a ponta batendo no escritório da filha dele lá no (bairro paulistano do) Itaim-Bibi. O Dantas pagou pro Serra. A parte da propina do Serra está documentada.

Para que você acha que seria essa propina?
Quem estava conduzindo os consórcios das privatizações eram homens da confiança do Serra. Era o Ricardo Sérgio Oliveira. Foi caixa de campanha dele. Isso é um saque que eles fizeram da privatização brasileira. Eles roubaram o patrimônio do País, e eu quero provar que eles são um bando de corruptos.

No livro, você também diz que Serra espionava o então governador mineiro Aécio Neves (PSDB).
Está documentado. Eu trabalhava no jornal (O Estado de Minas), e me pediram para localizar. Eu descobri. Consegui a prova documental que ele contratou a Fence (Consultoria, empresa que faz varreduras contra grampos clandestinos), no Rio de Janeiro, onde ele fazia as maracutaias. O Serra gosta de espionagem. Ele contratou um dos maiores carrascos da ditadura, está documentado no livro.

Você publica ainda que Serra investigou a governadora maranhense Roseana Sarney (DEM) em 2002 e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) quando era ministro da Saúde...
Isso está documentado. Os caras trabalharam, está no Diário Oficial. O agente Jardim (Luiz Fernando Barcellos), ligado ao Ricardo Sérgio. Isso está documentado, não é mentira. É porque essa imprensa defende o Serra e não divulga. O Serra montou a espionagem, ele manda espionar todos os inimigos dele.

Sua apuração mostra que essa espionagem do PSDB viria desde o governo FHC.
Justamente. O Serra gosta de espionar. Fui acusado de araponga? E o Serra, muito antes, quando era ministro, ele contratava espiões para espionar os caras do próprio partido, está documentado. A grande força desse livro é mostrar documentos que provam isso.

E de onde você tirou esses documentos?
É o contrato que ele pegou e contratou uma empresa de um coronel baixo nível da época da ditadura. O pretexto era que fazia negócio de contra-espinagem. O doutor Ênio (Gomes Fontenelle, dono da Fence) trabalhou na equipe dele. Estava em 2008 para quê? Para espionar o Aécio. Por que ele contratou, com dinheiro público do Estado? Por que contratou para fazer contra-espionagem no Rio de Janeiro? Todo mundo sabe que o Aécio vai pro Rio de Janeiro. A espionagem está documentada.

Seu livro mostra que, acreditando estar sendo espionada, a equipe de campanha de Dilma Rousseff teria tentado contra-atacar com arapongas também?
Não foi contratando araponga. Você fala minha pessoa?

Em geral.
Não. As pessoas que trabalhavam na campanha da Dilma eram pessoas de bem, ligadas ao mercado financeiro. Me chamaram porque estavam vazando tudo. Os caras faziam uma reunião, no dia seguinte estava na imprensa. Eu achava que era coisa do (ex-deputado tucano Marcelo) Itagiba ou do (candidato a vice-presidente, deputado do PMDB, Michel) Temer. Aí vem a surpresa: era o fogo-amigo do PT.

De quem?
Rui Falcão (atual presidente do PT e deputado estadual).

Mas você foi indiciado pela Polícia Federal, acusado pela quebra do sigilo fiscal da filha de Serra...
Claro. Por quê? Quebra de sigilo fiscal. É um crime administrativo que só se imputa a funcionário público. O inquérito todo da Polícia Federal é uma fraude, não tem foco. Abriu para apurar quebra de sigilo fiscal e abrange tudo. Nunca vai atingir a mim. Mas precisavam ter um herói, e me jogar pro público.
A imprensa queria o último factoide para jogar a Dilma no segundo turno. O que fizeram? Deturpar meu depoimento na Polícia Federal. Eu nunca disse que quebrei sigilo de nenhuma pessoa, mas o cara da Folha disse, ele deturpou, induziu todo mundo a dizer que confessei ter quebrado o sigilo fiscal. Ele mentiu sobre um depoimento na Polícia Federal, e a mídia toda espalhou isso. Era a única arma dessa imprensa carrasca, que mostrou seu lado. Eu nunca disse isso, meus quatro depoimentos são coerentes, têm uma lógica. A imprensa foi bandida.

