O acordo militar entre Colômbia e EUA fala da não intervenção em assuntos internos de terceiros países -- preocupação manifestada por vizinhos --, mas deixa brechas e é vago sobre equipamentos que serão usados por militares americanos no país, assim como sobre a natureza das "atividades" que poderão ser feitas conjuntamente. O pacto, cuja íntegra foi divulgada terça (03), concede imunidade diplomática a militares dos EUA e autoriza aeronaves estadunidenses a pousarem em qualquer aeroporto colombiano
Conforme consta no artigo VIII do documento, fica garantida a imunidade ao pessoal administrativo e técnico da missão norte-americana. Contudo, os Estados Unidos se comprometem a revisar qualquer solicitação por parte da Colômbia quanto à proteção de militares envolvidos em delitos cometidos contra colombianos ou dentro do país.
A questão da imunidade é polêmica na Colômbia. Em 2007, o caso da garota Jessika Beltrán entrou no debate nacional. Sua mãe denunciou que o sargento Michael Cohen e o empreiteiro César Ruiz, ambos funcionários na base de Tolemaida, onde trabalhavam no Plano Colômbia, drogaram e violentaram a menina, que tinha 12 anos na época. O senador Gustavo Petro, do partido oposicionista Polo Democrático, denunciou que os supostos estupradores voltaram aos Estados Unidos e o crime ficou impune.
O texto do acordo, assinado na última sexta-feira e divulgado apenas ontem no site da Chancelaria colombiana, prevê ainda que os militares americanos terão autorização de usar uniforme e armamento "para atividades que se levem a cabo no marco do acordo". Apesar do que consta no documento, em entrevista ao jornal colombiano El Tiempo, o embaixador norte-americano, William Brownfield, disse que os norte-americanos não participariam de nenhuma operação armada.
Outros países
A proibição expressa para que as operações não excedam as fronteiras da Colômbia, tema que gerou duras declarações de países como a Venezuela e o Brasil, ficou consignada no artigo III, parágrafo 4: "As partes cumprirão suas obrigações derivadas do presente Acordo de maneira que concordem com os princípios da igualdade soberana, da integridade territorial dos Estados e da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados".
Mas o parágrafo 1º do mesmo artigo diz que a parceria também visa "enfrentar ameaçar comuns à paz, à estabilidade, à liberdade e à democracia", o que deixa uma brecha para outras interpretações e uma possível intervenção.
Vários países da região, Brasil incluído, manifestaram desconfiança em relação ao acordo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu garantias formais de que o uso das bases não extrapolaria as fronteiras colombianas. No mês passado, Lula disse que acreditava nas palavras de Uribe e Barack Obama, mas afirmou que queria ver o acordo por escrito.
Aeroportos
Antes restritos à capital colombiana, Bogotá, os aviões norte-americanos estarão autorizados a pousar em qualquer aeroporto internacional do país. O artigo V, parágrafo 2, que se refere aos procedimentos de autorização de aterrissagem e sobrevôo de aeronaves, fala do uso de "aeroportos internacionais para a entrada e saída do país".
"Se estabelecerá um mecanismo para determinar o número estimado de vôos que usarão os aeroportos, conforme a normatividade colombiana", acrescenta o texto. Existem na Colômbia sete pistas internacionais: Barranquilla, Bogotá, Cali, Cartagena, Medellín, Bucaramanga e San Andrés. De forma dúbia, o pacto também permitirá a presença de "observadores de terceiros países" nos voos.
Autoridades militares declaram que o tema é "irrelevante", pois as aeronaves somente farão pouso e decolagem. Contudo, as regras dos aeroportos obrigam que os aviões seja inspecionados e eventualmente abastecidos, o que obrigaria a existência de funcionários estrangeiros em terra.
O texto assinado deixa aberta a possibilidade que haja voos militares tripulados apenas por americanos no país. A participação de colombianos só ocorrerá "se requerida". Na base americana de Manta, no Equador, que será desativada neste ano, há a obrigação de que houvesse sempre um equatoriano a bordo nos voos de monitoramento antidroga.
