terça-feira, 5 de junho de 2012

Fotografia - por Carmen Gonzalez

Argentina: o que há por trás de um jornal chamado Clarín (II) – por Eric Nepomuceno (CartaMaior)

Na América Latina, não é nada incomum – aliás, muito pelo contrário – que, durante regimes de exceção, que é como os delicados de vocabulário e os débeis de caráter chamam as ditaduras, grandes conglomerados de comunicações tenham surgido, se consolidado e se transformado em impérios.

É curioso reparar como a forma em que esses grupos e organizações foram criados corresponde a uma clara divisão do mercado, cuidando sempre de reservar espaço para que atuem, na prática, como monopólios. Assim, passam a impor suas vontades e suas visões do mundo, que no fundo são o eco exato do que dita a voz do poder econômico. Dizem não depender do governo, o que, a propósito, é mentira. Nada dizem de sua dependência vital, direta, do poder econômico, sua verdadeira verdade.

Observar essa espécie de fenômeno comum às nossas comarcas mostra a clara existência de um modelo, implantado aqui e acolá com leves variações, mas sempre ao redor do mesmo mecanismo.

Por trás da furiosa oposição que o grupo Clarín faz ao governo de Cristina Fernández de Kirchner existe uma história linear, típica desse mecanismo.

O grupo apoiou sem pejos uma ditadura espúria, com todos os ingredientes comuns às nossas comarcas (favorecimento do poder econômico à custa do atropelo dos direitos civis mais elementares, sedução e cumplicidade de parcelas das classes médias, omissão diante da atuação brutal dos agentes encarregados de impor o terrorismo de Estado, através de prisões ilegais, torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores). Nesse período, se fortaleceu enormemente.

Assim, o retorno da democracia encontrou o grupo consolidado, e oscilando levemente ao sabor dos novos ares. Soube ser crítico na medida exata – medida limite – durante todos os governos seguintes, observando sempre que não fossem tocados de forma direta seus interesses (ou seja, os do poder econômico preponderante, o interno e o externo) e que as manchas do passado não fossem trazidas à luz do sol.

Até que tropeçou com um governo de outra tintura, que resolveu correr o risco de enfrentar os tais interesses e atiçar o passado. A crescente polarização que a Argentina vive nos últimos anos não faz mais que fortalecer esse embate.

O espaço para a crítica clara e frontal – e o governo de Cristina Kirchner merece e deve ser criticado em copiosos aspectos – perdeu lugar para a confrontação aberta, sem regras e princípios. A manipulação e a distorção de fatos e informações passaram a ser o pão de cada dia.

Acontece que, muitas vezes, não basta com ocultar ou sabotar informação. A vida tem seus próprios caminhos, e esses caminhos frequentemente escapam do controle dos que se acreditam capazes de controlar a própria realidade.

Agora mesmo tornou a saltar ao sol uma das fontes de tamanha fúria, um dos grandes nós desta questão: o passado do Clarín. Trata-se de uma série de revelações que o jornal já não consegue mais tapar.

Dia desses, e uma vez mais, Lidia Papaleo, viúva de David Graiver, falou. Agora, diante de um tribunal. E tornou a repetir, com mais detalhes que antes, o que viveu depois da misteriosa morte do marido no México, em agosto de 1976 (a ditadura de Videla tinha escassos cinco meses de vida), num desastre de avião jamais explicado.


Agora, e de novo, ela contou, com todas as letras, como foi coagida a vender ao Clarín as ações com que Graiver, um financistas astuto e brilhante, controlava a Papel Prensa, única fornecedora e distribuidora de papel-jornal no país.


Contou como foi presa depois – depois – de ter fechado o negócio. Os compradores foram o desaparecido jornal ‘La Razón’, o ‘La Nación’, e, levando a maior parte, o ‘Clarín’.


A certa altura de seu depoimento, Lidia Papaleo contou das sevícias que padeceu. Muitas vezes, depois de vexada, era largada estendida no chão da cela ou da sala de tormento. ‘E então eles vinham e cuspiam e ejaculavam em cima de mim’, contou ela.


Antes que o juiz interrompesse a sessão para que o público abandonasse o recinto e ela pudesse continuar com seu rosário de horrores, Lidia disse:

– Até hoje lembro os rostos de meus torturadores. Porém, nenhum desses rostos, nenhum desses olhares, me persegue e amedronta mais em meus pesadelos que o olhar de Héctor Magnetto me dizendo que ou assinava a venda de Papel Prensa, ou eu e minha filha seríamos mortas.

Pois bem: Héctor Magnetto era e continua sendo o principal executivo do grupo Clarín. Foi quem, naquele distante 1976, e antes do sequestro e das torturas de Lidia Papaleo, se reuniu com ela, e foi diante dele que ela capitulou.

Meses depois, assim que a transação foi sacramentada, Lidia acabou sendo levada para os calabouços do horror. Por quê não a prenderam antes? Por uma questão legal: havia uma lei que passava diretamente às mãos do Estado as propriedades dos subversivos presos. E a ditadura não queria se apoderar da fábrica Papel Prensa: queria compensar os bons serviços prestados ao regime pelos três jornais contemplados.

Por quê a prenderam? Por achar que havia mais patrimônio a ser espoliado. E porque era mulher, tinha sido casada com um financista acusado de cuidar do dinheiro dos Montoneros e, enfim, porque prender, violar e vexar era parte da rotina do sistema que compensou o silêncio cúmplice e interessado dos Magnettos da vida.

Assim começou a fortaleza e o império do grupo Clarín. Depois vieram as concessões de rádio e televisão em cascata, depois veio todo o resto.

Essa a história que há por trás da história. Os mesmos métodos aplicados contra Lidia Papaleo continuam sendo aplicados no dia-a-dia do grupo.

Nisso, pelo menos, há que se reconhecer uma consistente coerência: os que controlam o grupo Clarín jamais deixaram de ser o que foram. Continuam agindo como agiram, e cuidando, sempre, de jamais se aproximar da perigosa linha que marca o início de um território que desconhecem, chamado dignidade.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pintura digital - por Wang Ling.

A toga, a língua e o caçador de blogs - por CartaMaior

Escudado na proteção republicana da toga, o ministro Gilmar Mendes desnudou uma controversa agenda política pessoal na última semana de maio. Onipresente na obsequiosa passarela da mídia amiga, lacrou seu caminho na 6ª feira declarando-se um caçador de blogs adversários de suas ideias e das ideias de seus amigos. Em preocupante equiparação entre a autoridade da toga e a arbitrariedade da língua, Gilmar decretou serem inimigos das instituições republicanas todos aqueles que contestam os seus malabarismos discursivos, a adequar denúncias a cada 24 horas, num exercício de convencimento à falta de testemunhas e fatos que as comprovem.

A fragilidade desse discurso impele-o agora ao papel de censor a exigir da Procuradoria Geral da República, e do ministro Mantega, que sufoque blogs adversários asfixiando-os com o corte da publicidade oficial. Sobre veículos que incluem entre suas fontes e 'colaboradores informais', notórios acusados de integrar quadrilhas do crime organizado, o ministro nada observa em relação à presença da publicidade oficial. Cabe ao governo Dilma dar uma resposta ao autonomeado censor da República.