O que você sabe sobre aquela história de dossiês do PT sobre tucanos, inclusive sobre o ex-presidente FHC?
Não sei nada disso.

Não conseguiu descobrir se realmente fizeram e quem fez?
Não sei nada desse assunto.


Você tem tomado precauções com sua segurança? Terá que aumentá-las agora, após as denúncias do livro?
Não, eu sigo minha vida como sigo desde que comecei, há 20 anos. Eu tenho uma trajetória muito bacana na profissão. Andei nos principais jornais do Brasil. comecei violação de direitos humanos, ganhei muitos prêmios, denunciei muitas violações. Hoje, eu investigo a lavagem de dinheiro.

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5511127-EI6578,00-Livro+d...


CPI dos Precatórios, o início do combate ao crime organizado - por Luis Nassif

Coluna minha, de 1997, sobre os desdobramentos da CPI dos Precatórios. O relatório final acabou em pizza - a exemplo da CPI do Banestado. Mas as revelações vazadas e a enorme luta para romper o esquema de blindagem de Paulo Maluf na mídia, permitiram escarafunchar as vísceras do crime organizado no país.

06/04/97 A mais importante CPI da história

São extraordinários os desígnios da história.

Com essa CPI dos Precatórios vive-se, talvez, o mais importante episódio da história do Brasil moderno, mais consequente e profundo que a campanha das diretas, que o impeachment de Collor ou que a frustrada CPI do Orçamento.

Desde que os senadores abandonaram a versão “meia pizza” de reduzir a questão a uma mera operação de um banco pequeno e alguns governadores de Estados, pela primeira vez tem-se a oportunidade concreta de penetrar no âmago desse enorme Brasil 2, frio e permissivo, montado ao largo das leis e das normas éticas, um conluio monumental de elites empresariais, contravenção e poder político que praticamente acompanha o país desde os seus primórdios.

No entanto, essa história está sendo escrita por personagens que possivelmente nem daqui a muitos anos se darão conta da relevância do momento. E que lembram, muitas vezes, a música “Vai Passar”, de Chico Buarque de Hollanda, com sua ala de napoleões retintos. Senadores sérios ou meramente histriônicos, repórteres conscientes ou apenas mal- amados, movidos por mesquinharia ou por patriotismo, autores de lances políticos ousados e de amadorismo inconsequentes, são fios que vão tecendo, pouco a pouco, um quadro irreversível: pela primeira vez na história há a possibilidade concreta de se enquadrar o Brasil 2.

Os vários esquemas

Rompidos os limites da “meia pizza”, as investigações penetram por paragens nunca dantes investigadas.

Não é um único esquema de corrupção investigado. São várias estruturas que atuam independentemente, cada qual representando um universo em si, que se aliam com o mesmo objetivo: montar esquemas de assalto aos recursos públicos.

Os sistemas envolvidos nesse jogo são os seguintes:

Os esquemas políticos.

Há um nível administrativo-constitucional, dos Estados e municípios que falsificaram valores de precatórios (ações ajuizadas contra eles) para conseguir emitir dívidas e, com isso, sustentar obras e despesas correntes.

E um nível político, dos fundos eleitorais, que são constituídos de duas maneiras: ou por meio da participação nos lucros das vendas dos títulos, ou de comissão de empreiteiras, pagas com o dinheiro dos precatórios.

Desse esquema participam políticos, empreiteiras.

(Obviamente nem todos os governantes que emitiram para pagar precatórios recorreram a esses procedimentos).

Os esquemas jurídicos.

Ângulo até agora pouco abordado da questão, as avaliações judiciais de desapropriações, uma enorme indústria que superavalia as indenizações a serem pagas pelo Estado – composta de advogados, juízes e peritos judiciais.

