quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Ninguém nasce com ódio. Mas somos tão bons em cultivá-lo que dá medo - por Leonardo Sakamoto (Blog do Sakamoto)

     Lideranças de taxistas inflamam a categoria contra motoristas de Uber. Quando um grupo espanca um motorista, essas lideranças dizem que não têm nada a ver com isso.

     Pastores e padres de certas igrejas inflamam seus fieis contra aquilo que consideram um desrespeito às leis de seu deus. Quando um grupo espanca um gay ou uma travesti, esses pastores e padres dizem que não têm nada a ver com isso.

     Figuras públicas da TV inflamam a população contra a degradação da civilização e das famílias de bem. Quando um grupo resolve amarrar alguém em um poste e linchar até a morte, essas figuras públicas dizem que não têm nada a ver com isso.

     Certas famílias inflamam seus filhos contra jovens negros e pobres da periferia e pessoas em situação de rua, dizendo que são uma ameaça à vida nas grandes cidades e não valem nada. Quando um grupo resolve despejar preconceito ou dar pauladas e por fogo nessas pessoas, as famílias dizem que não têm nada a ver com isso.

     Políticos, de governo e oposição, inflamam seus eleitores, desumanizando o adversário e transformando o jogo democrático em uma luta do bem contra o mal. Quando um grupo passa a agredir fisicamente o outro, os políticos dizem que não têm nada a ver com isso.

     Alguns jornalistas, progressistas e conservadores, inflamam seus leitores, ouvintes, telespectadores, repassando conteúdo violento, sem checar e de forma acrítica. Quando um grupo passa a assediar, de forma injusta, pessoas ou instituições com base nesse conteúdo, os jornalistas dizem que não têm nada a ver com isso.

     Dada à sistemática falta de responsáveis, realizei uma extensa investigação.

     E, após anos de trabalho de campo, cruzamento de bases de dados e uso do supercomputadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, descobri que o culpado por tudo isso é o agricultor Sobral Pinto da Silva, que mora sozinho em um barraco de madeira de cômodo único, em Eldorado dos Carajás, no Pará. Ele confessou que cultiva cerca de meio hectare de ódio em um pedaço de terra à beira da rodovia PA-150.

     As autoridades já foram avisadas.

     Espera-se que, com Sobral sob custódia, tudo isso acima se resolva o quanto antes.