O ataque da língua togada contra a imprensa crítica não é aleatório. O dispositivo midiático conservador vive em andrajos de credibilidade e pautas. A semana final de maio estava marcada para ser um desses picos de desamparo, na despedida humilhante de seu herói decaído. E de fato o foi: em depoimento no Conselho de Ética do Senado, na 3ª feira, o ex-líder dos demos na Casa, Demóstenes Torres, deixaria gravado no bronze dos falsos savonarolas a lapidar confissão de que um chefe de quadrilha pagava as contas, miúdas, observaria, de seu celular. E ele, o centurião da moralidade, a direita linha dura assim cortejada pela língua togada e pelo aparato conservador – quem sabe até para vôos maiores em 2014 –, não viu nenhum tropeço ético nesse pequeno mimo que elucida todo um perfil.

O fecho de carreira do tribuno goiano contaminaria as manchetes que ele tantas vezes ancorou à direita não fosse a providencial intervenção da língua amiga do ministro do STF, Gilmar Mendes. Na mesma 3ª feira desde as primeiras horas da manhã, lá estava ela a falar pelos cotovelos. Diuturnamente, contemplou a orfandade da mídia amiga naquele dia cinzento. A cada qual ofereceu uma frase brinde para erguer a moral da tropa e justificar a manchete com o carimbo 'exclusivo' no alto da página. Não se poupou. O magistrado, não raro em destemperados decibéis, esfregou na opinião pública recibos e documentos que comprovariam o pagamento, com recursos próprios --'tenho-os para umas três voltas ao mundo'-- de seu giro europeu, em abril de 2011, onde se encontraria com o herói decaído da linha dura, Demóstenes Torres.

Sua língua foi peremptória em alguns momentos, na mais pura tradição liberal que o distingue: 'Vamos parar com essas suspeitas sobre viagens", determinou. Para depois admitir em habilidosa antecipação: por duas vezes utilizou carona aérea do amigo Demóstenes; por duas vezes voou sob os auspícios do amigo que não possui veículo aéreo próprio; do amigo que não paga nem as contas de celular. Contas miúdas, diga-se, a revelar um vínculo orgânico com a ubíqua carteira gorda de acusados de integrar o condomínio criminoso goiano.

Gilmar estava determinado a servir de redenção ao dispositivo midiático demotucano num dia tão aziago. Não desapontou amigos, ainda que tenha escandalizado parte do país. Ofensivo, execrou blogs e sites críticos – esses sim, bandidos e gângsteres – que arguiram e ainda arguem as fronteiras da identidade de valores que aproximou o magistrado do senador decaído.

Fez mais ainda: acusou Lula de ser a central de boatos contra ele para 'melar o julgamento do mensalão' – como se o ex-presidente Lula não pudesse, não devesse ter opinião sobre fatos relevantes da vida política nacional – prerrogativa que outras togas mais serenas não contestam e legitimam. Ao jornal O Globo, na linha da frase à la carte, facilitou a manchete pronta para dissolver a terça-feira de cinzas do conservadorismo: 'O Brasil não é a Venezuela onde Chávez manda prender juiz'. O diário retribuiu a gentileza em manchete garrafal de duas linhas no alto da página. Um contrafogo sob medida à humilhante baixa no Senado. Incansável, a língua foi provendo chistes e chutes a emissários de redações sedentas, mas cometeu alguns deslizes.

Esqueceu que um pilar de sua versão sobre a famosa conversa com Lula – origem de toda celeuma que descambou em ataque à liberdade de imprensa – residia nos pequenos detalhes que emprestam veracidade ao bom contador; um deles, o cenário: a cozinha. Teria sido naquele recinto profano do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, abrigado de qualquer solenidade e sem a presença do anfitrião, que ocorrera o assédio moral inesperado de um Lula chantageador contra um Gilmar irretocável.

Quadro perfeito. Exceto pelo fato de não se sustentar nem mesmo no matraquear do interessado. Sim, o mesmo magistrado suprimiu o precioso cenário despido de testemunhas na versão apresentada ao jornal Valor do dia 30-05 quando afirmou literalmente: 'Jobim esteve presente durante todo o tempo'. Como? E a cozinha? E a privacidade a dois que lubrificou o assédio de um Lula irreconhecível?

Evaporou-se: Jobim estava presente o tempo todo, afirmou o narrador em contradição ostensiva. Mas por um bom motivo: desferir no ex-ministro de FHC e ex- presidente do STF uma punhalada em retribuição ao desmentido categórico do anfitrião para seu relato original do episódio à indefectível VEJA. No mesmo Valor, Gilmar insinuaria contra Jobim uma suspeita de cumplicidade com Lula por ter lançado na mesa o nome de um desafeto: Paulo Lacerda. Ex-dirigente da ABIN, Lacerda foi demitido em 2008 depois que Gilmar denunciou suposta escuta da PF, nunca comprovada, em seu escritório. Só na 5ª feira o entendimento da investida contra Jobim ficaria completo: Serra, o candidato predileto do conservadorismo, amigo de Gilmar e de outros da mesma cepa, prestou-se à colaborar com Veja; desinteressadamente, a exemplo do que tantas vezes o fez também o colaborador Dadá, aparaponga de aluguel do esquema Cachoeira. Serra incitou o amigo Jobim a falar com a revista sobre o encontro.

Surpreendido pela trama Jobim tirou a escada de VEJA e deu troco duplo: desmentiu Gilmar no Estadão e confirmou a Monica Bergamo, da Folha, o que tantos sabem: Serra não falha; sua biografia de bastidores está, esteve e estará sempre entrelaçada a golpes e denúncias que contemplem a regressividade udenista da qual VEJA constitui a corneta mais atuante e Gilmar o novo expoente da linha de frente lacerdista.

Diante do maratonismo verbal não sobraria fôlego aos jornais e jornalistas amigos para conceder ao leitor um pequeno espaço de reflexão sobre a momentosa semana final de maio, pausa todavia ainda mais necessária à medida em que versões assentam e dúvidas emergem em contornos mais nítidos. Ademais da evanescente cozinha do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, outros pontos de dissipação merecem retrospecto. Por exemplo:

a) a reportagem publicada por Carta Maior no dia 29-04 “Cachoeira arruma avião para Demóstenes e ‘Gilmar’” – com aspas por conta da identificação incompleta do ilustre viajante e um dos motivos da fluvial verborragia togada, não tratava de pagamento de vôo a Berlim pelo esquema Demóstenes/Cachoeira;

b) o texto, conciso e claro baseado em escutas públicas da PF teve como foco uma ‘carona aérea’ no trecho SP-Brasília, solicitada ao esquema Cachoeira para o dia 25-04 de 2011;

c) as tratativas telefônicas da quadrilha Cachoeira apontam que os passageiros da carona viriam da Alemanha e seriam, respectivamente, Demóstenes e ‘Gilmar’;

d) a data da chegada a São Paulo é a mesma do retorno informado pelo próprio Gilmar Mendes em seu rally jornalístico;

e) o horário de chegada do seu vôo originário da Alemanha guarda proximidade com aquele informado à quadrilha. Essas as coincidências notáveis. A partir daí os fatos e comprovantes apresentados por Gilmar Mendes desmentem que ele tenha utilizado a dita carona solicitada à quadrilha, fato que Carta Maior noticiou imediatamente após os esclarecimentos do magistrado. O desencontro entre essas evidências e as providencias tomadas pela quadrilha Cachoeira, todavia, autoriza uma indagação que não se dissolve no aluvião verborrágico da semana, a saber: quantos Gilmares havia em Berlim com Demóstenes Torres? E, mais que isso: quem seria o ‘Gilmar’ cuja inclusão na carona, aparentemente desativada, não causou qualquer surpresa a Cachoeira, que nas escutas reage à menção do nome e da presença como algo se não habitual, perfeitamente compatível com a extensão de seus tentáculos e zonas de influência?