Os esquemas financeiros.

São executivos de instituições financeiras e fundos de pensão que se especializaram em ganhar dinheiro com títulos de pouca liquidez. Seus ganhos consistem em comprar dos Estados títulos a preços baratos, passá-los por uma cadeia de revendedores até chegar a preços bem mais altos no comprador final. A diferença é apropriada pelo esquema.

Participam desse jogo os compradores finais, mais uma infinidade de distribuidoras (as DTVMs) que atuam como testas-de-ferro do esquema.

Os esquemas de esquentamento de dinheiro.


“Laranjas” emprestam suas contas para que o dinheiro ilegal possa transitar pelos bancos.

Depois, há a necessidade de legalizar o dinheiro, o que é feito por meio de operações de “esquenta-esfria” _em que duas instituições simulam uma operação, onde uma tem um prejuízo e a outra faz um lucro. Esse lucro simulado é a maneira do dinheiro desviado entrar de novo na legalidade.

Nessas operações, são cometidos crimes de natureza fiscal. Esse esquema serve não apenas às quadrilhas dos precatórios, mas a toda sorte de ganhos ilegais: subfaturamento de exportações, “caixa dois” e até dinheiro do narcotráfico.

Remessa de dinheiro.


Parte do dinheiro vai para fora do país, por intermédio dos doleiros e seus “laranjas”.

Depois, entra em uma verdadeira rede mundial de doleiros, que começou a ser montada a partir da Segunda Guerra Mundial. Também aí se cometem crimes fiscais variados.

Postura e eficiência

Nos próximos meses, vai-se saber se imprensa e senadores estão preparados de fato para enfrentar o maior desafio do Brasil moderno. Há que se manter a compostura, evitar manifestações de mesquinharia e vaidade, não atropelar direitos individuais, não demonstrar arrogância e imprudência e, ao mesmo tempo, ser firme e determinado na apuração dos fatos.

Mais importante que as punições, serão as medidas para eliminar esse conjunto de contravenções da vida nacional.

Sendo bem-sucedida, essa operação terá para o país a importância histórica da luta contra a máfia, que sacudiu os Estados Unidos nos anos 30.

A petição do MPF contra Serra e Preciado – por Odorico Nilo (Blog do Nassif)

AÇÃO CAUTELAR

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PROMOVIDA PELO MPF (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL) CONTRA 18 ACUSADOS ENTRE ELES O TESOUREIRO (ARRECADADOR) DAS CAMPANHAS DE SERRA E FHC EM ELEIÇÕES ANTERIORES, PRIMO, AMIGOS, SÓCIOS E EMPRESAS DE JOSÉ SERRA.
4a. VARA FEDERAL DE BRASÍLIA
PROCESSO NÚMERO: 2002.34.00.029731-6
PODE SER CONSULTADO NO SITE OFICIAL DA JUSTIÇA FEDERAL DE BRASÍLIA:

http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?secao=DF&proc=200234000297316
 
