Não é difícil entender as razões por trás da entrevista do senador Jarbas Vasconcellos à revista Veja.
Na entrevista ele acusa seu partido, o PMDB, de abrigar corruptos e lutar por cargos. Faltou explicar onde está a novidade.
No governo FHC, esse mesmo PMDB, tendo como pontas-de-lança o Ministro dos Transportes Eliseu Padilha e Gedel Vieira Lima, uma seleção enriquecida por Gilberto Miranda e outros notáveis, negociou cargos, benesses e massacrou Itamar Franco na convenção do partido. E os episódios ocorreram nos tempos em que Jarbas era dos grandes nomes do partido. É o mesmo PMDB de agora, com os mesmos personagens de antes.
O papel do PMDB e as formas de cooptá-lo fazem parte do know-how de governabilidade criado por FHC e apropriado por Lula. Então, qual a razão da indignação tardia de Jarbas? É aí que se entra na parte mais interessante da entrevista: a maneira como foi preparada.
Na semana passada Lula colocou o bloco de Dilma na rua. O fato veio acompanhado da divulgação das pesquisas de popularidade do governo, da constatação de que as medidas anticíclicas começam a dar certo, do encontro de prefeitos.
Esse início, aparentemente avassalador, assustou o PSDB. Serra ensaiou seu PAC contra a crise (cinco meses depois da crise deflagrada!). E, em reunião na casa de FHC, decidiu-se, de um lado, acirrar os ataques ao governo no Congresso, dificultando a aprovação de medidas. De outro, criar um fato político que contrabalançasse o jogo. Não havia denúncias à mão. As grandes denúncias ficaram no primeiro governo Lula. As denúncias-tapioca não pegam mais.
Decidiu-se, então, pela entrevista do Senador Jarbas Vasconcellos à revista Veja. Jarbas é ligado a Serra e, muitas vezes, pensou-se na dobradinha para as eleições presidenciais. Há tempos perdeu o ímpeto político. Na segunda metade do seu governo, praticamente passou o comando ao vice-governador e alienou-se completamente da administração. Questões existenciais compreensíveis, pelas quais passam todas as pessoas. Mas tem uma bela reputação, formada nos tempos em que era do extinto PMDB autêntico.
Foi convocado, então, para criar o fato político. O órgão escolhido foi a revista Veja – com a qual Serra mantém relações recentes, porém estreitíssimas (é ele, por exemplo, o principal avalista do tipo de jornalismo praticado por Reinaldo Azevedo).
A entrevista de Jarbas é um prato feito e óbvio. Primeiro, critica seu próprio partido, para ganhar credibilidade – e porque o partido está na base de sustentação do governo.
Depois, parte para os ataques seletivos. Ataca o presidente do Senado José Sarney, que é contra Serra, e poupa o da Câmara, Michel Temer, que é a favor. A rigor, não existe diferença de estilo entre ambos. Até pouco tempo atrás, a Codesp era loteada para Temer. Depois, atacou Renan Calheiros, que é contra Serra, e poupou o alvo preferencial dos moralistas políticos do passado, Orestes Quércia – que virou serrista.
Julgando ter passado uma visão desprendida da política, uma visão escoteira do sujeito só e com sua consciência, Jarbas ganha moral para avançar no alvo que interessa. Aponta a conivência de Lula com a corrupção – por só demitir acusados depois de comprovada a culpa -, deixa de lado pontos chatos – como o amplíssimo sistema de cooptação montado por Eliseu Padilha no DNER, no tempo de FHC. Critica a Bolsa Família e se refere assim aos possíveis candidatos de 2010:
Sobre Dilma
Como o senhor avalia a candidatura da ministra Dilma Rousseff?
A eleição municipal mostrou que a transferência de votos não é automática. Mesmo assim, é um erro a oposição subestimar a força de Lula e a capacidade de Dilma como candidata. Ela é prepotente e autoritária, mas está se moldando. Eu não subestimo o poder de um marqueteiro, da máquina do governo, da política assistencialista, da linguagem de palanque. Tudo isso estará a favor de Dilma.
Sobre Serra
O senhor parece estar completamente desiludido com a política.
Não tenho mais nenhuma vontade de disputar cargos. Acredito muito em Serra e me empenharei em sua candidatura à Presidência. Se ele ganhar, vou me dedicar a reformas essenciais, principalmente a política, que é a mãe de todas as reformas.
Ou seja, a opinião sobre Serra é desinteressada, apenas de um apaixonado. Mesmos os amigos mais fiéis de Serra jamais deixaram de reconhecer nele as características que Jarbas aponta em Dilma: autoritário e prepotente. Mas a paixão é cega.
Dado o tiro de largada, ontem o Jornal Nacional repetiu e hoje os analistas políticos passam ao seu esporte predileto: a indignação seletiva.
A política brasileira é uma colcha de retalhos, com furos para todos os lados. O que a imprensa faz é selecionar o furo que lhe convém e aplicar na defesa dos seus próprios interesses – e de seus aliados.
Só que a imagem de imprensa neutra e defensora dos altos valores da moralidade já não existe: se esboroou a partir da campanha de 2006.
Um ano depois, alguém ousaria dizer que Veja é melhor do que Renan?
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