Carta Maior reserva-se o direito de continuar praticando um jornalismo crítico e auto-crítico, comprometido única e exclusivamente com a democracia e as aspirações progressistas da sociedade brasileira, abraçadas pela ampla maioria de seus leitores. Isso naturalmente a coloca na margem oposta daqueles que até ontem consideravam Demóstenes Torres, seus valores, agendas, contas de celular e caronas em jatinhos uma referência ética e republicana.

Fiel aos compromissos Carta Maior cumpre a obrigação de manter em pauta algumas perguntas ainda sem resposta satisfatória: quantos gilmares havia em Berlim? Quantos gilmares havia no escritório de Jobim (um na cozinha e um na sala)? E, ainda mais urgente, quantas ameaças de fuzilamento da liberdade de expressão serão necessárias para que os partidos democráticos e o governo tomem a iniciativa de desautorizá-lo? Não só em palavras, mas sobretudo na impostergável democratização da publicidade oficial, antes que novos e velhos caçadores de jornalistas consigam transformá-la em mais um torniquete da pluralidade de opinião.

Arte - por Dan Addington


Perguntas de um blogueiro, ao modo Gilmar Mendes - por Charles Carmo (O Recôncavo)

O ministro Gilmar Mendes julgará o caso do “mensalão”, gravado, como agora se revela, a mando do contraventor Carlinhos Cachoeira e publicado, como se descortina, na revista Veja, cuja fonte é o próprio Carlinhos Cachoeira.

O ministro Gilmar Mendes também serve de fonte à revista Veja. Ou, ao menos, revela à revista, antes de fazê-lo a seus pares, sua indignação frente à suposta tentativa de intimidação, negada pelos terceiros envolvidos, por ocasião de uma reunião com o presidente Lula e o ex-ministro do STF, Nelson Jobim.

E mais. Gilmar Mendes diz que há uma conspiração para interferir no julgamento do mensalão, em que ele é juiz. Tudo isso, o tempo todo, por meio da imprensa e um mês depois do suposto caso, justamente no momento em que se revela que um “Gilmar” é citado nas gravações da Polícia Federal.

Este blogueiro elabora então algumas perguntas, ao modo Gilmar Mendes.

1) Ministro Gilmar Mendes, o senhor não fica “perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas” de um ministro do supremo que chama um presidente “às falas”, dizendo-se vítima de um grampo que nunca existiu e de um “estado policial” que ficou a ser provado, ao preço de uma crise institucional?

2) Ministro Gilmar Mendes, “vamos dizer que o Demóstenes me oferecesse uma carona num avião se ele tivesse. Teria algo de anormal” em alguém questionar o meu grau de proximidade com o senador? E se isso ocorresse com um ministro do Supremo Tribunal Federal e o senador em questão fosse alvo de fartas acusações, haveria algo de anormal nestes questionamentos? O senhor se sente intimidado com esta pergunta?

3) Ministro Gilmar Mendes, o senhor se diz vítima de “gângsteres”, “chantagistas” e “bandidos” que estão a espalhar notícias falsas para atrapalhar o julgamento do “mensalão”, processo que o senhor julgará. O ministro Gilmar Mendes não estaria pré-julgando os réus do processo? O ministro prevaricou ao não denunciar formalmente os senhores Luiz Inácio da Silva e Nelson Jobim, bem como os “chantagistas” que o senhor acusa? Ou o senhor não o fez porque simplesmente não há a mínima prova do que diz, além da sua palavra? Se não o fez porque não há provas, pode acaso um juiz acusar ou condenar sem provas?

4) O senhor demorou mais de um mês para denunciar a suposta tentativa de chantagem. Quando o fez foi por meio da revista Veja, após a revelação de que um “Gilmar” teria viajado em voo reservado pelo esquema de Carlinhos Cachoeira, segundo informações colhidas pela Polícia Federal. A indignação do ministro tem 30 dias de prazo para entrar em vigor? O que o senhor tem a dizer sobre a tese de que isso não passaria de uma cortina de fumaça para desviar a atenção sobre sua suposta proximidade com o senador Demóstenes Torres, que, diga-se de passagem, até recentemente empregava um parente seu?

5) Deve um ministro do STF submeter-se a uma superexposição na imprensa, emitindo, a todo tempo, juízo de valor e opiniões sobre fatos concernentes ao caso que o senhor julgará? O senhor acusa a quem, especificamente, quando diz que há “bandidos” interessados no adiamento do julgamento do “mensalão”? Às partes do processo? Se a resposta for afirmativa, isto não deveria constar no processo e ser comunicado formalmente aos seus pares? Se negativa, eu poderia “inferir” que o senhor estaria influenciando a decisão de seus colegas e pré-julgando, por meio da imprensa, ao levantar questões tão graves sem provar o ocorrido, sugerindo a participação dos réus e testemunhas do processo na trama protelatória?

6) Os demais ministros do Supremo Tribunal Federal deverão acompanhar qual órgão de imprensa para que tenham conhecimento das suas novas acusações, se elas ocorrerem?

7) Ministro Gilmar Mendes, ao ministro do STF é vedado qualquer participação política-partidária. Diante de sua conduta no caso do grampo que nunca existiu e, agora, no caso de suas relações com senador Demóstenes Torres e da denúncia contra o ex-presidente Lula, prontamente desmentida, eu poderia “entender, depreender e inferir” que o senhor não está se comportando de acordo com a liturgia que o cargo exige?

8) “Na coluna do jornalista Bastos Moreno, no jornal O Globo, está dito que Gilmar Mendes, ao sair do escritório de Jobim, foi, enfurecido, a uma reunião com a cúpula dos Democratas”, lembra Wálter Maierovitch. Isso é verdade? Se afirmativa a reposta, o senhor não acha que seus colegas do Supremo Tribunal Federal deveriam ter a primazia, diante dos fatos? Com quem e sobre o que o senhor conversou com o DEM? O DEM sabe destes fatos há um mês, e também se calou?

9) Ministro Gilmar Mendes, segundo matéria da Folha de São Paulo “o ex-ministro de Defesa, Nelson Jobim, teria recebido, há alguns dias, um telefonema do ex-governador José Serra pedindo que falasse com a revista Veja. Jobim atendeu o pedido e só então soube da reportagem sobre o encontro entre Lula e o ministro Gilmar Mendes”. O senhor também recebeu algum telefonema de José Serra pedindo que o senhor falasse à revista Veja? José Serra sabia então, antes da divulgação da revista, sobre o teor da matéria? Quem contou foi o senhor? A revista veja?  

10) O termo “liturgia do cargo” tem, na sua opinião, qual sentido?

Sem mais perguntas, agradeço a atenção de vossa excelência.

domingo, 3 de junho de 2012

Fotografia - por Sergei Maximishin (Maximishin)


Imprensa e democracia – por Jânio de Freitas (Folha de S. Paulo)

Assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da Constituição

Já que o ministro Carlos Ayres Britto é do Supremo Tribunal Federal, mas não se sente sob perseguições, e muito menos imagina que queiram "destruí-lo", acredito não haver risco em negar a ideia que faz da imprensa. E nela, sobretudo, da relação entre imprensa e democracia.

O ministro falou no 5º Congresso Brasileiro da Indústria de Comunicação, no qual também esteve o bispo Desmond Tutu. Foi o presidente da Comissão da Verdade e Reconciliação criada na África do Sul, em 1995, por Nelson Mandela.

Espera da nossa Comissão da Verdade que busque "curar as feridas de uma nação traumatizada". A idade não lhe diminuiu a percepção nem a determinação de dizer as palavras adequadas.

Em seu tema, o ministro Ayres Britto não se limitou à esperança. Tem a convicção de que "a metáfora de que a imprensa e a democracia são irmãs siamesas não é exagerada. É, de fato, um vínculo umbilical, a ponto de que, se for cortado esse cordão, é a morte das duas - da imprensa e da democracia".

A relação siamesa entre imprensa e democracia não se ajusta, no entanto, aos 21 anos brasileiros entre 1964 e 1985, por exemplo.

Não só ao decorrer do período, mas também àquilo mesmo que lhe deu origem.

Durante os 21 anos sem nem sequer os seus mínimos componentes da democracia, a imprensa brasileira (vamos englobar assim jornais, TV, revistas e rádio) teve lucros e outros enriquecimentos maiores, muito maiores, do que em qualquer fase anterior na sua história.

A par desse benefício generalizado, quanto mais próximo e a serviço do regime antidemocrático, maior a compensação.

Tanto a proporcionada diretamente ou indiretamente por ligação ao poder, como pela preferência publicitária por meios de comunicação identificados com o regime. Do qual a publicidade foi instrumento fundamental, talvez decisivo.

Mais importante jornal em todos aqueles anos, o "Jornal do Brasil", como principal órgão criador de opinião pró iniciativas do regime ("milagre brasileiro", "Brasil grande", a designação de "terroristas" para os oposicionistas, nem todos armados, e muito mais) proporcionou o exemplo definitivo da ligação ideológica-econômica dos meios de comunicação com a antidemocracia.

Habituara-se tanto aos ganhos estupendos e fáceis com sua posição, que, vinda a democracia, foi rápido para o colapso. Não o único a seguir tal percurso.

"A censura à imprensa teve duração pequena" -é uma afirmação muito repetida sob variadas formas. E inverdadeira.

Todo o período ditatorial foi atravessado por uma modalidade de censura sem evidência pública: o afastamento, impositivo sobre as direções ou proprietários, de jornalistas profissionais.

A base da convicção “siamesa” de Ayres Britto está na ideia de que, “por ser a instância que oferta à população uma alternativa, uma explicação diferente da que o governo dá aos fatos, a imprensa tira a Constituição do papel, vitaliza a Constituição”.

Está na história: assim como a imprensa pode tirar a Constituição do papel, tira também o papel da Constituição, na sociedade e no país. A força agitadora para a preparação do golpe de 64 foi a imprensa. Com agitação diuturna.

Todos os demais agentes foram insignificantes em comparação com a imprensa, e dependentes dela. Quando ganharam significação, já a imprensa e o golpismo estavam muito à sua frente, vindo apenas a aproveitar, para a consumação do seu propósito, os múltiplos e estimulantes erros da chamada “esquerda”.

A Constituição vigente até 64 foi rasgada, muito antes, pela imprensa. A pregação de Carlos Lacerda, de brilho incomum, afrontava a democracia e, pelas leis de então, como seria pelas atuais, era crime indiscutível contra a Constituição já desde os primeiros anos 50.

E seus seguidores, só por sê-lo, puderam multiplicar a ação agitadora em jornais, TV, rádio e Forças Armadas tão sem incômodo quanto seu líder.

Se há siameses na relação de imprensa e democracia, então são trigêmeas. A imprensa tem, de um lado, a democracia e, de outro, o regime de prepotência. O que vier estará bom. E exceção na imprensa, se houver, não passa de exceção.

Comentário
Texto muito correto e, até espantoso de ser escrito neste veículo, já que trata da própria história do jornal em que ele escreve, a Folha, notória apoiadora do regime (até cedendo carros para os torturadores da Oban, como é consabido). 

De fato, de todos os jornalistas tucanos, o Jânio de Freitas é dos “menos piores”. É um tucano com alguns pudores, digamos assim.

sábado, 2 de junho de 2012

Fúria - por Svetlin Velinov (Coolvibe)


De volta ao passado - por Mino Carta (CartaCapital)

“Mino Carta é um chato, se pudesse reescreveria os Evangelhos. Inimigo do regime, Geisel o detestava, mas não tinha rabo preso.” De um depoimento de João Baptista Figueiredo, gravado em 1988 durante um churrasco amigo e divulgado após a morte do último ditador da casta fardada.

No final de 1969, esta capa foi o maior desafio de Veja
à ditadura, mas já a da primeira edição dera problemas

É do conhecimento até do mundo mineral que nunca escrevi uma única, escassa linha para louvar os torturadores da ditadura, estivessem eles a serviço da Operação Bandeirantes ou do DOI-Codi. Ou no Rio, na Barão de Mesquita. E nunca suspeitei que a esta altura da minha longa carreira jornalística me colheria a traçar as linhas acima. Meu desempenho é conhecido, meus comportamentos também. Mesmo assim, há quem se abale a inventar histórias a meu respeito. Alguém que, obviamente, fica abaixo do mundo mineral.

Não me faltaram detratores vida adentro, ninguém, contudo, conseguiu provar coisa alguma que me desabonasse. Os atuais superam-se. Um deles se diz jornalista, outro acadêmico. Pannunzio & Magnoli, binômio perfeito para uma dupla do picadeiro, na hipótese mais generosa de uma farsa cinematográfica. Esmeram-se para demonstrar exatamente o que soletro há tempo: a mídia nativa prima tanto por sua mediocridade técnica quanto por sua invejável capacidade de inventar, omitir e mentir.

Afirmam que no meu tempo de diretor de redação de Veja defendi a pena de morte contra “terrorristas”, além de enaltecer o excelente trabalho da Oban. Outro inquisidor se associa, colunista e blogueiro, de sobrenome Azevedo. E me aponta, além do já dito, como um singular profissional que não aceita interferência do patrão. Incrível: arrogo-me mandar mais do que o próprio. Normal que ele me escale para o seu auto de fé. O Brasil é o único país do meu conhecimento onde os profissionais chamam de colega o dono da casa.

Não há nas calúnias que me alvejam o mais pálido resquício de verdade factual. Os textos que me atribuem para baseá-las nascem de uma mistificação. Pinçados ao acaso e fora do contexto, um somente é de minha autoria e nada diz que me incrimine. E pouparei os leitores de disquisições sobre minha repulsa visceral, antes ainda que moral, à prisão sem mandado, à tortura e à pena de morte. Quando o Estadão foi pioneiro na publicação de um artigo assinado Magnoli, limitei-me a escrever um breve texto para o site de CartaCapital, destinado a contar a história de outra peça de humorismo, escrita em 1970 por um certo Lenildo Tabosa Pessoa, redator, vejam só, do Estadão, e intitulada O Senhor Demetrio. Ou seja, eu mesmo, marcado no batismo por nome tão pesado.
A bem de minha honra, Geisel me detestava.
Foto: AE

Lenildo pretendia publicar seu texto no jornal, os patrões, Julio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita, não deixaram. Surgiu em matéria paga o retrato de um hipócrita pretensamente refinado que, como Arlequim da política, servia ao mesmo tempo Máfia e Kremlin. O senhor Demetrio, de codinome Mino. Diga-se que Lenildo encontraria eco três anos depois no programa global de um facínora chamado Amaral Neto, também identificado como Amoral Nato, que repetia Lenildo no vídeo. Como se vê, tom e letra das calúnias estão sujeitos a mudanças ideológicas.

Ao negarem espaço nas páginas da sua responsabilidade à diatribe de Lenildo, os herdeiros do doutor Julinho quiseram respeitar a memória do meu pai, que trabalhou no Estadão por 16 anos, e meu honesto e leal desempenho na criação da Edição de Esporte e do Jornal da Tarde. O Estadão, evidentemente, não é mais o mesmo. Lenildo e Amaral Neto me tinham como perigoso subversivo de esquerda. Em compensação, hoje sou acusado de ter dirigido naquele mesmo 1970 uma Veja entregue “à bajulação, subserviência e propaganda da ditadura”. É espantoso, mas a semanal da Abril em 1970 era submetida à censura exercida na redação por militares. Eu gostaria de saber o que acham os senhores Pannunzio, Magnoli e Azevedo a respeito de quem na mídia brasileira se perfilava illo tempore ao lado da ditadura. Ou seja, quase todos.

E Arci, impávido, ofereceu a cabeça de Millôr Fernandes
ao ministro Golbery.
Fotos: Marcelo Carnaval e Manoel Amorim/Ag O Globo

Quem, de fato foi censurado? Os alternativos, então chamados nanicos, em peso, do Pasquim a Opinião, que depois se tornaria Movimento, sem exclusão de O São Paulo, o jornal da Cúria paulistana regida por dom Paulo Evaristo Arns. A Veja, primeiro por militares, depois por policiais civis no período Médici. Com Geisel, passou a ser censurada diariamente, de terça a sexta, nas dependências da Polícia Federal em São Paulo, e aos sábados, à época dia de fechamento, na própria residência de censores investidos do direito a um fim de semana aprazível. Enquanto isso, Geisel exigia que os alternativos submetessem seu material às tesouras censórias em Brasília, toda terça-feira.

Sim, o Estadão também foi censurado e com ele o Jornal da Tarde. A punição resultava de uma briga em família. O jornal apoiara o golpe, mas sonhava com a devolução do poder a um civil, desde que se chamasse Carlos Lacerda. Este não deixava por menos nas suas aventuras oníricas. O Estadão acabou sob censura, retirada contudo em janeiro de 1975, no quadro das celebrações do centenário do jornal. Carlos Lacerda foi cassado. Diga-se que ao Estadão permitia-se preencher os espaços vagos deixados pelos cortes com versos de Camões, em geral bem escolhidos, e ao Jornal da Tarde com receitas de bolo, às vezes discutíveis. O resto da mídia não sofreu censura. Não era preciso.

Julio Neto e Ruy Mesquita não dariam espaço às calúnias
de um tal de Magnoli.
Fotos: Alfredo Fiaschi/AE e AE
Quando me chamam para fazer palestras em cursos de jornalismo, sempre me surpreendo ao verificar que o enredo que acabo de alinhavar é ignorado pelos alunos e por muitos professores. Acham que a censura foi ampla, geral e irrestrita. Meus críticos botões observam que me surpreendo à toa. Pois não se trata de futuros Pannunzios, Magnolis e Azevedos? No caso deste senhor Reinaldo, vale acentuar uma nossa específica diferença. Não me refiro ao fato de que eu reputo Antonio Gramsci um grande pensador, enquanto ele o define como terrorista. A questão é outra.

Ocorre que, ao trabalhar e ao fazer estágios na Europa, entendi de vez que patrão é patrão e empregado é empregado, e que para dirigir redações o profissional é chamado por causa de sua exclusiva competência. Ao contrário do que se dá no Brasil, por lá não há diretores por direito divino. Por isso, ao deixar o Jornal da Tarde para tomar o comando dos preparativos do lançamento de Veja, me senti em condições de exigir certas garantias.

No Estadão tivera um excelente relacionamento com a família Mesquita, fortalecido pela lembrança que cultivavam de meu pai, iniciador da reforma do jornal que Claudio Abramo aprofundou e completou. Gozei na casa então ainda do doutor Julinho, filho do fundador, de grande autonomia, aquela que facilitou a criação de um diário de estilo muito próprio, arrojado na diagramação, em busca de qualidade literária no texto. Estava claro, porém, que a linha política seria a da família. Com os Mesquita me dei muito bem, foram de longe meus melhores patrões, talvez os remanescentes não percebam que por eles tenho afeto, embora, saído do Estadão, não me preocupasse em mostrar que minhas ideias não coincidiam com as deles.

E Golbery, gélido, disse: "Eu não pedi a cabeça de ninguém,
senhor Civita".
Foto: AE
Convidado finalmente pelos Civita para a empreitada de Veja, solicitei uma liberdade de ação diversa daquela de que gozara no Jornal da Tarde. Só aceitaria o convite se os donos da Abril, uma vez definida a fórmula da publicação, se portassem como leitores a cada edição, passível de discussão está claro, mas a posteriori, quer dizer, quando já nas bancas.

Pedido aceito. A primeira Veja, espécie de newsmagazine à brasileira, foi um fracasso. Além disso, já irritou os fardados por trazer na capa a foice e o martelo. A temperatura subiu com a segunda capa, a favor da Igreja politicamente engajada. A quinta, com a cobertura do congresso da UNE em Ibiúna, foi apreendida nas bancas. E também o foi aquela que celebrou a decretação do AI-5 no dia 13 de dezembro de 1968. Tempos difíceis. Mas a edição de mais nítido desafio aos algozes da ditadura é de mais ou menos um ano depois. A chamada de capa era simples e direta: “Torturas”, em letras de forma.

A história desta reportagem começou cerca de três meses antes, com uma investigação capilar conduzida por uma equipe de oito repórteres encabeçada por Raymundo Rodrigues Pereira. Foram levantados 150 casos, três deles nos detalhes mínimos. Emílio Garrastazu Médici acabava de ser escolhido para substituir a Junta Militar e pela pena do então coronel Octavio Costa acenava em discurso, pretensamente poético ao declinar a origem do novo ditador por dizê-lo vindo do Minuano, à necessidade do abrandamento da repressão. Raymundo e eu recorremos a um estratagema, e saímos com uma edição anódina para celebrar o vento gaúcho. Falávamos da posse, da composição do ministério, do discurso. Chamada de capa: “O Presidente Não Admite Torturas”.

Ofereço este número de Veja à aguda análise de Pannunzios, Magnolis, Azevedos e quejandos. (Nada a ver com queijo.) Bajulação e subserviência estão ali expostas da forma mais redonda. Naquele momento, a mídia foi atrás de Veja, e por três dias falou-se mais ou menos abertamente de tortura. Logo veio a proibição, que Veja ignorou. Na noite de sexta-feira a reportagem da equipe de Raymundo descia à gráfica para arrolar 150 irrefutáveis casos de tortura, dos quais três em detalhes. Ao mesmo tempo, eu mandava cortar os telefones da Abril para impedir ligações de quem pretendesse interferir, autoridades, patrões e intermediários. A edição foi apreendida nas bancas, e logo desembarcou na redação a censura dos militares.

Este sim, "nosso Trotski", a Arci pediu minha cabeça e
conseguiu.
Foto: AE
Quando ouvi falar em distensão pela primeira vez, meados de 1972, pela boca do general Golbery, à época presidente da Dow Chemical no Brasil, pareceu-me possível alguma mudança na sucessão de Médici. De fato, Golbery, que vinha de conhecer, articulava na sombra a candidatura de Ernesto Geisel, títere sob medida para as suas artes de titereiro. Meados de 1973, assenta-se a candidatura obrigatória de Geisel. Alguns meses após, ministério em gestação, Golbery, futuro chefe da Casa Civil à revelia de Médici, me sugere uma conversa com o recém-convocado para a pasta da Justiça, Armando Falcão. Assunto: fim da censura em clima de distensão.

Conversei duas vezes com Falcão enquanto Roberto Civita entre janeiro e fevereiro de 1974 apontava em Hugh Hefner um notável filósofo da modernidade. Mal assumiu a pasta, dia 19 de março de 1974, Falcão chamou-me a Brasília para comunicar que a censura se ia naquele instante. Sublinhei: “Sem compromisso algum de nossa parte”. “Claro, claro”, proclamou, e me deu de presente seu livro de recente publicação, intitulado A Revolução Permanente. Mais tarde Golbery comentaria: “Falcão é o nosso Trotski”.

Três semanas após, a censura voltou, mais feroz do que antes. Duas reportagens causaram a costumeira irritação, fatal foi uma charge de Millôr Fernandes. Em revide, decretava-se que a censura seria executada em Brasília às terças-feiras. Fui visitar Golbery no dia seguinte, eu estava de veneta rebelde, levei meus dois filhos meninotes, e andei pela capital federal de limusine. No meu livro de próxima publicação, O Brasil, a sair pela Editora Record como O Castelo de Âmbar, descrevo assim a visita ao chefe da Casa Civil.

“A secretária do ministro, dona Lurdinha, senhora de modos caseiros, redonda rola sobre o carpete sem perder o sorriso, chega-se ao meu ouvido, murmura: “Veio também o senhor Roberto Civita, quer ser recebido mas não tem hora marcada”. Não deixo que o tempo se estique inutilmente, tomo a visão panorâmica da antessala e vejo Arci, entalado em uma poltrona com expressão perdida na paisagem da savana descortinada além das vidraças. “Que faz aqui?” E ouço meu próprio latido.
“Vici me contou que você viria, e eu gostaria…”
“Você não pediu audiência, não tem hora”, proclamo.


Ele insiste, à beira da imploração. O meu tom chama a atenção de Manuela e Gianni, encaram a cena sem entender o assunto, percebem porém que o pai está muito irritado, enquanto o outro tem jeito de pedinte. Lurdinha traz uma laranjada para as crianças e avisa que o general está à espera. Admito: “Você entra comigo, mas se compromete a não abrir a boca”. Ele promete.

Na conversa que se segue no gabinete da Casa Civil, o meu argumento é óbvio,
Veja é uma revista semanal que encerra o trabalho na noite de sábado e vai às bancas às segundas-feiras, obrigá-la a submeter textos e fotos aos censores na terça significa inviabilizá-la. Pergunto a Golbery: “Os senhores pretendem que Veja

O chefe da Casa Civil entende e concorda. Diz: “Vá até o Ministério da Justiça, fale com Falcão, a Lurdinha já vai avisá-lo, diga a ele que vamos procurar uma saída até amanhã no máximo, a próxima edição tem de sair regularmente”.

Golbery fica de pé, hora da despedida. O general não conhecia o patrãozinho que até aquele momento cumpriu a promessa feita na antessala. E de supetão abre a boca: “General, se o senhor acha que devemos tomar alguma providência em relação ao Millôr Fernandes…”

Golbery fulminou-o: “Senhor Civita, não pedi a cabeça de ninguém”.
simplesmente acabe?” Não, nada disso. “Então é preciso pôr em prática outro sistema.”

Poucos entenderam que o Minuano poderia despertar
ciclones.
Foto: Reprodução
Vici e Arci, ou seja, Victor Civita e Roberto Civita, assim se chamavam no castelo envidraçado à beira do Tietê, esgoto paulistano ao ar livre. Esse entrecho já o desenrolei em O Castelo de Âmbar sem merecer desmentido e o próprio Millôr o colocou no ar do seu blog logo após a publicação no final de 2000. Ao sair do gabinete de Golbery, eu disse a Roberto Civita “você é mesmo cretino”, como depois o definiria na conversa de despedida com o pai Victor, mas poderia dizer coisa muito pior. Quanto à minha saída da direção de Veja e de conselheiro board abriliano, descrevi o evento em editorial de poucas semanas atrás. Faço questão de salientar, apenas e ainda, que não fui demitido, e sim me demiti para não receber um único centavo das mãos de um Civita, nem que fosse a comissão pelo empréstimo de 50 milhões de dólares recebidos pela Abril da Caixa Econômica Federal, juntamente com o fim da censura, em troca da minha cabeça. A revista prontamente caiu nos braços do regime.

A partir daí, tive de inventar meus empregos para viver. Ou por outra, para viver com um salário infinitamente menor (insisto, infinitamente) do que aquele dos importantes da imprensa, e nem se fale daqueles da televisão. Ganham mais que os europeus e de muitos americanos. Em outro país, um jornalista com o meu passado não sofreria as calúnias de Pannunzios, Magnolis e Azevedos, e de vários que os precederam. Muito representativos de uma mídia que manipula, inventa, omite e mente. Observem os fatos e as mentiras da atualidade imediata, o caso criado pelo protagonismo de Gilmar Mendes e pela ferocidade delirante dos chapa-branca da casa-grande. Além do mais, há em tudo isso um traço profundo de infantilidade, um rasgo abissal, a provar o estágio primitivo da sociedade do privilégio, certa de que a senzala aplaude Dilma e Lula e mesmo assim se conforma, resignada, dentro dos seus habituais limites.

Os caluniadores
são, antes de mais nada, covardes. Sentem as costas protegidas pela falta generalizada de memória, ou pela pronta inclinação ao esquecimento. Pela impunidade tradicional garantida por uma Justiça que não pune o rico e poderoso. Pelo respaldo do patrão comprometido com a manutenção do atraso em um país onde somente 36% da população conta com saneamento básico, e 50 mil pessoas morrem assassinadas ano após outro. Confiam no naufrágio da verdade factual, pela enésima vez, e que tudo acabe em pizza, como outrora se dizia, a começar pela CPI do Cachoeira e pela pantomima encenada por Gilmar Mendes. E que o tempo, vertiginoso e fulminante como sempre, se feche sobre os fatos, sobre mais uma grande vergonha, como o mar sobre um barco furado.

Fotografia - por Eleanor Leonne Bennett (Inspiration Hut)


O efeito dos assassinatos de reputação sobre as famílias – por Luis Nassif (blog do Nassif)

Nessa loucura que tomou conta da mídia, de sair atirando contra quem passa pela frente, o maior fator de pressão é o que ocorre com as famílias das vítimas. É por aí que esses assassinos da honra atuam.

Acabo de chegar de um evento em que estava a sogra do ex-Ministro Orlando Silva. Primeiro, as reportagens falsas e escandalosas em torno do terreno que adquiriu. Depois a história jamais confirmada, do dinheiro que teria recebido na garagem do Ministério. Finalmente, os ataques à família, acusando a esposa, pelo fato de trabalhar em uma peça de teatro que tinha patrocínio de uma estatal.

A CBN abriu espaço para o senador Demóstenes Torres dizer que a família inteira teria que ser presa. Durante todo o tiroteio, a esposa de Orlando quedou em depressão brava, assim como outros familiares.

No Brasilianas de segunda, a procuradora federal Eugênia Gonzaga contando que, depois que entrou com uma representação contra um abuso em TV, foi alvo de ataques do colunista Arthur Xexéo, tentando desmoralizá-la. Depois do programa narrou o drama em família, os efeitos dos ataques sobre ela própria e sua mãe.

Até hoje, entrando-se no Google, o nome da juíza que deu a sentença favorável à representação aparece com dezenas de links depreciativos. O mesmo aconteceu com o presidente do TRF3, Newton de Lucca, quando ousou propor um habeas mídia – um procedimento que permitisse às vítimas ter direito rápido de resposta.

Em Manaus, a médica Bianca Abinader é alvo, há anos, da campanha sistemática movida por um lunático, o radialista Ronaldo Tiradentes, valendo-se de uma concessão pública e da representação da CBN Manaus. Bianca foi atacada enquanto estava grávida, um ataque sem limites, sem que as Organizações Globo, Judiciário do Amazonas, Ministério Público movessem uma palha para interromper a escalada insana.

Há dois anos conversei com o diretor de uma estatal, alvo de uma dessas campanhas sistemáticas. Ele me contava o drama que era a filha chegar da escola ouvindo das coleguinhas ataques aos pais.

Eu mesmo vivi essa realidade, quando Roberto Civita colocou um desequilibrado para me atacar. As filhas mais velhas se reuniram com a esposa e montaram um pacto de não me trazer os dramas que viviam, para não me derrubar. Toda manhã, as caçulas iam para a escola nos deixando com o coração na mão, sem saber se as infâmias chegariam até elas. Durante a noite, o sofrimento surdo e obsessivo da esposa, ficando até de madrugada lendo o esgoto que escorria do portal da Abril e impotente, indignada com a falta de limites e de lei.

No dia em que a atacaram, escrevi um post indignado. Pressentiram que poderia estar ali a vulnerabilidade emocional da família e concentraram ataques em seu blog.

É por aí que esses assassinos de reputação atuam, afetando diretamente familiares. Pessoas que estão dispostas a enfrentar esse banditismo, quando veem o que os familiares estão sofrendo, perguntam-se se têm o direito de continuar a lutar. Mesmo assim, há os que resistem movidos por um único sentimento: o da indignação.

Guardarei para sempre a reação da caçula, de apenas 9 anos, mas corajosa como pode ser uma menina nessa idade. Como é desligadinha, ficamos tranquilos achando que o clima terrível não a afetaria. Até o dia em que, na aula, alguém comentou que o pai assinava a revista Veja. Na mesma hora ela se levantou e informou:

-       Não gosto da Veja porque falou mal de meu pai.
Em nome de todas as vítimas, em reação a todas essas infâmias continuadas, é que não se pode mais demorar na regulamentação da mídia, do direito de resposta.

O STF não pode ficar surdo a esses abusos continuados.

Garota fogosa (papel de parede - Bollywood Artis)


Mídia e oposição tentam a última cartada - por Miguel do Rosário (Cafezinho)

Tudo leva a crer que a acusação de Gilmar Mendes à Lula foi uma jogada ensaiada com a oposição e Veja. O Clube Nextel tenta a última cartada contra a CPI do Cachoeira. Algumas observações:

1.    Nos dias que antecederam a criação da CPI, a mídia brandiu ameaças pesadas, nada sutis, contra o governo. A relação da Veja com o esquema já tinha vazado, junto com trechos do relatório da Polícia Federal, o que, seguramente, deflagrou movimentos e contatos desesperados entre editores da revista e caciques da oposição.

2.    Gilmar Mendes, logo após o encontro com Lula e Nelson Jobim, correu para o encontro do presidente do DEM, Agripino Maia, conforme relatado por Moreno.

3.    Mendes disse que ficou “perplexo”. Jobim declarou que Lula saiu antes e Gilmar não comentou nada com ele.

4.    Em matéria do Estadão publicada hoje, encontro a seguinte declaração de um membro da oposição:“Para o líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo (PE), o episódio desmoraliza os governistas na apuração do caso Cachoeira. “A CPI nascia contaminada e isso se confirma agora, com esse grau de ingerência. A maioria deve explicar se está disposta a seguir qualquer ordem de um ex-presidente”, provocou.”

Os jornalões desta terça-feira amanheceram com sangue na boca. Os colunistas políticos compraram, sem hesitar, a versão de Mendes e usam todas as velhas artimanhas para pintá-la como verdade absoluta, a começar pela desqualificação de Nelson Jobim, cujas declarações, que desmentem a Veja, atrapalham sua estratégia. O simples bom senso de termos a opinião de dois, Jobim e Lula; contra um, Mendes, não parece valer nada.

A artilharia disparou unida, como uma tropa organizada: Editorial do Estadão, editorial da Folha, coluna de Merval, de Cantanhede, de Helio Schwartsman, de Dora Kramer..

No entanto, ficam várias suspeitas no ar:

1.    Por que o Globo ocultou a versão de Jobim em sua edição impressa de segunda-feira?

2.    Por que exigiu a Moreno que escrevesse uma matéria reconstruindo o encontro com base em “rastros de conversa”, e publicou-a no lugar de outra, que tinha muito mais valor, em termos jornalísticos, na qual Jobim nega, com firmeza, a veracidade da denúncia publicada em Veja?

3.    Por que Mendes escolheu justamente a Veja, órgão enrolado com a CPI do Cachoeira, para fazer sua denúncia?

Voltamos à teoria ventilada no início do post. Tudo leva a crer a um plano ensaiado da oposição. Gilmar relata a conversa com Lula a Agripino Maia, e diz que poderia, distorcendo aqui e ali, transformá-la numa “tentativa de chantagem”.

Até o chargista do Globo entrou na guerra de informação:


Repare uma coisa. A charge traz um erro. Segundo Gilmar, foi ele quem bateu no joelho de Lula, não o contrário. A versão de Mendes, contada por Moreno, é que Lula teria dado um tapinha nas costas de Gilmar, que retribuiu com um tapinha no joelho do ex-presidente. No afã de agradar o patrão, Chico sequer pensou nesse detalhe.

Agora assistam à entrevista de Gilmar Mendes ao Jornal Nacional, que é um pouco diferente daquela feita à Globo News.  E totalmente diferente do teor da reportagem da Veja, que fala em chantagem bastante explícita do ex-presidente. Repare que Gilmar recua. Agora afirma que não houve nenhum pedido específico de Lula para adiar o mensalão.

Enfim, todos os fatos convergem para uma tentativa de Gilmar Mendes de se blindar contra possíveis revelações da CPI contra sua pessoa, visto que ele sempre foi muito ligado a Demóstenes Torres.

Na verdade, Mendes tem vários rabos aparecendo na CPI do Cachoeira. Em inúmeras gravações, Demóstenes Torres e Cachoeira citam Gilmar como seu aliado. Sem esquecer que Gilmar Mendes, quando presidente do STF, trouxe Jairo Martins, principal operador de Cachoeira, para dentro da instituição, contratando-o como seu “personal araponga”. E que foi o tal “grampo sem áudio” da conversa entre Mendes e Demóstenes, o causador de uma grave crise institucional que teve como consequência a demissão de Paulo Lacerda, um dos mais brilhantes policiais da história da república, da direção da ABIN, a central de inteligência do governo federal.