ABAIXO EXTRATOS DA PETIÇÃO INICIAL (são mais de 200 páginas) DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - 1a. PARTE:
Réus:
1- RICARDO SÉRGIO DE OLIVEIRA – ex-diretor da Área Internacional do BB de1995-1999
2- GREGÓRIO MARIN PRECIADO – empresário, casado com a prima irmã do Serra
3- VLADIMIR ANTÔNIO RIOLI – empresário, ex-diretor do Banespa e sócio deSerra
4- PAULO CESAS XIMENES ALVES FERREIRA – presidente do BB de 1995-1999
5- CLÁUDIO NESS MAUCH – ex-diretor de Fiscalização do Banco Central
6- JO’SE PINTO DOS SANTOS NETO – ex-chefe da Audit – Auditoria Interna do BB de 1995-1999
7- ÉDSON SOARES FERREIRA – ex-diretor de Crédito Geral do BB
8- LUIZ FERNANDO DE AZEVEDO BONFIM – chefe de Auditoria Interna do BB
9- RONALDO DE SOUZA – empresário
10- GREMAFER COMERCIAL E IMPORTADORA LTDA - de Marin (primo do Serra)
11- ACETO VIDROS E CRISTAIS LTDA - de Marin (primo do Serra)
12- RIVOLI PARTICIPAÇÕES S/A, incorporada pelo Grupo LA FONTE PARTICIPAÇÕES S/A – de Carlos Jereissati
13- LA FONTE TELECOM (GRUPO LA FONTE)
14- PLANEFIN – SERVIÇOS, ASSESSORIAS, PLANEJAMENTO, ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/C LTDA
15- CONSULTATUM S/C LTDA
16- ANTARES PARTICIPAÇÕES LTDA – de Ronaldo de Souza
17- ANTAR VENTURES INVESTIMENTOS LTDA – Ilhas Virgens Britânicas – Caribe (de Ronaldo de Souza)
18- I141 PARTICIPAÇÕES – de Carlos Jeressati
1
“Vale a pena frisar que cada afirmativa nesta ação é fundada num documento anexado. A fonte dos documentos do MPF foi principalmente Varas Judiciais (especialmente a 8ª. Vara Cível de São Bernardo do Campo, SP); Cartórios de Notas, de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e de Registro de Imóveis e ainda Juntas Comerciais. A descrição dos fatos tem amparo em amplas provas documentais.
(…)
Os réus são suspeitos de atos gravíssimos de improbidade administrativa.
(…)
Os fatos suspeitos principais envolvem principalmente a atuação do Sr. RICARDO SÉRGIO DE OLIVEIRA, como agente público federal no Banco do Brasil, como beneficiário de atos ilícitos e como suspeito de enriquecimento ilícito e mesmo de propina
(…)
Vejamos um apanhado geral dos fatos desta ação:
a) há sinais de enriquecimento ilícito, em total desproporção ao rendimento normal, ou seja, de locupletamento de empresários graças a atos ilícitos praticados por Diretores que também apresentam sinais claros de enriquecimento ilícito;
b) dentre os atos ilícitos cometidos pelos agentes públicos federais que ocupavam cargos no Banco do Brasil e controlavam a PREVI, existe uma série de novações (rolagens de dívidas) e de perdões que beneficiaram pessoas ligadas politicamente ao Sr. RICARDO SÉRGIO, sendo que os benesses ilícitas podem chegar a mais de cem milhões de reais;
c) envolvendo os mesmos agentes públicos federais, houve a ajuda do Banco do Brasil e do Fundo de Pensão controlado pelo Banco do Brasil (PREVI) em várias privatizações suspeitas (VALE DO RIO DOCE, SISTEMA TELEBRÁS e Companhias de Eletricidade, como a COELBA, a CELPA e a COSERN). Estas ajudam totalizam vários bilhões de reais; e
