Ontem houve bela discussão no Blog sobre os rumos do PSDB. Primeiro, o artigo do Renato Janine publicado em no Valor, sobre a perda do discurso, que suscitou comentários ricos e variados. Depois, o rebate de Jotavê, tentando definir novas bandeiras para o PSDB.
Em síntese, Jotavê propõe que o PSDB coloque em prática as bandeiras sociais-democratas assumidas pelos governos Lula e Dilma, mas sem o corporativismo que enxerga no PT. É muito pouco para definir um programa de partido.
O que propõe, em suma, é um partido social-democrata sem sindicatos, algo inédito.
Como muitos intelectuais de centro-esquerda, Jotavê é órfão de um PSDB que não aconteceu.
Antes de chegar ao poder, com FHC, o PSDB congregou um grupo de intelectuais, cientistas políticos, jornalistas, que tinham em comum a ideia vaga de uma social democracia inclusiva, com preocupações modernizadoras e sociais, fugindo tanto dos cânones da esquerda tradicional (PCB) quanto da militância exacerbada do PT que emergiu das lutas dos anos 80.
Esse PSDB foi sepultado quando a linha ideológica do partido passou a ser definida pelos financistas, os economistas que fizeram o Plano Real. É neles que FHC vai se basear para desenhar seu governo.
Jotavê supõe que os economistas estavam tão atarefados buscando a estabilização que não tiveram tempo de colocar em prática suas preocupações sociais.
Sinto desapontá-lo, mas essas temas nunca fizeram parte de suas preocupações. É só conferir o discurso atual da "Casa das Garças" e as manifestações esparsas dos principais formuladores do Real. São discursos de guerra, em favor do financismo mais desbragado.
Como detalhei em meu livro "Os Cabeças de Planilha", todo o desenho da remonetização do Real, com apreciação do câmbio - a decisão que criou uma dívida interna imobilizadora, provocou quebradeira generalizada na economia, aprofundou a cartelização do país - não foi um mero acidente, provocado por excesso de cuidados com a inflação. Foi uma estratégia política de tomada do poder através dos novos grupos financeiros que se instalavam.
A estratégia era clara. Supunha que o PT tivesse o domínio da máquina pública. O PSDB passaria a controlar o mercado, através de aliados criados no processo de privatização e nas jogadas de política monetária e de manipulação da dívida externa.
Não se trata de novidade mundial. Historicamente, sempre aconteceu esse conflito Estado x Mercado. O controle do Estado é provisório - a não ser em regimes ditatoriais. Já o controle do mercado é permanente.
A possibilidade de controlar a política através de novos grupos econômico-financeiros já havia sido colocada em prática pelo Visconde de Ouro Preto, último Ministro da Fazenda da Monarquia, e por Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República.
Um dos grandes especialistas no Encilhamento (o desastre econômico produzido pela estratégia de Rui Barbosa) foi justamente Gustavo Franco, o principal e mais brilhante ideólogo do Real. E a lógica do Real obedeceu a essa estratégia política, ainda que à custa de sacrificar 12 anos de crescimento brasileiro.
A face mais ostensiva desse pacto é Daniel Dantas.
A paternidade das políticas sociais
O "se" é perigoso na análise histórica. Mas se algum "se" pudesse ter mudado a trajetória antissocial do PSDB, teria sido Covas, não fosse sua morte prematura, jamais os financistas do Real - muito mais empenhados em um jogo de poder e de enriquecimento pessoal.
Ao longo dos dois governos de FHC, o PSDB perdeu totalmente as características socialdemocratas. Não entendeu os novos tempos, manteve-se fechado a qualquer demanda da sociedade civil, que aflorava após a redemocratização.
Foram ensaiadas algumas políticas sociais, especialmente sob dona Ruth, sem jamais terem sido prioridade ou ganhado escala. É ridículo ouvir Serra todo dia querendo se apossar da paternidade de políticas sociais, porque a ideia A ou B foi anterior ao Bolsa Família. Ora, em seu governo Sarney instituiu o Vale-Leite. Depois, houve o Vale Gás e outras formas de políticas assistenciais. O grande feito foi justamente o da massificação das políticas sociais, o fato de terem sido colocadas no centro das políticas públicas.
E esse bonde o PSDB perdeu. Assim como qualquer sensibilidade para governos participativos ou de cunho social.
