A vetusta máxima latina do Divide et impera porta um componente de violência política que, muitas vezes e no curso da história, tipifica o que hoje chamamos de “terrorismo de Estado”. Serve de exemplo o patrocínio financeiro do terror para enfraquecer o Estado rival, por meio de cooptados e “engraxados” políticos ambiciosos ou dissidentes.
O ditador líbio Muammar Kaddafi, nos anos 70 e 80 e com os cofres cheios de petrodólares, financiou o terrorismo internacional. Desde maio de 2006, a Líbia foi excluída da lista dos Estados financiadores do terrorismo. Isto porque o ditador líbio, em razão do bloqueio econômico e do isolamento, mudou de postura. Para se ter ideia, o coronel Kaddafi, em dezembro de 2009, quando estava em Roma para participar de summit na sede da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), contratou modelos e garotas de programa para animação de uma festa, numa das barracas que costuma armar nas cidades. As garotas contratadas podiam usar minissaia, maquiagem e salto alto. Kaddafi só proibiu vestidos colados e, durante a festa, distribuiu o Alcorão.
Como se percebe, Kaddafi mudou. Não fala mais do seu temido Livro Verde, abandonou o papel de protagonista da revolução árabe-islâmica e a grana, antes a terroristas, redirecionou a escort girls e para cobrir as extravagâncias do seu filho, um playboy internacional.
O terrorismo de Estado também pode ser caracterizado pela violência interna contra civis: repressão política. Como anota o sociólogo Domenico Tosini, da Universidade de Trento, o terror de Robespierre tornou-se o protótipo do que chamamos de terrorismo de Estado, em que o uso sistemático e político da violência não advém de grupos clandestinos antigovernamentais, como violência política proveniente de baixo, mas procede do poder central e dominante da sociedade, como violência política vinda do alto.
No Brasil, a partir de 1964, em razão do golpe de Estado militar, tivemos a prática do terrorismo de Estado, como privações de liberdade, torturas, sequestros e assassinatos: violência provinda do alto, para usar a expressão de Tosini. Tudo isso a fim de manter o ilegítimo poder de mando e calar os opositores desse regime de exceção, incluídos os que promoviam a resistência pacífica.
Não bastasse a consumação de crimes de lesa-humanidade, a ditadura deixava as digitais de prática de terrorismo de Estado grafadas em atos institucionais. O denominado AI-5/68 consagrava as prisões sem ordem judicial e impedia, quando entendido por seus agentes tratar-se de custódia por suposto crime político ou contra a segurança nacional, a concessão judicial de ordem de habeas corpus liberatório.
Por outro lado, o terror perpetrado por ações de atores não estatais em democracias (caso de Cesare Battisti, do Proletariados Armados para o Comunismo-PAC, na Itália) é um gênero de crime organizado.
No terrorismo, como explica Alexander Schmid, “o alvo imediato, direto, da violência não é o alvo principal”. Por evidente, o alvo alqaedista não eram as torres gêmeas nem o Pentágono. No Brasil, os agentes da ditadura militar tinham por meta manter o regime de exceção e partiram para atos de terror. Por exemplo: o episódio do Riocentro, o sequestro e desaparecimento de Rubens Beyrodt Paiva, em janeiro de 1971, e a morte sob tortura de Vladimir Herzog. Elas servem para mostrar os referidos alvos de oportunidade ou simbólicos, isso para alcançar o fim da resistência ao regime.
Quando ocorre terrorismo de Estado como no Brasil e em face de regime ditatorial, que durou de 1964 a 1985, qualquer movimento de resistência, ainda que armada e de qualquer ideologia, não pode ser definido como terrorista. O regime militar ditatorial, que permitia aos seus agentes e associados a prática de delitos de sangue, não era legítimo e tal circunstância autorizava posterior reação, pacífica ou armada.
Muitos custam a entender conceitos e observar datas (a luta armada só começou em 1969, com a ditadura instalada em 1964). Por isso defendem a espúria Lei da Anistia, falam em revanchismo, tentam desqualificar a resistência ou partem para os diversionismos, em que indenizações indevidas e elevadas servem para tirar do foco os crimes de lesa-humanidade.
Pior, muitos do atual governo Lula confundem os resistentes da ditadura brasileira com o pluriassassino Cesare Battisti. Este, com o seu grupo, atacou o Estado democrático italiano (alvo mediato) e lesionou e matou pacíficos cidadãos comuns (alvos imediatos). Em outras palavras, os Tarsos Genros não respeitam os que resistiram ao golpe militar, a ponto de compará-los com um pluriassassino de açougueiro de periferia, de joalheiro de subúrbio, de motorista policial e de carcereiro.
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