Felicidade física não se obtém apenas transando, comendo ou dormindo
Intelectuais e sedentários adoram ironizar as pessoas que fazem exercícios. Parece que quem corre, nada ou joga tênis é menos inteligente ou menos interessado em sexo do que as pessoas que não fazem nada. Ouvindo um deles falar, é possível imaginar que enquanto eu faço ioga e você caminha, ele está arfando na cama com três modelos – ou debruçado, de testa franzida, sobre um tratado de filosofia alemã.
Não é nada disso, claro. Há intelectuais que gostam de se exercitar exaustivamente e gente que transa intensamente e salta da cama às 6 da manhã para malhar. Da mesma forma como há sedentários que nadam em sexo e idiotas assexuados que só fazem exercícios. Na vida real há de tudo e tudo se mistura. Estereótipos não se aplicam.
Tenho a impressão que as pessoas que criticam os exercícios ainda não descobriram as outras alegrias do corpo. Felicidade física não se obtém apenas transando, comendo ou dormindo. Há um enorme prazer em transpirar, aprender movimentos complexos ou educar braços e pernas a resistir e avançar. Tira-se enorme satisfação pessoal da disciplina e da dedicação física. Aprende-se com ela, muda-se com ela, melhora-se com ela. E dela se extrai alegria.
Claro, os críticos gostam de apontar a vaidade exagerada de quem vai à academia ou ao estúdio de pilates. Falam como se eles mesmos não tivessem vaidade alguma, mas vivessem cercados por legiões de narcisos suarentos. Pura bobagem. Quem pratica alguma forma de exercício com dedicação sabe que isso não é um meio, é um fim. O cara levanta cedo para correr porque gosta. A garota que vai todo dia fazer ioga num bairro distante sente que isso muda a vida dela. Essas pessoas dormem melhor, comem melhor e trabalham melhor. Sentem-se bem fazendo o que fazem. Mudam por dentro. Ficar mais forte, mais magro e mais rápido é consequência, não essência. Tanto é assim que quando o corpo começa a enfeiar por causa do exercício exagerado, as pessoas não param. O barato principal não é estético.
Tendo presenciado o nascimento da onda do corpo nos anos 70, eu estou em paz com ela. Não me incomoda viver cercado por diferentes gerações de pessoas que acham o corpo importante e gostam de falar sobre o que fazem com ele. Há uma cumplicidade nisso que vai além da frivolidade. É o reconhecimento de que o corpo contém uma dimensão importante da nossa existência. Viver bem com ele, cuidar dele, envelhecer em paz com ele é parte essencial da experiência de estar vivo. No passado, as pessoas se destruíam ou se largavam da maneira mais triste, por ignorância ou modismo. Isso não acabou, mas diminuiu.
Como toda coisa boa, a valorização do corpo tem efeitos negativos. Há o culto exagerado à perfeição física, que banaliza a vida das pessoas (sobretudo as mulheres) e as torna dramaticamente infelizes. Há o preconceito contra as pessoas que não cabem no padrão e são discriminadas ou ignoradas. Há, sobretudo, uma forma de privação sexual e afetiva que me parece das mais perversas – e exige um pouco mais de discussão.
Acho que quando as pessoas se tornam excessivamente preocupadas com o corpo perdem parte importante e espontânea da sexualidade. Começam a condicionar o seu desejo a certo tipo de corpo da parceira ou do parceiro. Se for gordinha ou magrinha demais, não serve. Se for muito baixo ou tiver pernas curtas, não rola. Se faltar peito, bunda ou barriga durinha, não dá. Pior ainda, as pessoas voltam essas exigências contra elas mesmas. Se estiverem flácidas ou acima do peso, não transam e nem tiram a roupa na frente dos outros. Nem saem na rua, na verdade.
Esse tipo de restrição física vai contra a essência do próprio sexo. Ele não depende de beleza ou rigidez. Claro que gente bonita é mais atraente, mas há 600 mil maneiras de ser atraente que não passam pela padronização da beleza. O desejo é anárquico, a libido circula por canais invisíveis aos olhos. Os corpos podem provocar e extrair prazer mesmo fora de forma, mesmo fora de padrão, mesmo fora de moda. O gozo é fisicamente democrático. O tesão profundo envolve a personalidade do outro. É um tremendo equívoco, um enorme empobrecimento restringir os parceiros com base em estereótipos de boa forma. Quando se faz isso, muito prazer fica de fora. Talvez a maior parte dele.
Tenho um amigo uruguaio, mais velho, que gosta de repetir, em tom de comentário social, um velho bordão da sua juventude: o corpo é a alegria dos pobres. Isso é de um tempo em que os pobres não tinham direito a prazer algum, a diversão alguma que não fosse o sexo. Esse cenário de miséria está lentamente acabando entre nós. Mas eu gosto da frase. Acho que ela pode ser adaptada para esses novos tempos. Podemos dizer, quase utopicamente, que o corpo é a alegria de todos. O corpo que faz exercícios. O corpo que faz sexo. O corpo que trabalha, pensa, estuda. Um corpo inteiro na vida, em todas as suas dimensões. Um corpo capaz de ser feliz, em todos os sentidos.
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