Este artigo é dedicado aos não iniciados em economia. Ou, melhor confessar de cara, tem como alvo quem acredita que há mesmo uma crise institucional envolvendo Ministério da Fazenda e Banco Central – uma hipótese vendida de tempos em tempos pela grande imprensa brasileira. Foi assim na saída de Antônio Palocci da pasta, e depois quando o presidente Lula se reelegeu. E, agora, quando nove entre dez analistas de mercado prevêem que a taxa de juros vai subir no Brasil em 2010, o assunto torna à baila, sem poupar nenhum dos dois lados.
O que se lê é que, antes que se possa comemorar a retomada da atividade econômica, o sisudo Henrique Meirelles vai colocar água no chopp, sob a alegação de que, acima dos 5%, o crescimento traz inflação. A culpa seria de Guido Mantega, o ministro doidivanas, responsável pelo afrouxamento de rédeas que derrubou a arrecadação do governo e deixou a atividade econômica desembestar.
Há erro e exagero nas duas avaliações. Quem pensa assim leva a sério uma discussão que, de tão antiga, já deveria ter caído em desuso. De um lado, estão os que acreditam no uso das ferramentas de política fiscal – o poder do Estado de tributar e gastar – como principal ferramenta para guiar a economia. De outro, a crença de que o equilíbrio e a estabilidade dependem de instrumentos de política monetária – grosseiramente falando, a criação e destruição de moeda, por meio do manejo da taxa de juros.
Um duelo em que os dois lados recebem, quase nunca apropriadamente, as mais diversas nomenclaturas. Em geral, são keynesianos contra neoliberais, ou heterodoxos contra ortodoxos. Historicamente, funciona mais ou menos assim: os primeiros miram apenas o curto prazo, querem criar empregos e estimular setores, sem se importar com as conseqüências, enquanto para os monetaristas a defesa da moeda é sempre desculpa para elevar juros e impedir a economia de deslanchar.
A história mostrou que não há lado 100% correto. E, a esse propósito, o que pouca gente percebe é que um dos segredos do sucesso da política econômica do governo Lula – do qual nem a oposição duvida – foi institucionalizar essa dualidade, e acatar o que há de melhor em cada lado. O freio de mão do BC manteve a atividade econômica em níveis seguros e manteve a estabilidade da moeda. O afrouxamento fiscal conduzido pela Fazenda no ano passado e o reforço dos mecanismos de proteção, como o seguro desemprego, contribuiram para o País virar modelo de retomada no pós-crise (se é que o pior já passou).
Os jornais mostraram, nos últimos dias, Mantega disposto a lançar mão dos mecanismos fiscais para conter o excesso de crescimento e adiar, ou evitar, a alta do juro. Longe de representar uma intromissão na seara do colega, ou uma afronta à autoridade do BC, como se pretende muitas vezes mostrar, medidas como a suspensão de benefícios fiscais seriam uma contribuição valiosa para evitar que Meirelles suje sozinho as mãos ao elevar o juro em ano eleitoral. No lugar do presidente do BC, eu agradeceria.
Se há como azeitar mais a relação entre os dois, restaria apenas cobrar um pouco mais criatividade, de ambos os lados. A Fazenda pode (na medida certa) aumentar impostos, mas também é capaz de frear gastos públicos menos necessários, mesmo em ano eleitoral. Do outro lado, o poder do BC não está reduzido ao manuseio da Selic. A autoridade monetária dispõe de meios para influenciar na distribuição do crédito, por exemplo, de modo a inibir expansões desenfreadas em algumas linhas e manter livre o caminho para o investimento em máquinas, equipamentos e na construção civil.
Mantega e Meirelles ocupam postos complementares, e não opostos, no governo Lula. Devem atuar em conjunto, a despeito do mise-en-scène por vezes necessário, porque só assim se tornam capazes de levar a cabo as duas principais metas da área econômica de qualquer Estado: proteger a própria moeda e estimular a produção de riqueza no País.
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