d) há ainda suspeitas de propina, que também é considerada ato de improbidade. Estas suspeitas decorrem de um conjunto de indícios veementes (evidências probatórias), inclusive a declaração pública de Ministros de Estado. Somente podem ser elucidadas com os pedidos de liminares desta ação. Esta é uma ação de caráter investigatória, que visa obter provas para o ajuizamento das ações de improbidade definitivas.
Para não tumultuar a ação com um número muito grande de réus, somente foram incluídos no pólo passivo as pessoas objeto de liminares ou sobre as quais o MPF já tem provas robustas sobre o cometimento de atos ilícitos (…).
As suspeitas de improbidade mais documentadas desta ação seguem descritas a seguir, de forma resumida. Os outros atos serão descritos em capítulos próprios, mais adiante.
Em 1993, as empresas ACETO VIDROS LTDA e GREMAFER COMERCIAL E IMPORTADORA LTDA - de propriedade do Sr. GREGÓRIO MARIN - realizaram empréstimos na agência Rudge Ramos, do Banco do Brasil, em São Bernardo do Campo/SP.
O Sr. GREGÓRIO MARIN PRECIADO era sócio destas empresas e foi também o avalista da operação. O empréstimo não foi pago: houve rolagens indevidas. Juridicamente, estas rolagens são novações equivalentes a novos empréstimos. Foram novos empréstimos ilícitos, pois não é possível obter novos recursos para pagar juros de empréstimos anteriores, sem amortizá-los e sem garantias suficientes. Além das novações ilícitas, houve dois perdões indevidos, totalizando cerca de R$ 73.719 milhões de reais. E houve também desídia por permitirem a venda de bens com ações de arresto já ajuizadas e desídia por não ajuizarem ação pauliana para recuperar o imóvel.
Os R$ 73.719.000,00 decorrem da soma de U$ 17 milhões de dólares em 1995 e R$ 57 milhões em 1998. Estas somas, atualizadas (nota: até 2002) - ou corrigidas pelo dólar -, ultrapassam em muito o valor de R$ 100 milhões de reais.
Em nota à imprensa, o Sr. GREGÓRIO MARIN PRECIADO chega a dizer que a dívida tinha alcançado o valor de U$ 140 milhões (cento e quarenta milhões de dólares), depois reduzida a R$ 4,114 milhões ( quatro milhões, cento e catorze mil reais).
(…)
Eis um resumo cronológico dos fatos, com base nas reportagens do jornal Folha de São Paulo (não de agora), que descreve as operações financeiras ímprobas e ilícitas:
1993 - O início do empréstimo
As firmas GREMAFER e ACETO, empresas de GREGÓRIO MARIN PRECIADO, tomam um empréstimo no valor equivalente a US$ 2,5 milhões do Banco do Brasil, na agência de Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo (SP).
Quando houve a liberação, a GREMAFER já devia um valor maior.
“Houve considerável saldo remanescente, que passou a ser renovado sem nenhuma amortização”, como foi noticiado.
1994 - A primeira renegociação
Como a GREMAFER e a ACETO não conseguiam pagar as dívidas, foi feita uma composição. Isso ocorreu em maio de 94, com as empresas dando imóveis como garantia. Apesar da recomposição, a única parcela paga do acordo ocorreu em outubro de 94, referente à dívida da ACETO.
A GREMAFER não pagou nada. Não fez desembolsos.
Não pagavam a dívida ao Banco do Brasil, mas, mesmo endividadas na praça e inadimplentes com o Banco do Brasil, estas duas firmas de GREGÓRIO MARIN PRECIADO - a GREMAFER e a ACETO - encontraram fôlego para um gasto extra: juntas, fizeram uma doação de R$ 62.442,82 à campanha do Sr. JOSÉ SERRA ao Senado, m 1994.

