Para conquistar leitores pela técnica de quem veio para confundir e não para esclarecer, colunistas conservadores querem apagar a distinção entre "direita" e "esquerda"
Há algo estranho no jornalismo brasileiro. Enquanto a Igreja Católica nem esperou pela morte de Bento XVI para livrar-se dele, dando espaço ao Papa Francisco, nossos jornais e revistas realizam um movimento ao contrário.
Esse processo levou a contratação de Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli pela Folha de S. Paulo e ao lançamento, com pompas de livre-pensador, de Rodrigo Constantino pela VEJA. Preste atenção no que você ouve no rádio, em quem aparece na TV. Quem estava no centro foi para a direita. Quem estava à direita foi para a extrema-direita.
Nós não temos uma direita expressiva na vida real. Há muito tempo ela não tem votos em eleições majoritárias e, mais recentemente, enfrenta dificuldades até para formar uma bancada expressiva na Câmara e Senado. Muita gente denuncia o PT porque aceita infiltrados direitistas em seu palanque. Concordo que algumas companhias são mesmo lamentáveis e expressam um eleitoralismo exagerado.
Mas talvez se justifiquem por piedade. O DEM, último partido a merecer essa definição, é uma legenda em extinção. Não compete para presidente, tem dificuldade para disputar governos estaduais e até em rincões tradicionais mendiga aliança com antigos adversários para tentar eleger um ou dois parlamentares pelo regime de coligação.
Mas a direita dá o troco nos jornais e revistas.
Imagine que há uma década ou um pouco mais a Época tinha o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos e a psicanalista Maria Rita Kehl entre seus colunistas fixos. Humberto Eco fazia comentários internacionais. Luiz Felipe de Alencastro era colunista fixo da VEJA. No mesmo período, Franklin Martins foi o principal comentarista político da TV Globo.
O preocupante, nessa configuração à direita, é que ela representa um passo fora da História.
O Brasil é um país com uma longa tradição de pensamento conservador. Foi apenas com a vitória de Lula em 2003 que se interrompeu uma sucessão histórica de governos à direita, raramente escolhidos em urna, com mais frequência impostos pelas baionetas. Apenas Getúlio Vargas, eleito em 1952, sem apoio do PCB, que lhe fez oposição até à morte, pode ser considerado um candidato de esquerda. JK era um centrista perseguido pela direita, que não suportava seu modelo desenvolvimentista. João Goulart chegou a presidência, mas foi eleito como vice, num período em que se temia que um presidente com perfil como o dele fosse capaz de vencer uma eleição mas seria emparedado antes da posse.
Essa inclinação da imprensa à direita ocorreu num momento histórico em que o país dá uma inclinada evidente a esquerda. Pense nas três vitórias consecutivas nas últimas campanhas presidenciais. Pense em 2014, quando a direita financeira foi recrutar uma antiga petista – Marina Silva – para sonhar com alguma possibilidade de vitória ao lado de Eduardo Campos, aliado histórico de Lula. Teremos uma campanha decisiva e árdua, mas não se engane.
A direita não ousará dizer seu nome, pois sabe que este é o caminho mais seguro para uma nova derrota.
Num movimento semelhante, é para conquistar leitores pela técnica de quem veio para confundir e não para esclarecer, que colunistas conservadores também querem apagar a distinção entre “direita” e “esquerda”. Sabem o risco de assumir o que são, num país onde a direita possui uma sólida tradição de autoritarismo, exclusão social e preconceito contra os mais pobres – tudo aquilo que o brasileiro detesta e não quer encontrar de novo à frente do governo.
O elenco de colunistas conservadores realiza um movimento alinhado, que deixa todos os veículos numa mesma posição política – de costas para o país, longe da visão de mundo da grande parte dos brasileiros. Não estamos falando de ideologia, de esquerda ou de direita. Estamos falando de medidas concretas de governo, de salário mínimo, bolsa-família, proteção ao emprego. Compare os alvos permanentes de ataque desses colunistas e comentadores com aquilo que a população mais aprova e aprecia.
É tudo igual – com o sinal invertido. Pode dar certo? Pode ajudar nas vendas? Pode ampliar seu público? Pode fazer aquilo que se espera de qualquer veículo, seja no papel, seja na internet, que é dialogar com seu leitor?
Jornais têm “pauta”, que reflete, com nuances e mediações, aquilo que o proprietário considera assuntos mais relevantes. Também tem “edição,” que sublinha e realça aquilo que o dono acha mais importante. Normalíssimo. Outras publicações, que não são dirigidas por uma família, possuem conselhos que também definem uma linha editorial a ser seguida pelos jornalistas.
