São Paulo tem um pequeno problema com o Brasil. Foi quem mais resistiu, junto com Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, à abolição da escravatura. Tivemos de comandar, ao lado dos paraibanos e dos mineiros, a Revolução de 30 contra os paulistas, que, novamente junto com Minas Gerais e, paradoxalmente com parte do Rio Grande do Sul, impuseram aos brasileiros o golpe de 1964. Em geral, sul e sudeste estão de um lado, enquanto o nordeste está de outro. O Rio Grande do Sul conseguiu votar contra, em 1871, a Lei do Ventre Livre.
O nordeste foi a região que mais apoiou a abolição. O sudeste, a que mais lutou contra. Entre 1879 e 1881, dos 11 deputados que mais defendiam reformas contra o escravismo, dez eram do norte e do nordeste. Apenas um era de Minas. José do Patrocínio sintetizou: “O norte, muito mais benévolo para o escravo, desfez-se da hedionda mercadoria quanto pôde (…) O sul, ambicioso, obstinado, aristocrático, bárbaro e cruel para o escravo, embriagado pelo jogo do café, foi comprando a fatal mercadoria a todo custo”. Criou-se um fundo para a emancipação. Conseguia-se arbitrar preços exorbitantes para velhos escravos e, com os ganhos, comprar escravos jovens.
Um deputado de Sergipe propôs, em 1877, a abolição e escolas para que trabalhadores livres pudessem aprender a ler e escrever. O deputado baiano Jerônymo Sodré, em 1879, chamou a Lei Rio Branco, que permitia manter escravos até 21 anos de idade os nascidos livres, de “vergonhosa e mutilada”. O fundo de emancipação fora desviado para campanhas eleitorais. Que tempos aqueles! Nunca se veria igual. O deputado paulista Martim Francisco Ribeiro de Andrade reagiu violentamente: “Nós, os representantes das províncias do sul do Império, apreciamos a integridade deste vasto país, mas não tanto que, para conservá-la, queiramos tolerar a liquidação geral das fortunas e a destruição violenta da propriedade escrava…” Hummm…
Contestado pelo nordestino Joaquim Nabuco, o paulista Andrade saiu-se com um argumento intemporal. Disse que as opiniões do abolicionista eram “exageradamente radicais”, exigiu sensatez e responsabilidade e pediu que o outro não usasse sua retórica a serviço de uma causa, a abolição, que “pode prejudicar e muito a nossa pátria”. Daí a conclusão do historiador americano Robert Conrad: “Não é de estranhar que tenha sido um representante de uma província do Nordeste que renovou o debate abolicionista na Assembleia Geral em 1879 e que a primeira reação negativa tenha vindo de um deputado representante de São Paulo”. Pelo jeito, nada mudou.
O Brasil está dividido. Já era assim em 1870. Deputados do sudeste opunham-se à abolição alegando que produziria uma massa de vagabundos e propondo que fossem, ao menos, transformados em servos, obrigados a trabalhar para seus ex-donos. Velhos e crianças foram libertados mais cedo, quando não havia mais volta, para diminuir custos. Parte do fundo de emancipação foi gasta na compra de livros para registro dos escravos a serem libertados. Um estudioso interpretou tudo isso como “um dos primeiros exemplos do moderno separatismo paulista”. Agora é guerra contra o Bolsa-Família? Uau!
O nordeste foi a região que mais apoiou a abolição. O sudeste, a que mais lutou contra. Entre 1879 e 1881, dos 11 deputados que mais defendiam reformas contra o escravismo, dez eram do norte e do nordeste. Apenas um era de Minas. José do Patrocínio sintetizou: “O norte, muito mais benévolo para o escravo, desfez-se da hedionda mercadoria quanto pôde (…) O sul, ambicioso, obstinado, aristocrático, bárbaro e cruel para o escravo, embriagado pelo jogo do café, foi comprando a fatal mercadoria a todo custo”. Criou-se um fundo para a emancipação. Conseguia-se arbitrar preços exorbitantes para velhos escravos e, com os ganhos, comprar escravos jovens.
Um deputado de Sergipe propôs, em 1877, a abolição e escolas para que trabalhadores livres pudessem aprender a ler e escrever. O deputado baiano Jerônymo Sodré, em 1879, chamou a Lei Rio Branco, que permitia manter escravos até 21 anos de idade os nascidos livres, de “vergonhosa e mutilada”. O fundo de emancipação fora desviado para campanhas eleitorais. Que tempos aqueles! Nunca se veria igual. O deputado paulista Martim Francisco Ribeiro de Andrade reagiu violentamente: “Nós, os representantes das províncias do sul do Império, apreciamos a integridade deste vasto país, mas não tanto que, para conservá-la, queiramos tolerar a liquidação geral das fortunas e a destruição violenta da propriedade escrava…” Hummm…
Contestado pelo nordestino Joaquim Nabuco, o paulista Andrade saiu-se com um argumento intemporal. Disse que as opiniões do abolicionista eram “exageradamente radicais”, exigiu sensatez e responsabilidade e pediu que o outro não usasse sua retórica a serviço de uma causa, a abolição, que “pode prejudicar e muito a nossa pátria”. Daí a conclusão do historiador americano Robert Conrad: “Não é de estranhar que tenha sido um representante de uma província do Nordeste que renovou o debate abolicionista na Assembleia Geral em 1879 e que a primeira reação negativa tenha vindo de um deputado representante de São Paulo”. Pelo jeito, nada mudou.
O Brasil está dividido. Já era assim em 1870. Deputados do sudeste opunham-se à abolição alegando que produziria uma massa de vagabundos e propondo que fossem, ao menos, transformados em servos, obrigados a trabalhar para seus ex-donos. Velhos e crianças foram libertados mais cedo, quando não havia mais volta, para diminuir custos. Parte do fundo de emancipação foi gasta na compra de livros para registro dos escravos a serem libertados. Um estudioso interpretou tudo isso como “um dos primeiros exemplos do moderno separatismo paulista”. Agora é guerra contra o Bolsa-Família? Uau!
Um comentário:
Muito legal o texto, explica algumas coisas.
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