A Presidenta tem diante de si um teste sem precedentes. Depois de fazer todas as concessões possíveis ao setor privado no campo das privatizações de concessões de serviços públicos, depois de promover importantes desonerações tributárias e previdenciárias, depois de determinar ao BNDES a redução das taxas de juros para empréstimos de longa maturação, depois de tudo isso enfrenta agora a conspiração de economistas do mercado e de seus vocalizadores na mídia para aumentar os juros.
Raras vezes, em mais de quarenta anos de jornalismo econômico, tenho visto uma orquestração tão descarada em torno de um objetivo tão espúrio. As medidas assinaladas acima de incentivo ou mesmo subsídio ao setor privado, mesmo que controversas, podem ser justificadas como estímulo à produção. Já a pressão para aumentar a taxa de juros básica consiste na busca de um privilégio absurdo para a especulação financeira por parte de oportunistas, parasitas e vigaristas.
Do ponto de vista técnico, é um esbulho da opinião pública pretender que a taxa de inflação, nos níveis atuais, ameace sair do controle. De fato, ela continua dentro das margens da meta do Conselho Monetário. Visar exclusivamente o centro da meta, como têm cobrado os economistas de mercado, equivale a desqualificar a própria metodologia de controle de inflação operada pelo Banco Central. De fato, se não se pode ter inflação perto da margem, por que, afinal, se fixam as margens de tolerância, e não apenas o centro da meta?
Na realidade estamos diante da mitificação de um método operacional e político do Banco Central, introduzido arbitrariamente (sem cobertura de lei) pelo Governo FHC, cujo propósito fundamental tinha sido manter elevadas taxas básicas de juros. O tal modelo de metas não passa de uma fraude política sob uma máscara técnica. Escrevemos sobre isso, Francisco Antonio Doria e eu, num livro de dois anos atrás editado pela Civilização Brasileira, “O Universo Neoliberal em Desencanto”.
Nenhum banco central sério trabalha hoje com modelo de metas. O Fed nos Estados Unidos, o Banco Central do Japão, o conservadoríssimo Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra, nenhum deles, antes ou agora, se preocupa com inflação. Ao contrário, temem a deflação, e por isso fazem políticas monetárias expansionistas. E usam a política monetária para, de uma forma descarada, manipular a taxa de câmbio no sentido de estimular exportações e desestimular importações.
No nosso caso, é patético o que se tem visto na grande imprensa nessa verdadeira empreitada ideológica para subir os juros. Claro, quando o “Estadão” ou “O Globo” juntam seis economistas para palpitarem sobre as necessidades da economia, eles tomam o cuidado de escolher cinco favoráveis a sua tese – subir os juros -, e um contrário. Com isso, esse contrário legitima os outros cinco, e a impressão que fica é que a maioria esmagadora dos economistas está do mesmo lado.
Entretanto, mesmo que a inflação estivesse num nível elevado, e não está, é falsa a relação de causalidade entre taxa de juros e inflação. Já escrevi aqui que o que existe de inflação no Brasil é, principalmente, por pressão de demanda, fruto de uma favorável situação de emprego e de salário, influindo nos serviços pessoais e públicos. Nenhum aumento de juros básicos pode levar à redução dos preços da alimentação ou dos serviços pessoais. Essa relação é pura ficção. Assim, se se quer reduzir a inflação, é necessário buscar outros mecanismos, fora os juros.
Onde o aumento da taxa básica de juros pode ter influência indireta na inflação é através do câmbio. Atraindo capitais especulativos para o Brasil, ela induz a valorização do real, e o real mais forte favorece a redução do preço dos bens importados. Tudo bem, mas é isso que queremos para a economia brasileira? Atrair capitais especulativos, aumentando nosso risco cambial futuro, e concorrendo para destruir o parque produtivo e os empregos internos pela concorrência artificial dos importados? A Presidenta Dilma terá de recorrer a todo o seu arsenal de firmeza moral para resistir aos altistas dos juros e enfrentar o tsunami dos rentistas. É economista, ela própria, e portanto não tem a desculpa do Presidente Lula que de uma certa forma teve que se alienar da política monetária. Que recorra, se necessário, ao conselho de Delfim Netto, que não pode ser acusado de anticapitalista. E diante do coro grego dos economistas de mercado, deve lembrar-se do que disse o genial John Kenneth Galbraith: “Em economia não se de
ve levar em consideração a opinião de quem tem interesse próprio em jogo”.
P.S. Depois dessa barafunda que o Congresso criou equiparando famílias a empresas, só há uma forma de o Governo não perder votos da classe média indignada nas próximas eleições presidenciais: que autorize o desconto no Imposto de Renda dos salários com domésticos, como acontece com empregados de empresas.
José Carlos de Assis é economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus”, ed. Civilização Brasileira.
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