Mas é nas colunas de opinião que se encontra a opinião do proprietário – ou melhor, ali se encontra o painel de opiniões que se julga relevante publicar.
Essa opção absoluta por um pensamento conservador tem várias consequências, a maioria nefastas.
Como se sabe, toda visão política anda de mãos dadas com análises econômicas e projeções de médio e longo prazo. A convivência em ares viciados costuma intoxicar o pensamento, diminui a capacidade crítica e estimula a arrogância intelectual, sendo um caminho fácil para erros e desastres.
A maioria dos grupos de comunicação do país quebrou as pernas durante os anos 1990 em função da própria cegueira ideológica e até hoje paga o preço de tamanho desastre. Têm dívidas imensas para saldar, que se transformaram em fardos gigantescos sobre seu negócio. Impagáveis, transformaram-se numa hemorragia permanente de recursos, além de uma asfixia do mesmo tamanho sobre sua capacidade de investimento. A origem dessa situação já foi bem diagnosticada. Durante o governo FHC, os donos dos meios de comunicação – e colunistas mais influentes – investiram as reservas e toda capacidade de se endividar em dólar porque acreditavam, de olhos fechados, no acerto da política econômica daquele período. Terminaram de pires na mão, posição em que a maioria se encontra até hoje, ainda que nem todos enfrentem a mesma situação desesperada.
Também por razões ideológicas, pois o governo mudou, mas o partido das redações seguiu o mesmo, só que ainda mais dogmático e radical, perdeu-se o bonde da história no governo Lula.
A partir de 2003, os mais pobres ganhavam renda, educação e dignidade – e logo, mais interesse por informações. Enquanto isso, nossas empresas de comunicação seguiram investindo na clientela de sempre, a classe média alta, os ricos e os muito ricos. Convencidas por analises totalmente equivocadas que enxergavam uma crise a cada 24 horas e a tragédia final do governo nos próximos 30 dias, foram incapazes de entender o que se movia pelos andares inferiores. Nunca abandonaram a opção preferencial pelos bem estabelecidos, que levou a investimentos de vulto na segmentação do mesmo mercado, muitas vezes no mesmo bairro, e até na mesma família, com publicações por gênero, por idade, por assunto, sabe-se lá o que mais.
Para o andar térreo, o maior esforço consistiu em jornais populares de serviço, despolitizados, uma mistura de atendimento ao consumidor com listas de benefícios de agências do governo, a começar por precatórios e aposentadorias.
Num país onde 70% do eleitorado apoia e admira Lula, sua força política foi hostilizada de forma irresponsável, numa atitude politicamente discutível, mas culturalmente arrogante e ruinosa como opção de negócio. Alguns grupos só foram se dar conta de que o país havia mudado quando Lula chegava ao último ano de seu governo. Pode?
E assim chegamos a 2013. Olhando para o próprio umbigo, nossos jornais e revistas concluíram que precisam ficar um pouco mais à direita.
Comentário
A situação é ainda pior se considerarmos que a Veja já foi guiada por um Mino Carta, hoje é por protofascistas; que a imprensa nacional já teve colunistas como Sérgio Buarque de Hollanda, Raymundo Faoro, Celso Furtado, etc., e hoje... Jesus seja louvado.
Mesmo para defender o liberalismo, antigamente havia um Roberto Campos, que, a despeito da terrível ideologia, ao menos se portava com alguma classe. Agora, temos este tal Rodrigo Constantino, alcunhado pela própria direita de “menino maluquinho”.
A imprensa nativa chafurda na própria ignorância, no conservadorismo e no fascismo.
Não sei qual será o resultado disto, mas, tenho a forte impressão que ao longo do tempo o Brasil tem se tornado um país mais intolerante, agressivo e energúmeno por conta de quem deveria informar e desinforma, por quem deveria ajudar na formação e deforma intelectualmente.
Um caso terrível como o do visível preconceito contra os médicos cubanos não acontece à toa. É um processo, que tem início nestes sórdidos e que depois evolui de maneira incontrolável - podendo descambar em algo que não temos ideia, como até mesmo em uma guerra (civil, ou não).
Antigamente o Brasil era conhecido por ter um povo alegre e hospitaleiro. Não sei se isto ainda se mantém – se se mantém, é onde esta imprensa marrom não tem influência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário