segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O choro das viúvas de Micheletti – por Miguel do Rosário (óleo do diabo)

Na medida em que a crise em Honduras inicia uma distensão, e que as sucessivas derrotas dos golpistas (a primeira foi não ter recebido reconhecimento de nenhum país e ter sido condenado por todas as organizações internacionais) se tornam mais visíveis, observo em nossa midia, parte da qual apoiou o golpe, o surgimento de uma nova e interessante figura: as viúvas de Honduras.Noblat é uma delas. Recorto o que ele disse hoje, em sua coluna do jornal O Globo:

A derrubada de Zelaya foi legal, segundo a Constituição. Afinal, ele tentara mudá-la para introduzir a reeleição à presidente.

A primeira frase é um idiotice e uma falsidade jurídica. A derrubada de Zelaya não foi legal. Foi um golpe de Estado. Não é por outro motivo que o novo governo não foi reconhecido e que Zelaya continuou sendo o único presidente legítimo, para toda a comunidade internacional. Até O Globo chamava, embora hesitante e intermitentemente, e apenas semanas depois do golpe, o governo Micheletti de golpista. A afirmação de Noblat, portanto, é esquizofrênica. Ele defende um governo golpista em seus estertores. É uma viúva desesperada tentando defender a honra do marido nazista morto por um pelotão de fuzilamento da Resistência francesa.

A segunda frase é uma mentira odiosa. Blogosfera, juristas, diplomatas, já a desmentiram categoricamente, por diversas vezes. Zelaya pediu a inclusão de uma pergunta a mais na cédula eleitoral, sobre a criação de uma assembléia constituinte. Essa assembléia iria iniciar discussões políticas, que incluem mudanças na Constituição. Não dá nem para chamar Noblat de leguleio (aquele que interpreta servilmente a lei, sem atender a seu espírito), ou de chicaneiro (o que distorce a lei para cometer crimes), mas de safado mesmo, ou burro. Uma Constituição não é uma tábua de pedra onde as leis ficam estáticas para sempre. Constituição é um corpo jurídico sempre flexível em linha com os anseios do povo. É absolutamente ridículo que Noblat (e outros, são tantas as víuvas de Micheletti no Brasil...) queira nos convencer que a simples possibilidade de um país abrir um debate sobre a reeleição, tendo a delicadeza de perguntar ao povo se concorda ou não, é motivo para sua derrubada sumária, sem o mais básico processo legal de defesa.

É ridículo, ainda mais partindo de um jornalista político brasileiro, ciente de que Fernando Henrique Cardoso, mudou a Constituição brasileira, sem a delicadeza de perguntar ao povo, para instituir a reeleição PARA SI PRÓPRIO.

O maior crime, ao que parece, é a delicadeza de perguntar ao povo. Os neocons da América Latina consideram o instrumento de consulta popular uma agressão à democracia. Enquanto isso, Uribe aprova a instalação de bases americanas na Colômbia sem sequer consultar o Congresso Nacional... Ou seja, o bolivarianismo que faz consultas ao povo é autoritário, enquanto as forças que instituem mudanças radicais na Constituição (como fez FHC) sem nenhuma consulta popular são modelos de bom comportamento democrático. E dar golpe de Estado, para Noblat e para todas as numerosas viúvas de Micheletti, também é democrático. Ah, já ia esquecendo, é o golpe democrático do Jabor!

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Na verdade, o golpe ainda não acabou. As pessoas, porém, esquecem um fator básico. A população hondurenha recebeu uma vacina. O que é uma vacina? É receber o vírus da doença no corpo para criar anticorpos daquela doença. Foi exatamente isso que aconteceu ao povo hondurenho. Todas as pesquisas de opinião, discussões parlamentares, todas as articulações entre Micheletti e Zelaya, estão negligenciando o mais importante. O que está pensando o povo hondurenho de tudo isso? O golpe de Micheletti foi um desastre social e econômico. Os ricos têm reservas para enfrentar os momentos de dificuldade. Muitas vezes, até ganham dinheiro, explorando a miséria e a insegurança. Os pobres, naturalmente, sempre são os mais prejudicados. Ao que tudo indica, o povo hondurenho desenvolveu um ódio profundo contra as forças retrógradas de Honduras, contra os golpistas, e identificou exatamente o papel da mídia nesse processo. Pensar que o mundinho político de Honduras permanecerá o mesmo depois do que aconteceu não é apenas ingenuidade, é estupidez e cegueira política. O povo exigirá mudanças. E mesmo que os golpistas recebam anistia lítica e jurídica em função dos acordos do alto escalão, o povo não os perdoará pela tragédia social que produziram. Sim, porque para os ricos o golpe pode ter sido apenas uma aventura. Para os pobres, no entanto, significou o desmantelamento de suas finanças, o esfacelamento de seus sonhos, a morte, a fome, o desespero, e o maior erro político de todos é subestimar os povos, é subestimar a força de sua violência e de sua dor. Os golpistas irão pagar, muito caro, uma hora ou outra, pela violência indesculpável contra a soberania popular, contra a democracia, contra a vida de milhões de hondurenhos. E as viúvas de Micheletti no Brasil não poderão fazer outra coisa senão enfiar seus rostos num vaso sanitário, e puxar a descarga.

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Algumas das viúvas de Micheletti não têm coragem de apoiar explicitamente o golpe, mas é fácil identificá-las. Eliane Catanhede, por exemplo, põe Micheletti e Zelaya em pé de igualdade. Vários fizeram isso. Sem coragem de defender Micheletti, tentam agradar o baronato midiático conservador que os emprega atacando igualmente Zelaya. Sem ter o que atacar em Zelaya, zombam de seu bigode, de seu chapéu. Caluniam-no dizendo que não possui uma personalidade política própria, que é um submisso seguidor de Chávez. Mentem ao acusá-lo de querer instituir a reeleição. Antes do golpe as eleições presidenciais já estavam marcadas para o fim deste ano, e Zelaya não concorria. A famigerada inclusão de uma pergunta a mais na cédula não dizia nada sobre reeleição. Caso fosse montada uma assembléia constituinte, a reeleição seria, primeiro, debatida pelo parlamento, depois votada, e depois, caso fosse aprovada, o povo poderia ser novamente consultado. Zelaya passou longe do golpismo de Fernando Henrique Cardoso, que atropelou qualquer bom senso democrático para instituir a reeleição para si mesmo, sem consultar o povo. Chávez ao menos fez um plebiscito popular. FHC, não. Repetindo, o crime maior para os antibolivarianos radicais de nossa mídia é consultar a população...

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