No dia 14/03 último, o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a uma ação movida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) julgou parcialmente inconstitucional a Emenda Constitucional 62/2009 (EC 62/2009), chamada “emenda dos precatórios”. Em essência, a decisão determina que os entes federados paguem suas dívidas judiciais de uma única vez e não em parcelas como era até então. Essa nova situação jurídica pode resultar mais uma vez na incapacidade de os poderes executivos quitarem o que devem, recolocando em cena o perverso sequestro das dívidas públicas e as piores conseqüências para os cidadãos.
Vivi esta experiência em 2009, como prefeito de Diadema, município que sofreu sequestros da ordem de R$ 40 milhões – correspondentes a 7% do orçamento municipal –, o que acarretou a inviabilidade de novos e importantes investimentos em áreas fundamentais como Saúde, Educação e Habitação, bem como a impossibilidade da própria manutenção plena dos serviços públicos. No enfrentamento daquela situação dramática, o poder público e a sociedade civil organizaram forças no intuito de acelerar a aprovação da Emenda 62/2009. O estrangulamento financeiro provocado pelos sequestros atingia, então, dezenas de municípios e estados pelo país a fora. A partir da articulação da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) a emenda foi rapidamente aprovada no final de 2009. E o que ela significou?
Em primeiro lugar, ao contrário do que prega a OAB, não houve nenhum calote institucionalizado. A Emenda 62 significou a gestão dos pagamentos, implicando inclusive mais Justiça Social porque priorizou a quitação dos precatórios ditos “alimentares”, ou seja, as dívidas de passivos trabalhistas com funcionários. Se de fato a Emenda 62/2009 for de fato derrubada agora, a situação será revertida em favor, uma vez mais, dos proprietários dos grandes precatórios, os quais novamente estarão na dianteira dos pagamentos. Sabe-se que os grandes escritórios de advocacia no Brasil são os verdadeiros responsáveis pelas negociações destes altos valores.
As dívidas judiciais dos poderes públicos têm origens variadas. Nos municípios, muitas são decorrentes de desapropriações anteriores à Constituição de 88, quando a administração tinha a prerrogativa de desapropriar áreas para a construção de equipamentos públicos. As dívidas criadas sob esta condição eram corrigidas por critérios de reajustes leoninos, o que viria a torná-las praticamente impagáveis. Muitas áreas tiveram seus valores determinados bem acima daqueles praticados no mercado imobiliário.
Foram exatamente os credores das áreas superestimadas que se empenharam em entrar na Justiça para pedir o sequestro dos recursos diretamente dos cofres públicos. Deste modo, as dívidas referentes a esses grandes proprietários acabaram sendo pagas antes mesmo das dívidas alimentares relativas a idosos e aposentados, estes últimos sempre tratados ardilosamente como as vitimas da EC/62. Prova disto encontra-se na simples análise de quantos e de que tipo foram os processos pagos durante a vigência da Emenda em comparação com a situação anterior a sua existência.
Outra questão que merece ser levantada é que, após a aprovação da Emenda, o pagamento ao credor ficou sob responsabilidade dos Tribunais de Justiça. No entanto, a despeito de os municípios depositarem o percentual devido todo mês, os TJs muitas vezes demoram excessivamente a pagar os credores (em alguns casos, levam um ano para pagar).
Terá sido este um dos motivos que levou o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), a deliberar sobre a continuidade do pagamento parcelado até nova modulação sobre o tema?
Não se pode perder de vista que o grande avanço da EC 62/2009 foi garantir o "princípio da reserva do financeiramente possível", ou seja, foi impor aos entes federados limites de pagamento determinados em um percentual do orçamento público que não prejudicasse o andamento dos serviços e a capacidade de trabalho dos governos.
A decisão do STF, por sua vez, fará o problema regredir ao início da década de 1990, com o retorno dos intermináveis pedidos de intervenção que a história mostrou serem ineficazes.
Será impossível o pagamento do estoque de precatórios sem um mecanismo moderno de gestão dessas dívidas públicas. Como antecipado no voto de alguns ministros, inclusive dos que votaram pela procedência da ação da OAB, há que se desenvolver novo regramento, sob pena de inviabilizar de vez muitos estados e municípios.
Mário Reali, 55 anos, é arquiteto e urbanista pela FAU-USP; foi prefeito de Diadema (2009/2012) e vice-presidente para assuntos de precatórios da Frente Nacional de Prefeitos para aprovação da Emenda 62/2009.
Comentário
No Espírito Santo foram notórias as compras de precatórios por parte de membros do judiciário que, depois de a terem adquirido (¿precatório virou moeda?), passaram a pressionar o governo para recebê-las.
Fariam bem os membros do poder público se recusassem a pagar os precatórios caso eles tivessem sido repassados a outras pessoa (vendidos, alienados), ou o que quer que seja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário