Senhor, felicitamos o povo americano pela sua
reeleição por uma larga maioria. Se a palavra de ordem reservada da sua primeira
eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas [Slave Power], o grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte
à Escravatura.
Desde o começo da titânica contenda americana, os
operários da Europa sentiram instintivamente que a bandeira das estrelas
carregava o destino da sua classe. A luta por territórios que desencadeou a
dura epopeia não foi para decidir se o solo virgem de regiões imensas seria
desposado pelo trabalho do emigrante ou prostituído pelo passo do capataz de
escravos?
Quando uma oligarquia de 300 000 proprietários de
escravos ousou inscrever, pela primeira vez nos anais do mundo, “escravatura”
na bandeira da Revolta Armada, quando nos precisos lugares onde há quase um
século pela primeira vez tinha brotado a ideia de uma grande República
Democrática, de onde saiu a primeira Declaração dos Direitos do Homem (2) e de
onde foi dado o primeiro impulso para a revolução Europeia do século XVIII;
quando, nesses precisos lugares, a contrarrevolução, com sistemática
pertinácia, se gloriou de prescindir das “ideias vigentes ao tempo da formação
da velha constituição” e sustentou que “a escravatura é uma instituição
beneficente”, [que], na verdade, [é] a única solução para o grande problema da
«relação do capital com o trabalho” e cinicamente proclamou a propriedade sobre
o homem como “a pedra angular do novo edifício” — então, as classes operárias
da Europa compreenderam imediatamente, mesmo antes da fanática tomada de
partido das classes superiores pela fidalguia [gentry] Confederada ter dado o seu funesto aviso, que a rebelião
dos proprietários de escravos havia de tocar a rebate para uma santa cruzada
geral da propriedade contra o trabalho e que, para os homens de trabalho,
[juntamente] com as suas esperanças para o futuro, mesmo as suas conquistas
passadas estavam em causa nesse tremendo conflito do outro lado do Atlântico.
Por conseguinte, suportaram pacientemente, por toda a parte, as privações que
lhes eram impostas pela crise do algodão (3), opuseram-se entusiasticamente à intervenção
pró-escravatura — importuna exigência dos seus superiores — e, na maior parte
das regiões da Europa, contribuíram com a sua quota de sangue para a boa causa.
Enquanto os operários, as verdadeiras forças [powers] políticas do Norte, permitiram
que a escravatura corrompesse a sua própria república, enquanto perante o Negro
— dominado e vendido sem o seu consentimento — se gabaram da elevada
prerrogativa do trabalhador de pele branca de se vender a si próprio e de
escolher o seu próprio amo, foram incapazes de atingir a verdadeira liberdade
do trabalho ou de apoiar os seus irmãos Europeus na sua luta pela emancipação;
mas esta barreira ao progresso foi varrida pelo mar vermelho da guerra civil
(4).
Os operários da Europa sentem-se seguros de que,
assim como a Guerra da Independência Americana (5) iniciou uma nova era de
ascendência para a classe média, também a Guerra Americana Contra a Escravatura
o fará para as classes operárias.
Consideram uma garantia da época que está para vir
que tenha caído em sorte a Abraham Lincoln, filho honesto da classe operária,
guiar o seu país na luta incomparável pela salvação de uma raça agrilhoada e
pela reconstrução de um mundo social.
Karl
Marx – 22-29 de novembro de 1864.
Notas
1 — A Mensagem da Associação
Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos Estados
Unidos, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do
Conselho Geral. No auge da Guerra Civil nos Estados Unidos esta mensagem teve
uma grande importância. Sublinhou a enorme importância da guerra contra a
escravatura na América para os destinos de todo o proletariado internacional.
Apoiando todos os movimentos progressistas e democráticos, Marx e Engels
educavam no proletariado e nos seus elementos de vanguarda na Internacional uma
atitude verdadeiramente internacionalista em relação à luta dos povos oprimidos
pela sua libertação.
2 — Trata-se da Declaração de
Independência, adotada em 4 de julho de 1776 no Congresso de Filadélfia pelos
delegados das 13 colônias britânicas da América do Norte; o congresso proclamou
a separação das colônias norte-americanas na Grã-Bretanha e a formação de uma
república independente: os Estados Unidos da América. Nesse documento foram
formulados princípios democráticos burgueses tais como a liberdade da pessoa, a
igualdade dos cidadãos perante a lei, a soberania do povo, etc. Todavia, a
burguesia e os grandes proprietários fundiários americanos violaram desde o
início os direitos democráticos proclamados na Declaração, afastaram as massas
populares da vida política e mantiveram a escravatura, que privava os negros,
que constituíam uma parte importante da população, dos direitos mais
elementares da pessoa humana.
3 — A crise do algodão foi
provocada pela cessação do fornecimento de algodão vindo da América, em virtude
do bloqueio dos Estados escravistas do Sul pela Marinha dos nortistas durante a
Guerra Civil. Uma grande parte da indústria algodoeira da Europa ficou
paralisada, o que se refletiu duramente na situação dos operários. Apesar de
todas as privações, o proletariado europeu apoiou decididamente os Estados do
Norte.
4 — A Guerra Civil na América
(1861-1865) opôs, nos Estados Unidos, os Estados industriais do Norte e os
Estados escravistas do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura.
A classe operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa, que
apoiava os plantadores escravistas, e impediu a ingerência da Inglaterra na
Guerra Civil nos Estados Unidos.
5 — A Guerra da Independência
das colônias inglesas na América do Norte (1775-1783) contra a dominação
inglesa foi causada pela aspiração da nação burguesa americana, em formação, à
independência e à supressão dos obstáculos que entravavam o desenvolvimento do
capitalismo. Em resultado da vitória dos norte-americanos foi criado um Estado
burguês independente: os Estados Unidos da América.
Fonte: “Obras Escolhidas” (Editorial Avante! /Edições Progresso
Lisboa-Moscou, 1982, tradução de José Barata-Moura), de Karl Marx. A carta foi
escrita entre 22 e 29 de novembro de 1864, em plena Guerra Civil Americana. Foi
publicada em “The Bee-Hive Newspaper”, nº 169, de 7 de janeiro de 1865.
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