segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Tragédia em Mariana - por Adriano Facioli (Facebook)

Lendo alguns trechos do livro "Tragédia em Mariana", de Cristina Serra, percebi que poderia ter sido pior do que Brumadinho, com mais de 400 mortos, se não fosse o heroísmo de Paula:
"A meio caminho entre o povoado e a lama, um grupo de sete trabalhadores cuidava do plantio de mudas para a empresa Brandt, prestadora de serviços da Samarco na área de reflorestamento. Eram seis homens e uma mulher, Paula Geralda Alves, 37 anos, então auxiliar de serviços gerais.
Pouco antes das 16h, eles ouviram uma gritaria pelo rádio comunicador da caminhonete de serviço, na frequência da empresa. Em meio a frases sobrepostas, conseguiram entender: “A barragem rompeu.” Não demorou para que vissem uma nuvem marrom ameaçadora se aproximando, como se fosse uma tempestade de areia. O local em que estavam ficava a cerca de 3 quilômetros de Fundão. De uma encosta, conseguiram ver que a nuvem não vinha sozinha. O apocalipse de lama anunciava sua chegada com o alarido de uma tenebrosa orquestra de trovões.
Paula não pensou duas vezes. Subiu na Berenice, a moto vermelha modelo Joy Plus, comprada três anos antes, depois de muito economizar o salário e o pagamento das faxinas que fazia para complementar a renda. Acelerou o quanto pôde na direção de Bento Rodrigues, onde moravam sua família e dezenas de amigos.
No vídeo de celular gravado pelo chefe da equipe, Pedro Paulo Barbalho, com as imagens da lama se aproximando, dá para ouvir os apelos dos colegas para que ela não fosse. Achavam que seria tragada pelo rio turbulento antes que chegasse ao povoado. “Ô Paula, volta, Paula, volta!” “Paula, ô Paula...” “Paula é doida.” Paula já não escutava e não olhava para trás. Tinha que ser mais veloz que a lama. Cerca de 1 quilômetro a separava do vilarejo, onde sabia que estavam o filho, João Pedro, 5 anos, e os pais, Maria Lúcia, 63, e Antônio, 70. Paula entrou em Bento Rodrigues buzinando e gritando para todos que encontrou no caminho, nas portas e janelas das casas, naquela tarde calorenta: “Corre que a barragem rompeu.”
Passou pela capela de São Bento, pelo Bar da Sandra e percorreu várias ruas, até chegar em casa. Sem descer da moto, gritou para dona Maria Lúcia que agarrasse João Pedro e corresse para a parte mais alta que pudesse alcançar: “Mãe, sai correndo todo mundo que a barragem estourou, senão, nós vamos morrer, todo mundo. Corre que eu vou avisar o resto do pessoal.” A família se pôs em fuga: dona Maria Lúcia, puxando João Pedro pelo braço, seu Antônio, a irmã, Cláudia, e a sobrinha, Alícia. O pânico tomou conta do povoado. As pessoas choravam e gritavam. Dona Maria Lúcia se perguntava:
“Por que a Samarco mentiu para nós? Por que fizeram isso com nós?”
João Pedro, sem entender direito a palavra repetida por quase todos, perguntava: “O que é varragem?” Não havia tempo para corrigir a pronúncia e muito menos explicar o que estava acontecendo. A avó, segurando firme a mão do menino, apenas respondia: “Não olha para trás, João Pedro, corre, corre...” No desespero da fuga, quem tinha carro recolhia parentes e vizinhos.
Outros escalavam os montes ao redor da vila. Uma mulher salvou o pai com dificuldade para andar levando-o num carrinho de pedreiro. Um homem largou as muletas e subiu a encosta agarrando-se aos matos. Na escola municipal, havia 56 pessoas, sendo quarenta alunos. A diretora, Eliene dos Santos Almeida, 32 anos, avisada do rompimento pelo marido, Wislei, conseguiu tirar todos os estudantes, entre os quais Josimara, de 15 anos, grávida de oito meses. Moradores saíam de casa às pressas, deixando tudo para trás, com a roupa do corpo. 
Alguns nem isso. Uma senhora que estava no banho só teve tempo de se enrolar numa toalha. Enquanto isso, Paula acelerava a Berenice.
Quando já tinha percorrido quase todo o povoado, a moto engasgou. A gasolina acabara. Ela ainda teve tempo de ajudar a colocar muita gente dentro de um caminhão e de uma caminhonete de dois moradores, que dispararam em fuga pela estrada. A avalanche se aproximava. Não dava para fazer mais nada. Paula, então, seguiu morro acima, empurrando Berenice. No alto da encosta, abraçada a João Pedro, ela, a família, amigos e vizinhos assistiram à correnteza em fúria devorar Bento Rodrigues. Muitas pessoas estavam paralisadas, em estado de choque. Outras rezavam de joelhos, choravam e gritavam: “Samarco assassina! Ela queria matar todo mundo! Por que não avisaram? Por que a Samarco fez isso com nós?”
Em cerca de dez minutos, segundo a maioria dos relatos, Bento Rodrigues fora varrida do mapa. Dos 612 moradores locais, calcula-se que 400 estavam na comunidade no momento do desastre. Cinco pessoas morreram." 

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