A nossa Justiça pode ser lenta na hora de julgar os processos dos outros, mas na hora de defender os seus próprios interesses é muito ágil, organizada, rapidíssima.
Em menos de 24 horas, os meritíssimos ministros do Supremo Tribunal Federal obrigaram o governo Dilma Rousseff a refazer o orçamento da União para incluir um aporte de R$ 8 bilhões destinado a reajustar os salários do Judiciário em até 56%.
De acordo com a Transparência Brasil, que criou o Projeto Meritíssimos para analisar os índices de desempenho dos 11 ministros do STF, as expectativas de resolução dos processos em 2010 variavam entre 20 semanas (Eros Grau) e 51 semanas (Ellen Gracie). Os dois já se aposentaram.
Para quem não está habituado a este tratamento cerimonioso, meritíssimo (tudo no Supremo é superlativo, das togas aos privilégios) deriva da palavra mérito, pois é.
Diante da revolta do STF, que chegou a ameaçar até com mandado de segurança contra a presidente da República, o governo recuou para evitar uma crise institucional.
Encostados na parede, na própria noite de quinta-feira, três ministros de Dilma foram enviados a uma reunião de emergência com o presidente do STF, para comunicar pessoalmente a Cezar Peluso a decisão de rever o orçamento e assim atender às reivindicações salariais do Judiciário.
O problema não é só o aumento de 14,7% no salário dos 11 ministros do STF, que elevaria de R$ 26,7 mil para R$ 30,6 mil mensais o teto do funcionalismo público.
Num momento em que o governo federal está preocupado em cortar os gastos públicos, o aumento no topo provocará um efeito cascata em outras categorias, que vai beneficiar até os procuradores da Prefeitura de São Paulo (leia aqui).
"Parece que houve um pequeno equívoco, que o Executivo vai retificar, sem dúvida", comentou Peluso após a reunião com os ministros.
Não contente, o pomposo ministro Marco Aurélio Mello, que se apresentou à imprensa como líder da magistradura rebelada, estava mais indignado do que o criador de CPIs Álvaro Dias ao se pronunciar diante de câmeras e microfones:
"De bem intencionados, o Brasil está cheio. O que está em jogo não é gasto, é o princípio que implica equilíbrio, que se faz ao mundo jurídico para que não haja supremacia de poderes".
Traduzindo: queremos o nosso aumento e não tem conversa. O governo que se vire para resolver o resto.
E ninguém mais falou na proposta do presidente Cezar Peluso para reduzir pela metade as férias dos nobres magistrados, atualmente de 60 dias por ano, um direito exclusivo deles e dos nobres parlamentares.
Sem a mesma força, não tiveram a mesma sorte os coveiros da Prefeitura de São Paulo, que estão em greve desde terça-feira, também reivindicando aumento salarial.
A mesma Justiça que briga por aumentos salariais de até 56% determinou que os coveiros voltem imediatamente ao trabalho, mas o sindicato da categoria resolveu estender a greve até a próxima segunda-feira, mesmo correndo o risco de pagar multa de R$ 60 mil por dia de paralisação.
Os valores são um pouco diferentes, é claro, embora o trabalho de magistrados e coveiros seja igualmente nobre e digno. A turma dos cemitérios pede um reajuste de 39,79% no salário-base, que hoje é de R$ 440,39 para os servidores municipais, na mesma Prefeitura de São Paulo onde procuradores chegam a ganhar mais de R$ 70 mil por mês.
De fato, como já disse alguém e não me lembro quem foi, o Brasil não é um país pobre. É um país profundamente injusto.
Muito cuidado nesta hora para não se estressar. Não vivemos um bom momento para morrer de raiva. O enterro pode demorar...
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