Da mesma forma, permitiram que o Sr. JOSÉ SERRA usasse o prédio da GREMAFER como comitê de campanha nas eleições de 1994 e 1996.

1995 - A venda do terreno
Em 25 de julho de 1995, o Banco do Brasil entra na Justiça pedindo o arresto de alguns bens do Sr. GREGÓRIO MARIN PRECIADO , inclusive o terreno no Morumbi que o empresário possuía com o Sr. SERRA, desde 13.fev.81.

O BANCO DO BRASIL ajuizou ação de arresto datada de 17 de julho e protocolada em 25 de julho de 1995.

A informação vazou e, nesse meio tempo, os senhores MARIN e SERRA venderam o terreno por R$ 140 mil em 19 de setembro de 1995.

A escritura de compra e venda foi lavrada no dia 1º de setembro de 1995 no 4º Tabelião de Notas de Osasco.

A transferência foi registrada no 15 º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo no dia 19 de setembro de 1995. Somente a data do registro no Cartório de Imóveis tem importância jurídica, pois é o ato que transfere a propriedade do imóvel.

O Banco do Brasil demorou a promover o arresto, o auto do arresto somente foi realizado em outubro de 1995. Então, já era tarde, pois o SR. GREGORIO alegou ter feito uma venda, sem registro no Cartório de Registro de Imóveis, em abril de 1995.

No entanto, de forma suspeitíssima, somente teria registrado a venda no Cartório de Registro de Imóveis no dia 19 de setembro de 1995.

Também chama a atenção o fato de a escritura ter sido lavrada no dia 1º de setembro de 1995.

Em resposta enviada ao jornal Folha de S. Paulo, o Sr. José Serra justifica que a escritura fora lavrada somente em setembro porque a venda tinha sido parcelada em quatro vezes mais um sinal e o pagamento só teria terminado em agosto de 1995 e que há ``um instrumento de compra e venda´´, apenas com firma reconhecida.

Ora, a se considerar como verdadeiras as alegações do SR. JOSÉ SERRA, estamos diante de uma operação esdrúxula.

Nas operações normais de venda de imóveis, mesmo quando o pagamento é parcelado, é lavrada escritura assim que o negócio é fechado, mesmo que não tenham sido pagas todas as parcelas. Para isso foi criado o instituto da hipoteca, ou seja, a venda a prazo ocorre com a transferência do domínio e sobre o imóvel fica incidindo uma hipoteca. É assim que as partes resguardam seus direitos.

O comprador do terreno foi uma empresa, a Alfons Gehling &Cia.

Esta empresa é uma pequena imobiliária, sem sequer um site na Internet, com sede em Diadema, pelo que foi possível levantar na lista telefônica.

Outro ponto que chama atenção na explicação do SR. JOSÉ SERRA é o fato de sustentar que vendeu um terreno no luxuoso bairro do Morumbi, onde está sendo planejada a construção de um prédio de 12 andares, com dois subsolos, por R$ 140 mil, com um sinal e quatro prestações.

Um documento que consta do processo de número 1.162,95, o processo da execução das dívidas das empresas do Sr. Gregório MARIN , que tramita na 8º Vara cível de São Bernardo do Campo, revela um fato grave.

No dia 11 de setembro de 1995, portanto, oito dias antes do Sr. Gregório MARIN e o Sr. José Serra registrarem o contrato de venda, datado de 01 de setembro de 1995, que foi registrado no dia 19 de setembro, o Banco do Brasil pediu prazo de 15 dias ao Juiz para que fosse cumprido o mandato de arresto, porque os executados estavam fugindo.

O fato é que GREGORIO MARIN só foi notificado em outubro, tarde demais. Com o terreno já vendido, o Banco do Brasil então vai à Justiça, tentando fazer, de forma inócua, o arresto em outubro de 95. Já era tarde, pois o Sr. GREGÓRIO alegou ter feito uma venda, sem registro no Cartório de Registro deImóveis, em abril de 1995.

Uma importante garantia foi assim levantada, beneficiando o Sr. GREGÓRIO e o Sr. SERRA. Este ponto foi tratado nas auditorias - serão especificadas adiante - e, com as mesmas, será possível verificar se há responsabilidade do Sr. SERRA. Ficando melhor esclarecido, o mesmo poderá inclusive ser objeto da ação principal.

1995 - Recomposição e dinheiro novo (nota: novo empréstimo)
Apesar do péssimo histórico das duas empresas, em 08 de novembro de 1995, a Diretoria do Banco do Brasil em Brasília aprova uma nova recomposição de dívidas para MARIN .

O economista RICARDO SÉRGIO fazia parte da Diretoria. Sendo o Diretor de Relação Internacional, e sendo as operações realizadas com base em recursos captados no exterior, sua pasta tinha a primazia na decisão.

- Segundo o jornal Folha de São Paulo, “antes de a diretoria do BANCO DO BRASIL receber a documentação sobre o caso de MARIN , a equipe do banco em São Paulo é freqüentemente informada de que o caso interessava a RICARDO SÉRGIO”.

A GREMAFER devia R$ 28.248.911,78.
A ACETO, R$ 8.823.780,53.
Pelo acordo firmado, a dívida de ambas caiu para R$ 15.917.233,24 e R$ 4.702.052,65.

A REDUÇÃO FOI DE R$ 16.453.406,01

Além disso, houve dinheiro novo (nota: novo empréstimo).

A Gremager ganhou o equivalente a US$ 2 milhões.
A ACETO, o equivalente a US$ 800 mil

Além da redução, as duas empresas de GREGORIO MARIN foram contempladas com um novo empréstimo no total de US$ 2,8 milhões.

1995 - Anuência da Diretoria do BANCO DO BRASIL
- O caráter inusitado da operação e a anuência da Diretoria foi constatado pelo então superintendente estadual do BANCO DO BRASIL em São Paulo, Wolney B. Ferreira.
Este assinou, em 27 de novembro de 95, uma carta para a presidência do banco, em Brasília.
Começa com o seguinte titulo sugestivo: “OPERAÇÕES EM CURSO ANORMAL GREMAFER Com. Imp. Ltda. E ACETO Vidros e Cristais Ltda.”
Este texto, por informações obtidas, consta nas auditorias que serão especificadas.

1998 - Mais uma recomposição.
- A “Súmula de Operações Anormais Unidade de Recuperação de Crédito (URC) de SBC SP 98/0 13”, de 28.out.98 e o “Recup PT 98/908”, de 06.nov.98 afirmam que a divida total da GREMAFER e da ACETO com o Banco do Brasil já havia atingido R$ 61,380 milhões, por conta da capitalização dos juros e inadimplência.

NOVO PERDÃO É CONCEDIDO: R$ 57,266 MILHÕES.
A DIVIDA CAI DE R$ 61,380 MILHÕES PARA R$ 4,114 MILHÕES

2002 - Valor atual (nota: 2002 data da propositura desta ação cautelar)

O último valor disponível para a GREMAFER é de 25.abr.2002:
R$ 3.142.937,30.

A empresa está contestando o valor na Justiça e não paga - Não há valor disponível para a dívida atualizada da ACETO.

Como será visto adiante, há um conjunto de fatos indiciários que tornam os perdões mencionados ainda mais suspeitos.

Por exemplo, a empresa GREMAFER foi também agraciada por empréstimos de vários milhões junto ao BANESPA, quando o Sr. RIOLI controlava tais operações no Banco do Brasil. No Banespa, operava o Sr. VLADIMIR ANTÔNIO RIOLI, que foi sócio do Sr. SERRA numa firma de consultoria, como vice-presidente de operações. E, novamente, um sócio do Sr. SERRA beneficiou a firma GREMAFER.

A firma do Sr. SERRA e do Sr. VLADIMIR RIOLI, denominada CONSULTORIA ECONÔMICA, não foi declarada à Justiça Eleitoral, em 1994, pelo Sr. SERRA. Da mesma forma, o Sr. SERRA não declarou à Justiça Eleitoral, em 1994, em 1996 e neste ano (nota 2002), a empresa ACP Ltda, que funcionava no prédio do Sr. GREGÓRIO MARIN PRECIADO .

Ocultar estas empresas também implicava em ocultar as relações entre o Sr. JOSÉ SERRA com o Sr. GREGÓRIO MARIN PRECIADO e com o Sr. VLADIMIR ANTÔNIO RIOLI.

Existiam ligações políticas, de parentesco e de negócios entre o Sr. RICARDO SÉRGIO (então Diretor de Relações Internacionais no Banco do Brasil), o Sr. JOSÉ SERRA (então Ministro do Planejamento), o Sr. VLADIMIR ANTÔNIO RIOLI (Vice-Presidente e Diretor de Operações no BANESPA) e ainda com o Sr. GREGÓRIO MARIN PRECIADO. Estas ligações tornam bastante suspeitas estas operações. Além de ilícitas, teriam como fonte o favorecimento político. Os fatos indiciários seguem narrados, com mais detalhes, mais adiante.