Lendo alguns trechos do livro "Tragédia em Mariana", de Cristina Serra, percebi
que poderia ter sido pior do que Brumadinho, com mais de 400 mortos, se não
fosse o heroísmo de Paula:
"A meio
caminho entre o povoado e a lama, um grupo de sete trabalhadores cuidava do
plantio de mudas para a empresa Brandt, prestadora de serviços da Samarco na
área de reflorestamento. Eram seis homens e uma mulher, Paula Geralda Alves, 37
anos, então auxiliar de serviços gerais.
Pouco antes das
16h, eles ouviram uma gritaria pelo rádio comunicador da caminhonete de
serviço, na frequência da empresa. Em meio a frases sobrepostas, conseguiram
entender: “A barragem rompeu.” Não demorou para que vissem uma nuvem marrom
ameaçadora se aproximando, como se fosse uma tempestade de areia. O local em
que estavam ficava a cerca de 3 quilômetros de Fundão. De uma encosta,
conseguiram ver que a nuvem não vinha sozinha. O apocalipse de lama anunciava
sua chegada com o alarido de uma tenebrosa orquestra de trovões.
Paula não pensou
duas vezes. Subiu na Berenice, a moto vermelha modelo Joy Plus, comprada três
anos antes, depois de muito economizar o salário e o pagamento das faxinas que
fazia para complementar a renda. Acelerou o quanto pôde na direção de Bento
Rodrigues, onde moravam sua família e dezenas de amigos.
No vídeo de
celular gravado pelo chefe da equipe, Pedro Paulo Barbalho, com as imagens da
lama se aproximando, dá para ouvir os apelos dos colegas para que ela não
fosse. Achavam que seria tragada pelo rio turbulento antes que chegasse ao
povoado. “Ô Paula, volta, Paula, volta!” “Paula, ô Paula...” “Paula é doida.”
Paula já não escutava e não olhava para trás. Tinha que ser mais veloz que a
lama. Cerca de 1 quilômetro a separava do vilarejo, onde sabia que estavam o
filho, João Pedro, 5 anos, e os pais, Maria Lúcia, 63, e Antônio, 70. Paula
entrou em Bento Rodrigues buzinando e gritando para todos que encontrou no
caminho, nas portas e janelas das casas, naquela tarde calorenta: “Corre que a
barragem rompeu.”
Passou pela capela
de São Bento, pelo Bar da Sandra e percorreu várias ruas, até chegar em casa.
Sem descer da moto, gritou para dona Maria Lúcia que agarrasse João Pedro e
corresse para a parte mais alta que pudesse alcançar: “Mãe, sai correndo todo
mundo que a barragem estourou, senão, nós vamos morrer, todo mundo. Corre que
eu vou avisar o resto do pessoal.” A família se pôs em fuga: dona Maria Lúcia,
puxando João Pedro pelo braço, seu Antônio, a irmã, Cláudia, e a sobrinha,
Alícia. O pânico tomou conta do povoado. As pessoas choravam e gritavam. Dona
Maria Lúcia se perguntava:
“Por que a Samarco
mentiu para nós? Por que fizeram isso com nós?”
João Pedro, sem entender direito a
palavra repetida por quase todos, perguntava: “O que é varragem?” Não havia
tempo para corrigir a pronúncia e muito menos explicar o que estava
acontecendo. A avó, segurando firme a mão do menino, apenas respondia: “Não
olha para trás, João Pedro, corre, corre...” No desespero da fuga, quem tinha
carro recolhia parentes e vizinhos.
Outros escalavam
os montes ao redor da vila. Uma mulher salvou o pai com dificuldade para andar
levando-o num carrinho de pedreiro. Um homem largou as muletas e subiu a
encosta agarrando-se aos matos. Na escola municipal, havia 56 pessoas, sendo
quarenta alunos. A diretora, Eliene dos Santos Almeida, 32 anos, avisada do
rompimento pelo marido, Wislei, conseguiu tirar todos os estudantes, entre os
quais Josimara, de 15 anos, grávida de oito meses. Moradores saíam de casa às
pressas, deixando tudo para trás, com a roupa do corpo.
Alguns nem isso.
Uma senhora que estava no banho só teve tempo de se enrolar numa toalha.
Enquanto isso, Paula acelerava a Berenice.
Quando já tinha
percorrido quase todo o povoado, a moto engasgou. A gasolina acabara. Ela ainda
teve tempo de ajudar a colocar muita gente dentro de um caminhão e de uma
caminhonete de dois moradores, que dispararam em fuga pela estrada. A avalanche
se aproximava. Não dava para fazer mais nada. Paula, então, seguiu morro acima,
empurrando Berenice. No alto da encosta, abraçada a João Pedro, ela, a família,
amigos e vizinhos assistiram à correnteza em fúria devorar Bento Rodrigues.
Muitas pessoas estavam paralisadas, em estado de choque. Outras rezavam de
joelhos, choravam e gritavam: “Samarco assassina! Ela queria matar todo mundo!
Por que não avisaram? Por que a Samarco fez isso com nós?”
Em cerca de dez
minutos, segundo a maioria dos relatos, Bento Rodrigues fora varrida do mapa.
Dos 612 moradores locais, calcula-se que 400 estavam na comunidade no momento
do desastre. Cinco pessoas morreram."
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