quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Procuradoria havia recomendado libertação de manifestantes mais de uma semana atrás - por Tadeu Breda (Rede Brasil Atual)

Promotor designado escrevera em 29 de julho parecer apontando inconsistências nas provas apresentadas pelo Ministério Público e contradições em depoimento de policiais

Fábio Hideki deixa presídio ontem junto
com seu advogado, Luiz Eduardo Greenhalgh
     São Paulo – A Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, seção do Ministério Público que trabalha diretamente com os desembargadores do Tribunal de Justiça, havia recomendado a revogação da prisão preventiva de Fábio Hideki Harano e Rafael Marques Lusvargh mais de uma semana antes de um juiz finalmente colocá-los em liberdade. Os jovens, detidos por 46 dias, tiveram os alvarás de soltura expedidos ontem (7).

     “A prisão preventiva não se revela necessária e adequada”, escrevera o promotor de justiça então designado para a Procuradoria de Habeas Corpus, Luis Felipe Tegon Cerqueira Leite, aos magistrados da 3ª Câmara de Direito Criminal. O membro da promotoria recomendou aos magistrados que substituíssem a detenção dos manifestantes por “medidas cautelares alternativas”, citando como possibilidades o comparecimento mensal em juízo, a proibição de ausentar-se da cidade e a proibição de frequentar manifestações populares – o que a defesa dos jovens consideraria inconstitucional.

     O parecer foi publicado em 29 de julho, dois dias antes de que o juiz Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal de São Paulo, decidisse pela manutenção da prisão preventiva dos manifestantes. Um dos argumentos do magistrado, que considerou Hideki e Lusvargh como black blocs, foi que os réus seriam adeptos da “esquerda caviar”, ou seja, grupo de pessoas que fala mal do capitalismo, mas usa tênis de marca e telefone celular, e se utiliza das redes sociais – vistos pelo juiz como benesses do sistema.

     Ao analisar os autos, Cerqueira Leite apontou uma série de inconsistências no trabalho da polícia. A primeira delas diz respeito ao suposto coquetel molotov que teria sido encontrado com Lusvargh – na realidade, uma “garrafa de iogurte com forte odor de gasolina” que a perícia determinaria não se tratar de artefato explosivo ou inflamável. O promotor designado percebeu que, em depoimento, o policial responsável pela abordagem não faz qualquer menção à apreensão do objeto. E determinou que se esperasse o resultado do laudo.

     Cerqueira Leite também notou nos autos que os policiais não apontaram “nenhum ato concreto de destruição ao patrimônio público ou privado”. Percebeu ainda uma incoerência entre os documentos enviados à Justiça e a versão de que Lusvargh estaria depredando patrimônio no momento da prisão. “Embora tenha sido mencionado em juízo de primeiro grau, o fato não foi relatado pelo delegado nem pelos policiais cujos depoimentos estavam legíveis nos autos”, escreveu.

     A RBA teve acesso aos documentos mencionados pelo promotor. Neles, consta que Lusvargh foi inicialmente abordado pelo agente Luiz César Milani Bernardi, funcionário do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Em seu depoimento, o policial diz ser membro da força-tarefa formada para “monitorar” os black blocs, e admite ter recebido ordens para acompanhar o rapaz vestindo “saia de escocês e cinturão largo” durante protesto contra a Copa do Mundo realizado em 23 de junho na Avenida Paulista.

     “O depoente fixou-se a cerca de cinco metros da entrada da estação Consolação do metrô, próximo a uma banca de jornal, e dali pôde observar a chegada do indivíduo trajando saia escocesa”, afirma a peça policial, sem qualquer menção a depredações, coquetel molotov, frasco de iogurte ou qualquer outro objeto em posse de Lusvargh. O artefato aparece apenas na lista de apreensões do boletim de ocorrência, lavrado mais de quatro horas depois da prisão – e sem que nenhum policial tenha se referido a ele na narração dos fatos.

     O promotor designado também encontrou falhas nas acusações por associação criminosa, outra das imputações que pesam sobre Hideki e Lusvargh. De acordo com a polícia e os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), os dois estavam associados com o fim específico de cometer crimes. “Lembre-se que esta precisa ser composta por, no mínimo, três pessoas”, ponderou o membro da Procuradoria, “não sendo possível presumir-se a vinculação subjetiva das demais pessoas presentes à manifestação.”

     Para Cerqueira Leite, “as pessoas comparecem às manifestações pelos mais diversos motivos e, algumas delas, no seu curso, acabam aderindo às condutas de destruição do patrimônio público e privado”. Por isso, continua o promotor designado, seria “difícil” utilizar como evidência as insinuações da polícia. “A prova da prévia associação (entre manifestantes com o propósito de cometer crimes) demanda investigação mais sofisticada”, escreveu, recomendando “maior aprofundamento da prova.”

     Depois de apontar debilidades nas acusações de porte de explosivos e associação criminosa, Cerqueira Leite anotou que as demais denúncias – incitação ao crime, resistência e desobediência – acarretariam penas máximas baixas em caso de condenação, o que tampouco justificaria a manutenção da prisão preventiva

Comentário
Imagine-se a veracidade dos fatos se até quem acusa esta duvidando. 

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