Como governador de São Paulo, tendo todo o aparato midiático para divulgar cada espirro, qual a política social inovadora implementada por Serra, qual o fórum de debates que abriu para ouvir a sociedade civil, trabalhadores, empresários, organizações sociais? Nenhum. Por que não massificou as ideias de dona Ruth e outras surgidas nos anos 90? Porque ter ideias, até eu tenho. O feito político que conta é colocá-las em prática.
Ora, um partido é um conjunto de princípios mas que, para consolidar-se, dependem fundamentalmente de resultados práticos que constituem a sua história. Como passar uma borracha nas políticas de FHC, da inação de Serra governador de São Paulo?
A privatização como fim
Outras das bandeiras iniciais do PSDB, a ideia de que a privatização seria apenas uma etapa de uma estratégia de tornar o país mais competitivo, foi por água abaixo. A ideia de que seria possível compatibilizar pragmaticamente empresas privadas, empresas públicas atuando em ambiente de mercado, foi completamente abandonada no Brasil de FHC e em São Paulo de Serra e Alckmin.
É o que explica o fato de ter transformado a maior empresa de energia do país - a CESP - em um morto-vivo para ser privatizado, depois de seu valor ter praticamente virado pó. Ou vender a CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica), empresa que seria essencial para integrar a geração de energia do bagaço das usinas paulistas. Ou vender a Nossa Caixa e, depois, criar uma agência de desenvolvimento para emprestar dinheiro - maluquice que só poderia caber na cabeça atrapalhada do neo-Serra.
Nada garante que o governo Dilma dará certo. Mas é evidente que a tomada do poder não pode depender exclusivamente dos erros dos adversários.
Sendo assim, que espaço restará ao PSDB? O de ser um PT sem sindicato? Claro que não. A bandeira social-democrata é dos governos Lula e Dilma e não haverá como arrancar de lá.
O combate ao aparelhamento do Estado poderia ser uma bandeira eficiente. Mas só enquanto se conseguir manter a blindagem sobre o aparelhamento de São Paulo. Recentemente o Estadão se permitiu uma matéria sobre o desmanche da TV Cultura onde se mancionavam salários altos pagos a funcionáriosn da Secretaria da Cultura, de Andrea Matarazzo. Não houve uma suite sequer para levantar o nome dos beneficiados.
Aliás, Jotavê, que é um crítico corajoso do corporativismo universitário, deveria circular por outras bandas do governo paulista, para ter uma ideia pálida do que é aparelhamento.
Partindo-se do pressuposto que o próprio avanço da Internet derrubará gradativamente todas as blindagens, não é por aí que o PSDB conseguirá sua legitimização.
O novo quadro político
As bandeiras disponíveis estão em campos jamais trilhados pelo partido. Talvez na defesa da desburocratização e do empreendedorismo - bandeira de Guilherme Afif Domingos. Mas é uma bandeira que só daqui a alguns anos baterá fundo no coração da atual geração de incluídos por programas sociais.
Há a bandeira da gestão, eficazmente utilizada em Minas Gerais, Pernambuco e Espírito Santo. Mas, se o governo Dilma não se perder no campo político, o modelo apresentado no primeiro mês de governo será imbatível.
De qualquer modo, tudo indica que se esgotou o modelo político pós-redemocratização, no qual PT e PSDB assumiram o protagonismo, sendo apoiados por partidos ônibus, como PFL-DEM e PMDB.
A nova oposição definitivamente não sairá do PSDB, já que esgotou o tempo político para tentar reescrever sua história.
Ainda não se sabe o quadro que virá pela frente. Certamente já começou a ser moldado agora. Mas só daqui a algum tempo se terá clareza sobre esse novo desenho.
Comentário
Penso diferente do Nassif. Se ele não quer que o PSDB seja um partido financista, e, ao mesmo tempo não quer que o partido seja um partido social-democrata, ele deseja que o partido tenha qual ideologia, então?
Bem, não tenho nenhum apreço por esta guinada social-democrata que o PT engendrou, socialista que sou. Porém, é fato que se o PSDB viesse a respeitar o próprio nome e tornar-se um partido social-democrata (fato improvável, dado que possivelmente nenhuma grande liderança sua - com a possível exceção do Anastasia - possui tal bandeira como ideologia), com ênfase na eficiência, a qualidade da oposição brasileira estaria a anos-luz de distância da exercida contra Lula e Dilma.
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