Palanquero
O texto sugere que os EUA construirão estruturas e farão melhorias para o uso exclusivo de seu pessoal. "Os edifícios, as estruturas inamovíveis e as montagens construídas para os EUA serão para seu uso, salvo acordo contrário entre as partes, até a entrega dos mesmos a Colômbia", diz o parágrafo 4º do artigo 4º.
O acordo põe ênfase na questão do tráfego aéreo. Diz que normativa futura deverá regulamentar a passagem de aeronaves americanas pelo país. Esses pontos são importantes porque os EUA já aprovaram verba de US$ 46 milhões a ser investida na base aérea de Palanquero, no centro do país. A adaptação da instalação é um dos projetos prioritários do Pentágono na Colômbia, conforme demonstram documentos das Forças Armadas dos EUA submetidos ao Congresso.
Washington considera Palanquero uma "oportunidade única" de obter "acesso e presença regional a custo mínimo" numa área sob ameaças constantes, entre elas as vindas de "governos antiamericanos" como o do venezuelano Hugo Chávez.
O documento também diz que Palanquero é o melhor lugar "para conduzir um completo espectro de operações pela América do Sul". A base faz parte do plano global de rotas para transporte estratégico global de carga e pessoal militar americano.
As bases as quais os Estados Unidos terão acesso estão localizadas nas áreas de Palanquero (centro), Malambo (Caribe, norte), Apiay (leste); os forte do Exército em Larandia (sul) e Tolemaida (centro), e as bases navais de Cartagena (Caribe) e Bahía Málaga (Pacífico, oeste), afirma o texto.
O artigo XX, parágrafo 2, permite que os Estados Unidos estabeleçam estações receptoras por satélite para a difusão de rádio e televisão, sem precisar de licenças ou custos. Os sistemas seriam usados diretamente nas bases. Nenhum dos países pode cancelar o acordo nos próximos 10 anos, porém, têm a possibilidade de renová-lo “por períodos adicionais” de igual duração.
Sem controle
No preâmbulo do acordo, se justifica sua criação para "promover e facilitar a cooperação regional para combater as ameaças persistentes à paz e à estabilidade, como o terrorismo". Os Estados Unidos inauguraram guerras no Iraque e no Afeganistão sob a desculpa de preservar a "segurança nacional" e desmantelar "grupos suspeitos de terroristas".
O pacto também prevê que os funcionários estadunidenses tenham plena liberdade para conduzir veículos, navios e aeronaves, sem supervisão. "As autoridades colombianas aceitarão a validade de licenças e permissões para condução de veículos, navios ou aeronaves expedidos por autoridades dos Estados Unidos", diz o texto.
O documento estabelece ainda que se permita acesso e utilização de locais requeridos por funcionários da Casa Branca sem especificá-los. A Colômbia também outorga aos EUA o privilégio de manejar correspondências e documentos sem a necessidades de que estes passem pelo serviço postal colombiano.
Reação
Para o senador Gustavo Petro, um dos principais nomes da oposição da Colômbia e pré-candidato à Presidência do país em 2010, o pacto militar é inconstitucional e passível de ser denunciado em tribunais internacionais. "No momento em que este governo deixar o poder, esse tratado será denunciado. Ele não é válido pelas leis colombianas", disse ele à Folha.
O senador argumenta que o governo Álvaro Uribe deixou o pacto sem eficácia ao se recusar a submeter o texto ao Senado, como prevê a Constituição no caso de trânsito de tropas estrangeiras pelo país. O Conselho de Estado, órgão jurídico consultivo máximo do Executivo colombiano, recomendou que o texto passasse pelo Congresso. As decisões da instância, no entanto, não são vinculantes.
Mas o próprio acordo entre Colômbia e EUA prevê que "toda controvérsia que surja quanto à interpretação" do texto deve ser resolvida diplomaticamente entre as partes e estabelece que "as controvérsias não se remeterão a nenhuma corte ou tribunal nacional ou internacional ou organismo similar nem a terceiros para sua resolução, salvo acordo mútuo entre as partes".
Comentário Meu:
E para as bestas-feras o problema da América do Sul é Hugo Chávez – e não o senhor Álvaro Uribe.
Que lástima.
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