Alan Greenspan, o "maestro" do
Federal Reserve System por 18 anos, passava horas na banheira lendo
estatísticas da economia real: geladeiras, yougurt, pneus, caminhões, pão de
hambúrguer, todos dados da vida das pessoas lhe interessam. Tinha especial
fixação por telhados, quantos telhados foram vendidos na semana (nos EUA a
construção se faz por conjuntos e não por peças). Era por estes indicadores que
Greenspan tirava o pulso da economia que importava. Greenspan, que está com 90
anos, proporcionou o maior período contínuo de prosperidade dos EUA no
pós-guerra, embora lhe atribuam culpa da crise de 2008, decorrência exatamente
do excesso de confiança nessa prosperidade longa demais.
No Brasil, no oceano de ignorância sobre
economia que domina a grande mídia, os únicos indicadores valorizados são os de
câmbio e bolsa. Os comentaristas da Globonews são os mais rasos, para eles a
economia se resume em câmbio e bolsa e, nesta última, o que interessa é o
mítico "investidor estrangeiro". O padrão se repete em outras mídias,
como a Jovem Pan, onde sua comentarista só conhece câmbio e bolsa, a economia
se resume nisso. Na Globonews o comentarista Donny di Nuccio, a qualquer observação
sobre economia, replica "Ah, mas a bolsa subiu". Pronto, esta é para
eles TODA a economia. Na FOLHA de 19 de fevereiro de 2017, pag.A 23, um artigo
"Mercado especula melhor nota do Brasil" mostra esse viés de
considerar o mercado financeiro como único indicador da economia brasileira.
No passado longínquo do início da mídia
econômica no Brasil, com o jornal Observador Econômico e Financeiro, a revista
BANAS, os temas eram a produção de café, de cana, de aço, de cimento, de
tijolos, de telhas, cacau, de sisal, de construção de rodovias, usinas,
aeroportos, havia comentaristas especializados em agropecuária, como Mario
Mazzei Guimarães, comentava-se com detalhes e atenção a produção de carne e de
leite, de tubos de ferro e de concreto para saneamento, de tecidos de algodão,
de farinha de trigo. Economia é isso e o Brasil só crescerá quando esses
fatores voltarem a ser o centro da economia como foram nos anos, em que o
Brasil cresceu e se tornou a 5ª economia do mundo, saindo de um País
essencialmente agrícola para um país industrial no pós-guerra.
A partir do Plano Real e com o domínio dos
"economistas de mercado" sobre a política econômica, fixou-se que a
única coisa que faz andar a economia é a bolsa e, nesta, o "investidor
estrangeiro", se ele não aparecer afunda a economia, se ele trouxer
dinheiro para cá, está tudo indo bem na economia. Esse mítico "investidor
" é o único que os "economistas de mercado" conhecem, os fundos
de investimento estrangeiros tipo BlackRock, Fidelity, Templeton que operam no
Brasil via parceiros daqui e com isso garantem empregos para alguns desses
"economistas de mercado", eles são as únicas fontes de informação da
mídia conservadora, que é quase toda a imprensa, rádio e tv.
Ao usar exclusivamente essa régua, os comentaristas
esquecem da enorme "economia real" do País, onde está o crescimento,
o emprego, a produção e o dinamismo do processo que faz as famílias
sobreviverem e ter perspectivas de futuro para seus filhos.
Ao comentar câmbio e bolsa, os
comentaristas da mídia oficialista tampouco aprofundam a informação. O dólar
está caindo quando devia subir? Porque? Onde está a análise? Nunca vi nesses
comentaristas qualquer menção ao centro do problema do câmbio, a política
cambial do Banco Central, que é a de intervenção "suja" (não
declarada) e que em 2016 foi o motivo central para a derrubada do dólar, a um
custo estratosférico, só no primeiro semestre de 2016 os swaps cambiais deram
perda de R$ 207 bilhões ao Banco Central, mais que todo o déficit do orçamento federal
que os "economistas de mercado" consideram o maior problema do
Brasil. Sobre esse custo monumental nunca ouvi um mísero comentário dos
jornalistas de economia da grande mídia, em primeiro lugar porque não
correlacionam cotação do dólar com política cambial e, em segundo, se conhecem
o "background" não convém comentar porque isso seria uma crítica ao
Banco Central, que eles respeitam como o Vaticano da moeda, infalível e
inatingível.
Não comentam, ou só falam marginalmente,
do "carry trade", dinheiro emprestado nos EUA a 2% ao ano e aplicado
aqui em títulos do Tesouro a 13%, além do lucro do diferencial de juros. Desde
que começou a gestão da atual equipe econômica, esse tipo de especuladores
levou para casa também o lucro cambial fantástico, dólar que entra a 3,60 e
volta a 3,10 graças à generosidade do Banco Central, mas quem e porque comanda
este espetáculo? Aguardam-se análises dos comentaristas da grande imprensa.
Muita coisa que circula no mercado por alguma razão a imprensa não reporta e são
fatos importantes da economia.
Além da atuação catastrófica do Banco
Central para empurrar o dólar para baixo visando "trazer a inflação para o
centro da meta" há outro personagem que os comentaristas da Globonews
veneram: o "investidor estrangeiro". Quem é ele?
O "investidor estrangeiro" é o
mesmo personagem mítico que na Itália devastada pela miséria no imediato
pós-guerra via no "turista americano". Nos escombros de Nápoles, um
"turista americano" era visto como salvador do almoço do dia. A mesma
cafonice impera na fala dos comentaristas ignorantes de hoje. Veem no
"investidor estrangeiro" a salvação do Brasil sem realmente saber que
é esse Mandrake que é tão reverenciado como fiel da balança da nossa estagnada
economia.
O "investidor estrangeiro" de
hoje, adorado pela Globonews, é um fundo especulativo da pior espécie que entra
e sai da bolsa e das apostas em juros e índices, é o mais destrutivo tipo, o
mais deletério, o mais inútil dos personagens em uma economia em desintegração
de seus reais fatores de crescimento, o investimento privado nacional das
pequenas e médias empresas que anseiam por crescer e que tem hoje tais
limitações que muitas definham e morrem, para essas o BNDES abre linhas de
crédito que só uma carta de fiança do Banco Rothschild pode atender em termos
de garantia, higidez de balanço e certidões fiscais.
Tampouco chama a atenção a falta do
fundamental investimento público, primeira vítima do ajuste fiscal "à
outrance" e cuja falta é uma das causas da recessão.
Fundos abutres e especulativos cujo modelo
universal é o padrão Soros (Quantum Fund) são hoje o arroz com feijão da bolsa
brasileira, é para eles que se pratica toda política cambial, não é para o
exportador de soja, de frango e de carne bovina, o alvo a agradar é o fundo
especulativo de Nova York, fundos esses que produziram 49 bilionários na lista
da revista FORBES, que vivem exclusivamente de especulação e o Brasil é um dos
seus territórios preferidos porque garante saída livre sem questionamentos, o
capital entra e sai como um turista do Carnaval carioca. Uma porta rotatória
que gira sem parar.
Quando entra o "investidor
estrangeiro" fundo especulativo, soltam rojões, mas quando sai "boca
fechada", não é notícia. O mercado de câmbio no Brasil é inteiramente
livre, entra e sai como e quando quiser, o investimento financeiro pode sair no
mesmo dia em que seus donos decidem, bastam cliques de botão de computador. Já
o investimento produtivo, em fábricas, não pode sair rápido e fácil, é preciso
vender os ativos, fazer caixa para depois remeter, isso leva meses ou anos.
Então o investimento produtivo é sólido, é o que interessa ao País, por isso a
separação conceitual entre o financeiro e o produtivo é fundamental, nada disso
é sequer de leve noticiado e muito menos analisado. A conexão do
"sistema" Banco Central + mercado financeiro (uma coisa só) é
exclusivo com Wall Street e não com os polos de economia produtiva dos grandes
países.
O "investimento direto no País"
IDP, tratado com tapete vermelho, quem é ele?
Quase todo IDP que chega é para COMPRA de
empresas no Brasil, não é para novas fábricas, usinas ou shoppings. A razão?
Como a economia está em recessão, causada pela política monetária recessiva do
BC, o preço dos ativos no Brasil caiu muito, os empresários nacionais estão
vendendo suas empresas e negócios, além de venda de concessões, privatizações e
demais ativos, muitas vezes para pagar dívidas, como os das empreiteiras alvos
da Lava Jato, que estão vendendo bens acumulados ao longo de décadas. O BC e
seus porta vozes na mídia comemoram essas entradas que têm um efeito econômico
perverso, esses IDP serão base futura de remessas de dividendos e lucros, o
chamado PASSIVO EXTERNO do País, soma dos IDP mais dívida externa pública e privada
mais contratos de leasing que são outra forma de passivo. O estoque registrado
no BC já chega perto de UM TRILHÃO DE DÓLARES, um valor tão grande como o da
dívida pública interna, todo esse passivo exige serviço de juros, dividendos,
lucros ou parcelas de leasing, uma hipoteca sobre o País que exige cada vez
divisas para remessas.
A conta de "serviços" está
ficando perigosamente alta e nela estão as remessas de juros, dividendos,
leasing e royalties. Em 2016, todo o saldo da balança comercial, US$ 45
bilhões, não foi suficiente para pagar as remessas, ainda faltaram US$ 24
bilhões, que foram cobertos pelas entradas do investimento direto, mas isso
significa vender a casa para pagar o almoço. O IDP entra e forma base de novas
remessas futuras e o valor dele é gasto para sempre, estamos trocando ativos do
País por despesas que nunca mais voltam, quando entra o IDP tudo é festa, mas
depois ele serve de motor para novas remessas eternas.
Ao contrário do período pré-Plano Real, o
BC não informa ao público, embora sejam números disponíveis para especialistas,
qual é o passivo externo, qual é a dívida pública externa e a dívida privada
externa do País. NINGUÉM COMENTA esses dados cruciais, muito mais importantes
do que quanto gasta turista no exterior no mês, dado de escassa relevância a
não ser para mostrar que o dólar está barato demais e está sendo esbanjado nos
outlets de Miami.
O que importa são DADOS MACRO do passivo
externo, que ninguém comenta e são esses os dados importantes e não números
pontuais mensais disto ou daquilo.
A dívida externa pública, que inclui
Petrobras, BNDES e Banco do Brasil e as demais estatais, mesmo sem garantia
formal, a dívida externa de estatal implica em responsabilidade implícita da
União, a dívida pública privada também afeta o risco País pois se um grande
banco ou corporação privada deixa de pagar um compromisso de imediato acende
luz vermelha sobre todo o risco País, hoje a DÍVIDA EXTERNA PRIVADA é
considerável, são esses os dados cruciais da economia MACRO e não o que os
brazucas gastam em Miami em Janeiro ou o que os estrangeiros gastam aqui no
Carnaval, temas muito comentados em toda a mídia como se isso fosse de enorme
importância.
E o exemplo dos dólares da China para
pagar a compra da CPFL e da ENEL italiana para pagar a compra da CELG, entradas
recentes, não geram um único emprego no Brasil, ao contrário, quem compra
geralmente faz um enxugamento no quadro do pessoal. Mais ainda, essas compras
exigirão remessas já em 2018, um ativo que até então não gerava gasto externo
de divisas, agora passa a ser fonte de remessa.
Tampouco se informa o RETORNO de capital
investido, só o que entra, pode até haver déficit na conta de investimentos do
exterior, o que não se explicita para chamar a atenção apenas para a entrada e
não para a saída de capital com o intuito de demonstrar a "confiança na
política econômica", operação que conta com toda a colaboração da mídia
apoiadora da máxima "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente
esconde". Sem essa visão global não vale nada dizer o que entrou em
Janeiro.
Para mostrar a montanha de equívocos que
se informa a população, a agência Fitch, uma das três agências globais de
rating, já anunciou que pode rebaixar a nota do Brasil, que já está dois graus
abaixo do nível de investimento, "porque a economia não cresce". Isso
é revelador! E não adianta desqualificar as agências, quando deram grau de
investimento se soltaram rojões na Av. Faria Lima em SP e na Rua Dias Ferreira
no Leblon, catedrais dos "economistas de mercado" e suas gestoras de
fortunas, a "turma da bolsa".
A Standard & Poor´s também mantém
o viés negativo, não se impressionam com resultados mensais. Com todas as
vitórias cantadas em prosa e verso pela mídia mistificadora como porta voz da
equipe econômica, as agências não se deixam enganar, "onde está o
crescimento?" As agências têm um olhar de longo prazo sobre a estabilidade
do País, uma mega recessão com enorme desemprego mostra instabilidade política
e social futura ou o BC acha que só tratar da inflação é suficiente?
Todo esse foco no "investidor
estrangeiro" quase 100% de fundos e não de empresas da produção é um vício
inacreditável da mídia brasileira. Porque não se interessam no crescimento ou
fechamento das milhares de médias empresas do interior, são essas que realmente
empregam gente, que geram riqueza sólida, que dão lastro à economia e que podem
tirar o pais da recessão, não é o fundo BlackRock e nem o fundo Templeton,
esses compram ações velhas que acham baratas visando vendê-las daqui a seis
meses e levar o lucro de volta, não criam um mísero emprego e nem tem essa
vocação.
Boa parte do investimento que entra é
especulativo, a economia não cresce, o PIB de 2016 vai registrar queda de,
4,3%, em cima de 3,8% de 2015, não adianta as vanglórias do BC, podem enganar
os daqui, mas não engana os de fora. O Brasil não cresce por causa da política
recessiva do BC, para as agências de rating não adianta nada "a inflação
no centro da meta", se outros fatores centrais da economia indicam
problemas de maior dificuldade de solução com a retração do PIB e o altíssimo
desemprego, maior entre todos os países BRIC.
O que vale é crescimento com ou sem
inflação, esse é o valor real do mundo real, fora das planilhas, é o crescimento
que atrai capital ótimo e dinamizador, aliado do País a longo prazo.
O investidor que secularmente fez o
crescimento brasileiro não é o estrangeiro. O Brasil se desenvolveu realmente
de 1930 até 1980, 50 anos, quando o crescimento médio foi o maior do mundo
entre todos os países. O Brasil cresceu pelo seus empreendedores que
construíram fábricas, mesmo com inflação e déficits enormes do orçamento
federal, nasceram linhas de ônibus interestaduais, fazendas de café, cana,
soja, gado, armazéns beneficiadores de grãos, empresas engarrafadoras de gás de
cozinha, fábricas de doces, de bebidas, de massas, retíficas de motores,
indústrias mecânicas, de material elétrico, fiação e tecelagem de algodão, de
seda, cerâmicas, olarias, fábricas de enxadas e arados, sem falar do imenso
parque automotivo, que inclui tratores, do parque de bens de capital, foi daí
que surgiu o crescimento e os empregos do Brasil, de suas grandes empreiteiras
que fizeram o maior parque hidroelétrico do mundo, da Petrobras em expansão
permanente de 1955 a 1990.
O capital estrangeiro foi sempre subsidiário,
importante, mas nunca o eixo da economia brasileira, me referindo ao capital de
produção, o capital financeiro, esse que a mídia gosta, jamais foi bom para o
Brasil, aliás foi um aspirador de dinheiro para fora do Brasil.
Hoje a mídia econômica se esfrega nesse
"investidor estrangeiro", roupa dentro da qual se disfarçam também
muitos brasileiros que usam pessoas jurídicas de paraísos fiscais para ter
maior proteção para seu capital aqui, portanto parte desse "investidor
estrangeiro" é brasileiro disfarçado, um fato perfeitamente conhecido do
mercado mas que a mídia tradicional jamais menciona, talvez porque alguns de
seus personagens se enquadram no modelo.
A coluna econômica da grande imprensa só
terá algum valor quando seus comentaristas começarem a falar de tijolos e
azulejos, de produção de leite, de venda de pneus e de sapatos, esquecendo a
miséria intelectual de "câmbio e bolsa" que vale tanto como palpite
de jogo de futebol de 3ª divisão e principalmente quando deixarem de ser meras
correias de transmissão de mensagens do boletim Focus e de suas "bocas de
varal", os "economistas de mercado" sempre à disposição para
entrevistas, do meio dia à meia noite, repetindo os mesmos bordões acríticos e
dentro de uma cartilha ensaiada.
Uma nova cruzada do Ministro da Fazenda
para se viabilizar como candidato à Presidência em 2018 espalha a noção de que
"a recessão acabou" (entrevista de 22/02/2017 na Globonews) o que é
um delírio, uma recessão de três anos não acaba em um mês, faltou avisar as 12
milhões de famílias dos desempregados que já podem ir correndo fazer compras de
novas Tvs. Uma recessão acaba quando o desemprego cai de 12% para 5% e não há
sinal algum de que isso esteja ocorrendo, MERCADO FINANCEIRO não é balizador de
começo ou fim de recessão e é esse o único que o Ministro da Fazenda conhece,
mas parece que o Ministro está conseguindo convencer alguns jornalistas de que
sua fantasia é real, mesmo com os índices de popularidade do Governo em níveis
baixíssimos.
O debate de economia no Brasil precisa
sair dos blogs corajosos e entrar na mídia tradicional, economia é hoje o
fenômeno mais importante da vida da população que tem o direito de ser melhor
informada sobre a realidade e não ouvir narrativas montadas sobre o nada.
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