A política tem seu tempo mas também seu "microtempo", feito de circunstâncias mais passageiras. O governador tucano José Serra, enfrenta um microtempo dos piores com a pressão de correligionários e aliados para que decida logo se é candidato a presidente daqui a pouco de 11 meses. O que era para ser um grande gesto, hoje, poderia parecer um anticlímax. No entanto, não mais de três alternativas imediatas se abrem ao presidenciável paulista.
Por Bernardo Joffily
Examinemos cada um dos caminhos possíveis para Serra:
1. Serra mantém seu prazo: março
A primeira opção: Serra resiste à pressão e só se decide em março, conforme o cronograma que se fixou. É hoje a opção mais remota. Seu concorrente tucano, o governador Aécio Neves, não aceita.
Aécio disse que em fevereiro se lançaria a senador por Sua Minas Gerais, depois encurtou o prazo e anunciou que só espera até o fim de dezembro. "Ou Serra assume ou devolve a bola para o Aécio", argumenta Domingos Sávio, líder do governo Aécio na Assembléia Legislativa mineira.
Caso Serra mantenha a protelação e Aécio cumpra seu ultimato, seria o pior dos mundos para o governador paulista. Ficaria sendo o presidenciável por default, tomando uma 'decisão' já 'decidida' de antemão pelos fatos.
Se o único a cobrar pressa fosse Aécio, nem seria tão problemático. Mas o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), exige publicamente a definição do candidato, angustia-se com a demora e até anunciou preferência por Aécio para aumentar a pressão. E o próprio presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse em entrevista no domingo que "o nosso tempo é urgente".
Não se encontra um só oposicionista satisfeito com a protelação. Nenhum exceto José Serra. Este, pessoalmente, gostaria de medir melhor o passo, estudar como evoluem as pesquisas. Mas todos no seu campo, a começar pelos montadores dos palanques estaduais, cobram uma definição já.
2. Serra se lança em dezembro
Segunda opção: Serra cede à pressão e sai para presidente. É o que todos esperam que aconteça. A começar pelo presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, que neste domingo publicou um alarmado artigo no Estadão – Para onde vamos? – pintando em cores tenebrosas uma possível vitória da petista Dilma Rousseff:
"Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão", vaticina FHC. E termina "dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde".
O ex-presidente se empenha em ver seu correligionário e conterrâneo como candidato presidencial, em uma "chapa dos sonhos" com Aécio na vice. Aécio não se cansa de negar. Logo se saberá se a costura fernando-henriquista terá meios para dobrá-lo. Se assim for, será um ponto para a oposição. Se não, um ponto contra.
3. Serra se lança... para a reeleição
Terceira opção: o governador refaz os cálculos, repassa as pesquisas e conclui, como em 2006, que é melhor disputar a mais amena reeleição para governador de São Paulo, e deixar para Aécio (que não tem essa opção, por já ter cumprido dois mandatos) a tarefa de enfrentar Dilma e seu cabo eleitoral número um, Luiz Inácio 'o Cara' Lula da Silva.
É a única explicação real – um segredo de Polichinelo – para a demora em decidir. Será também talvez a alternativa mais prudente do ponto de vista da carreira política pessoal de José Serra, que assim trocaria o duvidoso pelo (quase) certo. Mas seria uma quase traição do ponto de vista dos interesses coletivos da oposição conservadora.
Nesse caso, caberia a Aécio a condição de presidenciável por default. Este veria obedecido o prazo que pediu, mas teria que correr contra o tempo para conquistar os aliados e montar os palanques que promete. Pior, ver-se-ia na obrigação de explicar a cada passo que, sim, venceu a contenda com Serra e pode vencer a eleição, e, não, não foi deixado para o sacrifício na disputa com a candidata de Lula.
Desgraça pouca é bobagem
A escolha de Serra se fará em um microtempo hostil. Não há nenhum escândalo contra o governo na mídia. A CPI da Petrobras agoniza aos poucos, eclipsada pelas boas notícias do pré-sal e a polêmica positiva sobre como distribuir seus royaltes. A crise global, no Brasil, pode não ter sido uma 'marolinha' mas não chegou a muito mais que isso; mais importante, passou, e prenuncia um crescimento que segundo Lula pode bater nos 7% na hora da campanha eleitoral. O Rio venceu Chicago na contenda pela Olimpíada de 2016. Até a coragem de abrigar Miguel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras – que Serra descreveu como "uma grande trapalhada" – revelou seus frutos ao abrir caminho para o acordo de sexta-feira passada, de ainda incerta aplicação pelo regiem golpista.
Como desgraça pouca é bobagem, a oposição enfrenta dificuldades para montar os palanques estaduais. "A indefinição da candidatura presidencial do PSDB deixou os partidos de oposição à beira de um ataque de nervos e ameaça causar divisões políticas internas com efeitos nas campanhas regionais", noticia o Estadão.
O jornal aponta " graves focos de insatisfação" em Minas, no Rio e em São Paulo. E "problemas" em pelo menos mais nove Estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Amazonas e Maranhão.
O caso do Rio é emblemático. Até setembro o palanque local parecia resolvido com a candidatura do tucano do bico verde Fernando Gabeira. Mas a candidatura presidencial de Marina Silva pelo PV, somada à conquista dos Jogos de 2016 pelo Rio, derrubou esse palanque. Gabeira agora diz que pensando bem talvez concorra ao Senado; e se disputar o governo será em dobradinha com Marina e não com Serra. Sérgio Guerra desembarca nesta quarta-feira na Cidade Maravilhosa com a missão de fazer o rescaldo do desastre.
Em São Paulo os tucanos Geraldo Alckmin (melhor nas pesquisas) e Aloysio Nunes Ferreira (preferido de Serra), assim como o prefeito paulistano Gilberto Kassab, do DEM, desejam ser os indicados para concorrer ao governo. A completa catástrofe para Serra seria perder a eleição presidencial para Dilma.. e ainda ter de passar o governo paulista para seu desafeto Alckmin – hipótese que o leva a levar muito a sério a terceira alternativa.
A cobrança irritada da mídia
Há ainda a cobrança irritada, quase colérica, da mídia. Esta denuncia incompetências e covardias por parte dos oposicionistas em geral e de Serra em particular. "O Brasil tem governo demais e oposição de menos", foi a melancólica conclusão da colunista Miriam Leitão, do Globo, acompanhada no diagnóstico por vários outros articulistas.
Até o marqueteiro de Serra, Luiz González, entra no rol dos discensos oposicionistas e pode ser defenestrado. "Não ouve ninguém, não entende de Brasil. Há uma insatisfação geral no PSDB. Só o Serra gosta dele", disse um senador tucano, sob compromisso do anonimato, para o Estado de S. Paulo, que é insuspeito de simpatias por Lula mas tem sido revelador sobre as fraquezas tucano-demistas.
Um microtempo é volátil por natureza e o atual pode se desvanecer. É o que José Serra deve estar implorando aos deuses que aconteça. Do contrário, qualquer que seja a sua escolha entre as três possíveis, o anúncio da decisão dificilmente soará como um prenúncio de vitória.
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