quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Por que a segurança nacional dos EUA nada tem a ver com segurança - por Noam Chomsky* / Tom Dispatch (Carta Maior)

Como observou o general Lee Butler, é quase um milagre que tenhamos escapado da destruição total, via armas nucleares, até agora.
 
     Se alguma espécie extraterrestre estivesse compilando uma história do homo sapiens, ela poderia muito bem dividir o seu calendário em duas eras: AAN (antes das armas nucleares) e EAN (a era das armas nucleares). Esta última era, claro, foi aberta em 6 de agosto de 1945, o primeiro dia na contagem regressiva para o que pode ser o fim desta estranha espécie, que encontrou os meios efetivos para destruir a si mesma, mas – como sugerem as evidências – não a capacidade intelectual e moral de controlar seus piores instintos. O dia um da EAN foi marcado pelo “sucesso” de Little Boy, uma simples bomba atômica. No dia quatro, Nagasaki experimentou o triunfo tecnológico de Fat Man, um design mais sofisticado de bomba.
 
     Cinco dias depois, veio o que na história das Forças Aeronáuticas dos EUA se chama “grand finale”, o ataque dos mil aviões – de maneira alguma uma grande conquista logística -, sobre as cidades japonesas, matando centenas de milhares de pessoas, com panfletos caindo junto a bombas com os dizeres “o Japão se rendeu”. Truman anunciou a rendição antes que o último B-29 retornasse a sua base.
 
     Esses foram os anos auspiciosos da EAN. Como agora entramos no ano 70, deveríamos contemplar criticamente como sobrevivemos. Podemos apenas chutar quantos anos ainda faltam.
 
     Algumas reflexões sobre esses prospectos sombrios foram oferecidas pelo general Lee Butler, ex-chefe do Comando Estratégico dos Estados Unidos (STRATCOM, na sigla em inglês), que controla armas nucleares e estratégia. Há vinte anos, ele escreveu que tínhamos sobrevivido até então, na EAN, “por uma combinação de habilidade, sorte e intervenção divina, e eu suspeito que a última em grande proporção”.
 
     Ao refletir sobre a longa carreira do desenvolvimento das estratégias de armas nucleares e organizar as forças para implementá-las eficientemente,  ele descreveu a si mesmo cruamente como estando “entre os mais ávidos guardadores da fé nas armas nucleares”. Mas, continuou, ele tinha chegado ao entendimento de que agora “a sua missão era declarar com toda a convicção que devo que em meu juízo elas nos serviram extremamente mal”. E perguntou: “com que autoridade as gerações posteriores de líderes de estados que têm armas nucleares usurparão o poder de ditar as chances da vida continuar em nosso planeta? Mais urgentemente, por que essa audácia de tirar o fôlego persiste num momento em que deveríamos tremer diante de nossa loucura de nos comprometer a abolir as suas manifestações mais mortais?”.
 
     Ele chamou o plano estratégico dos EUA, de 1960, que pedia uma retirada total do conflito com o mundo comunista de “o documento mais absurdo e irresponsável que jamais li em minha vida”. Seu adversário soviético era provavelmente ainda mais insano. Mas é importante ter em mente que estavam em competição, e nem lhes passava perto a hipótese de aceitar facilmente as ameaças extraordinárias de sobrevivência.

A sobrevivência nos primeiros anos da Guerra Fria
 
     De acordo com a doutrina dominante na universidade e no discurso intelectual em geral, o principal objetivo da política de estado é a “segurança nacional”. Há uma ampla evidência, no entanto, de que a doutrina da segurança nacional não acompanha a segurança da população. Os registros revelam que, por exemplo, a ameaça de uma destruição instantânea não ocupava o centro das preocupações dos grandes dirigentes e planejadores. E isso foi demonstrado desde o início, e assim persevera, até o presente momento.
 
     Nos primeiros dias da EAN, o EUA gozava de uma segurança irresistivelmente poderosa e notável: o país controlava o hemisfério, os oceanos Atlântico e Pacífico, e os lados opostos a esses oceanos, também. Muito antes da Segunda Guerra, já tinha se tornado o país mais rico do mundo, com vantagens incomparáveis. Sua economia bombou durante a guerra, enquanto outras sociedades industriais foram devastadas ou severamente enfraquecidas. Com o começo da nova era, os EUA possuía aproximadamente metade de toda a riqueza mundial e até mais do que isso em capacidade industrial. Havia, no entanto, uma ameaça potencial: os mísseis intercontinentais com ogivas nucleares. Essa ameaça foi discutida no estudo de referência para políticas nucleares a que fontes de alto nível tinham acesso: Perigo e Sobrevivência: escolhas a respeito da bomba nos primeiros cinquenta anos, de McGeorge Bundy, conselheiro de segurança nacional durante os governos Kennedy e Johnson.
 
     Bundy escreveu que “o desenvolvimento veloz dos misseis balísticos durante a administração Eisenhower é uma das maiores conquistas desses oito anos. Ainda assim, esta na hora de se começar a reconhecer que tanto os EUA como a União Soviética poderiam estar em perigo nuclear muito menor, hoje, se [esses] mísseis jamais tivessem sido desenvolvidos”. Ele então acrescenta um comentário instrutivo: “Estou ciente de que não há qualquer proposta séria, contemporânea, dentro ou fora de nosso governo, de que os mísseis balísticos de alguma maneira deveriam ser banidos por acordo”. Numa palavra, não se cogitava, aparentemente, tentar prevenir uma só ameaça séria aos EUA, a ameaça de uma futura destruição numa guerra nuclear com a União Soviética.
 
     Será que essa ameaça poderia ter sido afastada? É claro que não podemos ter certeza, mas seria dificilmente concebível. Os russos, muitíssimo atrás em desenvolvimento industrial e em sofisticação tecnológica, estavam muito mais cercados de ameaças. Eram, portanto, significativamente mais vulneráveis a esses sistemas de armas dos EUA. Deve ter havido oportunidades de explorar essas possibilidades, mas na histeria extraordinária daqueles dias isso dificilmente teria sido percebido. E essa histeria era na verdade extraordinária. Um exame da retórica utilizada em documentos oficiais centrais da época, como o Artigo NSC-68 do Conselho de Segurança Nacional, permanece bastante chocante, chegando até a se discutir a injunção do Secretário de Estado Dean Acheson, de que seria necessário “ser mais claro que a verdade”.
 
     Uma indicação de possíveis oportunidades para golpear a ameaça foi uma proposta notável feita por Joseph Stalin, em 1952, oferecendo a permissão da unificação alemã, com eleições livres, sob a condição de, a partir de então, não houvesse mais alianças militares hostis. Essa era uma condição dificilmente extrema, à luz da história dos últimos 50 anos, durantes os quais somente a Alemanha tinha destruído a Rússia duas vezes, cobrando um alto custo ao país.
 
     A proposta de Stalin foi levada a sério pelo respeitável analista político James Warburg, mas foi amplamente ignorada ou ridicularizada, na época. Estudos acadêmicos recentes começaram a fornecer uma visão diferente das coisas. O acadêmico veementemente anticomunista, estudioso da União Soviética, Adam Ulam, tomou a proposta de Stalin como um “mistério não esclarecido”. Washington “fez pouco esforço para rejeitar solenemente a iniciativa de Moscou”, escreveu ele, com base no fato de essa ser “embaraçosamente inconvincente”. O fracasso político, intelectual e acadêmico em geral deixou aberta a “questão fundamental”, acrescentou Ulam: “Stalin estava realmente pronto para sacrificar a recém-criada República Democrática Alemã (RDA) no altar da democracia real”, com consequências para a paz mundial e para a segurança americana, que poderiam ter sido enormes?
 
     Resenhando pesquisa recente nos arquivos soviéticos, um dos mais respeitáveis acadêmicos da Guerra Fria, Melvyn Leffler, observou que muitos acadêmicos se surpreenderam em descobrir que “[Lavrenti] Beria – o sinistro, brutal e comandante da polícia secreta soviética – tinha proposto que o Kremlin oferecesse ao Ocidente um acordo para unificação e neutralização da Alemanha”, concordando em “sacrificar o regime da Alemanha Oriental comunista e reduzir as tensões entre Oriente e Ocidente” e melhorando as condições políticas e econômicas internas à Rússia – oportunidades que foram desperdiçadas em benefício da presença assegurada da Alemanha na OTAN. Sob essas circunstâncias, não é impossível que tenha havido acordos que podiam ter sido obtidos e que teriam assegurado a tranquilidade da população americana das ameaças sombrias no horizonte. Mas essa possibilidade aparentemente não foi considerada, o que indica, notavelmente, o quão pouco o papel de uma segurança nacional autêntica pesa na política de estado.

A crise dos mísseis cubanos e além
 
     Essa conclusão foi subestimada repetidamente nos anos seguintes. Quando Nikita Khruschev tomou o controle da Rússia soviética em 1953, depois da morte de Stalin, ele reconheceu que a URSS não poderiam competir militarmente com os EUA, o país mais rico e poderoso na história, com vantagens incomparáveis. Se o país tinha esperança de escapar do colapso econômico e dos efeitos devastadores da última grande guerra, seria necessário reverter a corrida armamentista.
 
     Assim, Khruschev propôs um acordo claro de redução mútua nas ofensivas armadas. O enviado da administração Kennedy considerou a oferta e a rejeitou, e esse governo passou à rápida expansão militar, mesmo já bastante à frente. O finado Kenneth Waltz, baseado em outra análise estratégica com conexões próximas à inteligência dos EUA, escreveu então que a administração Kennedy “tinha levado a cabo o mais estratégico e convencional tempo de paz militar desenvolvido no mundo até então... mesmo quando Khruschev tentava, por sua vez, levar a cabo uma grande redução nas forças convencionais e seguir uma estratégia de dissuasão mínima, e nós o fizemos apesar de o equilíbrio das armas estratégicas favorecerem enormemente os EUA”. De novo, ferindo a segurança nacional enquanto fortalece o poder do estado.
 
     A inteligência dos EUA verificou que grandes cortes tinham sido feitos nos ativos das forças militares soviéticas, tanto em termos de aeronaves, como de soldados. Em 1963, Khruschev mais uma vez pediu novas reduções. Como um gesto de demonstração de suas intenções, retirou tropas da Alemanha Oriental e convidou Washington a fazer o mesmo, reciprocamente. Essa proposta também foi rejeitada. William Kaufmann, um ex-conselheiro do Pentágono e analista consagrado em questões de segurança, descreveu o fracasso dos EUA em responder às iniciativas de Khruschev como, em termos de sua biografia, “o único arrependimento que tenho”.
 
     A reação soviética ao desenvolvimento armamentista dos EUA nesses anos foi situar mísseis em Cuba, em outubro de 1962, para tentar retomar o equilíbrio, ao menos discretamente. O movimento também foi incentivado em parte pela campanha terrorista de Kennedy contra Fidel Castro, programado para levar à invasão naquele mesmo mês, como Cuba e a Rússia devem ter ficado sabendo. A “crise dos misseis” que se seguiu foi “o momento mais perigoso da história” nas palavras do historiador Arthur Schlesinger, conselheiro e confidente de Kennedy.

Quando a crise chegava ao apogeu, no fim de outubro, Kennedy recebeu uma carta de Khruschev oferecendo um termo para o imbróglio, por meio de uma retirada simultânea, tanto dos mísseis russos em Cuba como dos misseis Júpiter dos EUA, da Turquia. Estes últimos eram mísseis obsoletos, já com ordem de retirada pela administração Kennedy porque estavam sendo substituídos pelos muito mais letais submarinos Polaris, que estacionariam no Mediterrâneo.
 
     A avaliação subjetiva de Kennedy, naquele momento, era que se ele recusasse a oferta do premiê soviético, havia uma probabilidade de 33 a 50% de guerra nuclear – uma guerra que, como o presidente Eisenhower havia alertado, teria destruído o hemisfério norte. Kennedy, no entanto, rejeitou a proposta de Khruschev de retirada pública dos misseis de Cuba e da Turquia; somente a retirada dos mísseis de Cuba poderia ser pública, tanto para proteger o direito dos EUA a situar mísseis nas fronteiras da Rússia, como em qualquer lugar que escolhesse.
 
     É difícil pensar numa decisão mais horrenda na história – e por isso ele é ainda celebrado por sua coragem tranquila e como estadista.
 
     Dez anos depois, nos últimos dias da guerra árabe-israelense, em 1973, Henry Kissinger, então assessor do Secretário de Segurança Nacional do Presidente Nixon, chamou um alerta nuclear. A proposta era advertir os russos a não interferirem nessas delicadas manobras diplomáticas designadas para garantir a vitória israelense, mas por pouco, de modo que os EUA mantivesse ainda o seu controle unilateral da região. E as manobras eram de fato delicadas. Os EUA e a Rússia tinham imposto, conjuntamente, um cessar-fogo, mas Kissinger informou, secretamente, aos israelenses, que eles poderiam ignorá-lo. Assim, a necessidade do alerta nuclear servia para afastar os russos para longe. A segurança dos americanos permaneceu no seu status padrão.
 
     Dez anos depois, a administração Reagan lançou operações para testar as forças aéreas soviéticas, simulando ataques aéreos e navais e um alto nível de alerta nuclear, o suficiente para os russos detectarem. Essas ações foram levadas a cabo num momento muito tenso. Washington estava desenvolvendo os mísseis estratégicos Pershing II, na Europa, a cinco minutos de tempo de voo para Moscou.
 
     O presidente Reagan também tinha anunciado o programa Iniciativa de Defesa Estratégica (“Star Wars”), que os russos entenderam como, efetivamente, o primeiro ataque, uma interpretação padrão da defesa dos mísseis de todos os lados. E outras tensões vinham aumentando.
 
     Naturalmente, essas ações causaram grande alarde na Rússia, a qual, diferentemente dos EUA, estava bastante vulnerável e tinha repetidamente sido invadida e virtualmente destruída. Isso levou a uma guerra de escala maior em 1983. Arquivos recentemente abertos revelaram que o perigo era ainda mais severo do que aquilo que historiadores tinham pensado. Um estudo da CIA intitulado “O Medo da Guerra era de verdade” concluiu que a inteligência dos EUA pode ter subestimado as preocupações russas e a ameaça de um ataque nuclear preventivo soviético. Os exercícios “quase se tornaram um prelúdio para uma batalha preventiva nuclear”, de acordo com uma passagem do Journal of Strategic Studies.
 
     Era ainda mais perigoso que isso, como aprendemos no último setembro, quando a BBC reportou que, exatamente em meio ao desenvolvimento dessas ameaças, o sistema de alarme da Rússia detectou um ataque de míssil oriundo dos EUA, levando o seu sistema de radar ao alerta máximo. O protocolo do exército soviético era retaliar com o seu próprio ataque nuclear. Felizmente, o oficial encarregado, Stanislav Petrov, decidiu desobedecer às ordens e não reportar os alertas aos seus superiores. Ele recebeu uma reprimenda oficial. E graças a essa indolência, ainda estamos vivos para falar a respeito.
 
     A segurança da população não era mais uma alta prioridade para os estrategistas da administração Reagan, do que era para os seus predecessores. E assim continua, mesmo deixando de lado os numerosos e quase catastróficos acidentes nucleares que ocorreram ao longo dos anos, muitos deles analisados no assustador estudo de Eric Schlosser, Command and Control: Nuclear Weapons, the Damascus Accident and the Illusion of Safety [Comando e Controle: Armas Nucleares, o Acidente de Damasco e a Ilusão da Segurança]. Em outras palavras, é difícil contestar as conclusões do general Butler.

Sobreviência na era pós-Guerra Fria
 
     Após a guerra fria, os registros das ações e doutrinas adotadas tampouco é reconfortante. Todo presidente que se preze tem de ter a sua doutrina. A Doutrina Clinton estava encapsulada no slogan “multilateral quando pudermos, unilateral quando devermos”. No testemunho congressual, a frase “quando devermos” foi explicada plenamente: os EUA estão autorizados a dispor “do poder militar unilateral” para assegurar “acesso desimpedido a mercados chave, fornecimento de energia e recursos estratégicos”. Enquanto isso, o STRATCOM na era Clinton produziu um importante estudo, intitulado “Fundamentos da dissuasão no pós-Guerra Fria”, lançado bem depois de a União Soviética ter colapsado, quando Clinton estava estendendo o programa de expansão da OTAN, de George H.W. Bush para o oriente, numa violação às promessas feitas ao premiê soviético Mikhail Gorbachev – com reverberações para o presente.
 
     Esse estudo do STRATCOM estava preocupado com “o papel das armas nucleares na era pós-Guerra Fria”. Uma conclusão central: que os EUA devem manter o direito de lançar o primeiro ataque, mesmo contra estados não-nucleares. Mais ainda: armas nucleares devem estar sempre prontas porque elas “representam uma sombra em qualquer crise ou conflito”. Isso quer dizer que elas estavam constantemente sendo usadas como se estivessem apontando uma arma, não para atirar, mas para roubar uma loja (um ponto que Daniel Ellsberg enfatizou, repetidamente). O STRATCOM vai adiante, para advertir que “os estrategistas não deveriam ser muito racionais em determinar... quais dos oponentes valem mais”. Tudo deveria ser simplesmente marcado como alvo. “Machuca essa atitude de nos portarmos como plenamente racionais e de cabeça fria... que os EUA possam se tornar irracionais e vingativos se os seus interesses vitais forem atacados deveria ser uma parte da persona nacional que projetamos”. É “benéfico [para a nossa postura estratégica] que alguns elementos possam aparecer como potencialmente ‘fora de controle’”, representando assim uma ameaça constante de ataque nuclear – uma severa violação da Carta da ONU, se alguém liga para isso.
 
     Não há muito aqui a respeito dos nobres objetivos constantemente proclamados – ou, no caso, sob o Tratado de Não-Proliferação de Armas, para atestar a “boa fé” dos esforços para eliminar esse flagelo da terra. O que isso soa, antes, é a uma adaptação dos famosos versos a respeito do Maxim (para citar o historiador africano Chinweizu):

O que quer que aconteça, nós temos,
A Bomba Atômica e eles, não
”.
 
     Depois de Clinton veio, é claro, George W. Bush, cujo amplo aval à guerra preventiva facilmente abarcou o ataque japonês em dezembro de 1941, em duas bases militares de ultramar, dos EUA. Neste momento, os militaristas japoneses estavam bastante cientes de que os B-17 estavam apressados nas linhas de montagem, com o intento de “queimar o coração industrial do império com ataques a bomba nos altos de Honshu e Kyushu”. É assim que os planos pré-guerra foram descritos pelo seu arquiteto, o general da Aeronáutica Claire Chennault, com a aprovação entusiasmada do presidente Franklin Roosevelt, do secretário de estado Cordell Hull e do comandante em chefe general George Marshall.
 
     Então veio Barack Obama, com palavras aprazíveis a respeito do trabalho para abolir o arsenal de armas nucleares – combinado com planos de gastar 1 trilhão de dólares no arsenal nuclear dos EUA nos próximos 30 anos, um percentual do orçamento militar “comparável ao gastos para a aquisição de novos sistemas estratégicos nos anos 80, sob a administração Ronald Reagan”, de acordo com um estudo do Centro James Martin para os estudos de não-proliferação, no Instituto Monterrey de Estudos Internacionais.
 
     Obama também não hesitou em jogar com fogo para ter ganho político. Tome-se, por exemplo, a captura e assassinato de Osama Bin Laden, pela marinha americana e pelos SEALs. Obama comprou com orgulho a ação, num importante discurso sobre segurança nacional, em maio de 2013. Foi amplamente coberto, mas um parágrafo crucial foi ignorado.
 
     Obama celebrou a operação, mas acrescentou que ela não poderia ser a norma. A razão, disse ele, é que os riscos “eram imensos”. “Os SEALs poderiam ter sido envolvidos num extenso tiroteio”. Embora, por sorte, isso não tenha acontecido, “o custo para a nossa relação com o Paquistão e a regressão de nossa imagem dentre o público paquistanês diante da invasão sobre o seu território tenha sido... severa”.
 
     Vamos acrescentar alguns poucos detalhes. Os SEALs tiveram a ordem de bombardear o que vissem pela frente. Não teriam sido deixados à própria sorte, “envolvidos em tiroteios extensos”. Todas as forças do exército dos EUA teriam sido usadas para retirá-los de situação difícil. O Paquistão tem um exército poderoso e bem treinado, altamente protetor de sua soberania estatal. E tem também armas nucleares, e os especialistas paquistaneses estão preocupados com as possíveis penetrações em seu sistema de segurança nuclear por elementos jihadistas.
 
     Também não é segredo que a população tem sido empurrada para a radicalização por meio da campanha de terror com drones, de Washington, e por outras políticas.
 
     Enquanto os SEALs ainda estavam na agenda Bin Laden, o comandante em chefe do Paquistão, Ashfaq Parvez Kayani, foi informado da ação e comandou o exército para “confrontar qualquer aeronave sem identificação”, que ele pensava seriam de origem indiana. Enquanto isso, em Cabul, o comandante de guerra general David Petraeus, ordenou que “aviões de guerra” respondessem, caso os paquistaneses “usassem seus jatos de ataque”. Como disse Obama, por sorte o pior não ocorreu, embora tivesse podido ser bem feio. Mas os riscos eram vistos sem preocupação séria. Ou tampouco qualquer comentário subsequente.
 
     Como observou o general Butler, é quase um milagre que tenhamos escapado da destruição total até agora. E quanto mais tentarmos o destino, menos provável é que tenhamos esperança na intervenção divina para perpetuar o milagre.

*: Noam Chomsky é linguista, professor emérito aposentado do Massachussets Institute of Technology – MIT. É autor de vários livros e artigos sobre política internacional e questões sociais e políticas.

Tradução: Louise Antônia Leon

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