O que vemos hoje, de qualquer forma, é um fato muito triste. A grande mídia, assustada com a CPI do Cachoeira, a qual tenta sistematicamente desqualificar, decidiu apelar para o sentimento antilulista de um determinado setor social. Lança-se uma suspeita no ar, produzindo um clima de conspiração e irracionalidade. Tentemos trazer um pouco de oxigênio à essa loucura irrespirável:

   1. O que está em jogo agora é a CPI do Cachoeira, não o mensalão. Ela traz criminosos de verdade, bandidões cinco estrelas, com envolvimento de um senador, deputados federais, vereadores, procuradores, governadores, empresas de mídia e uma grande construtora. Este é o assunto da ordem do dia.

   2. O mensalão é um processo já terminado. A data está inclusive marcada. Não há possibilidade de adiamento. A denúncia de Gilmar só teria sentido se o adiamento (que aliás não seria nenhuma monstruosidade jurídica) estivesse em discussão. Os réus já apresentaram sua defesa, e agora espera-se apenas a decisão dos juízes. Não há mais nenhuma polêmica.

   3. A quem interessa desqualificar a CPI, e associar o seu ímpeto investigativo à tentativa de “vingança” contra a mídia, ou ao esforço de “melar o mensalão”? Resposta: o DEM, envolvido por causa de Demóstenes Torres; o PSDB, atolado no crime organizado em função das ligações do seu governador, Marconi Perillo, com o esquema; a Veja, cuja relação de longa data com Cachoeira e Demóstenes gerou pesadas suspeitas de que incorreu em crime de formação de quadrilha; outros órgãos de mídia que pactuavam e pactuam com a Veja.

O deliberado envenenamento do ambiente político é uma ação de cunho antidemocrático. Lembro que estudei isso nos livros do professor Wanderley Guilherme dos Santos, que tratavam das crises políticas dos tempos de de Vargas até a ditadura. A oposição, sempre que não conseguia conduzir o debate político da forma convencional, através de argumentos e disputa eleitoral, apelava para a desqualificação moral do adversário. É uma tática espúria que provavelmente existe desde o início da democracia no mundo. Hitler não queria debater política com seus adversários, então mandou incendiar a sede do parlamento (o Reichstag) e botar a culpa nos comunistas. É sempre mais fácil chamar o adversário político de “terrorista”, ou de “chantageador”, do que participar de um debate político transparente.

Com isso, não há discussão de políticas públicas, não há debate sobre as razões que levam o povo a preferir este ou aquele candidato, nada é dito acerca das mazelas sociais, e se passa ao largo da difícil guerra que precisa ser feita para a superação do subdesenvolvimento. Discute-se apenas se fulano é honesto ou não. O país inteiro fica a mercê das suspeitas sobre a idoneidade de Getúlio Vargas ou Lula. Quanto ao mérito das ações de seu governo, não se fala nada. É uma estratégia antiga, ultraconservadora, que visa paralisar ou atrasar as mudanças. A mídia, e não só a radiofusão, que é concessão pública, mas também a imprensa escrita, que recebe milhões de reais de verbas públicas através de publicidade institucional, promovem o empobrecimento do debate político e cultural do país, degradando a democracia e retardando o debate urgente sobre medidas urgentes que devemos tomar para superar o atraso econômico e social.

Só que desta vez a mídia perdeu o monopólio do debate público. E suas estratégias, que já foram desmascaradas por historiadores que estudaram os golpes e as tentativas de golpes de 1954 até hoje, hoje estão ainda mais em evidência em função da internet. Crises como essa, criadas por Gilmar Mendes e Veja, apenas servem para incendiar a revolta e a indignação de milhões de brasileiros que não aceitam ver seu sonho, mais uma vez, ser interrompido. Ainda mais por esta verdadeira máfia política, um monstro híbrido, multicéfalo, comandado por setores golpistas e inescrupulosos da mídia, lideranças políticas conservadoras, membros corruptos do Judiciário, e chefões do crime organizado.

Eles venceram em outros momentos; desta vez, no pasarán. Ou como diria Quintana, traduzindo a engenhosidade e o sentimento com que os artistas (e os povos) se libertam de seus tiranos e abrem sua asas, ganhando a história:

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A triste sina de termos um tresloucado (isto na melhor das hipóteses) como ministro do STF - por blog do Nassif

O Supremo precisa chamar Gilmar às falas – por  Luis Nassif

As seguintes suspeitas rondam o Ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), especialmente após sua última parceria com a revista Veja. E não tem como seus pares ignorarem:

1.    Há indícios de alguma forma de envolvimento com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres. Há suspeitas de uma viagem paga a Berlim e voos fretados no Brasil. Seja o que for, se os fatos existiram ou não, se imprudência, desvio ético ou corrupção, a corte precisa apurar. Não pode ignorar suspeitas graves. Há a necessidade premente de se saber a extensão de suas ligações com Demóstenes, Cachoeira e Veja.

2.    Há pelo menos um ato da maior gravidade, que necessita ser esclarecido: a contratação do principal operador de Cachoeira – o araponga Jairo -, para trabalhar na segurança do STF. Há indícios de jogadas combinadas entre Veja, Cachoeira e Gilmar. Foi a matéria “A República do Grampo”, mais os factoides sobre o grampo no Supremo que provavelmente forneceram o álibi para que Gilmar contratasse Jairo. A República do Grampo era controlada por Carlinhos Cachoeira e, graças a Gilmar, o Supremo pode ter ficado à mercê da organização criminosa. O episódio da falsa escuta no Supremo envolveu a instituição em uma armação que até hoje não foi esclarecida.

3.    Há indícios veementes de que o encontro com Lula foi solicitado pelo próprio Gilmar. E desconfiança que se destinava a obter o apoio de Lula contras as investigações da CPMI de Cachoeira. Qual a moeda de troca?

4.    A matéria da dupla Veja-Gilmar manipula declarações de vários ministros da corte, tendo como endosso Gilmar Mendes.

Gilmar precisa ser chamado a se explicar. O Supremo não pode ficar inerte ante o risco de um mega-escândalo que poderá afetar sua imagem. E robustecer teorias conspiratórias – como a de que vários ministros estariam reféns de Gilmar.


As manchas na imagem do STF - por Eduardo Ramos

O Supremo Tribunal Federal representa a segurança final do país. É o órgão que dá a palavra final às causas que batem à sua porta, dirime dúvidas sobre a constitucionalidade de leis duvidosas, dialoga com Executivo e Legislativo em busca do bem maior, a paz social e o império da lei, da justiça no país.

Seus ministros deveriam ser não só dotados de elevado e inegável conhecimento jurídico, mas também de espírito público, discrição, dignidade no trato com a imprensa, com seus pares, com os representantes dos outros poderes.  Deveriam incorrer no máximo esforço pessoal para dignificar seus cargos, para dignificar a instituição e angariarem o respeito da sociedade civil. Sem a intervenção da Justiça, resta a barbárie, o crime, a manipulação, toda a sorte de opressão dos poderosos contra aqueles que não detêm fatia maior de poder, sejam pessoas, sejam grupos de pessoas - trabalhadores, mulheres, negros, índios, gays, etc. etc. etc. - qualquer grupo que em determinado lugar ou época estejam com seus direitos fundamentais ameaçados. Não é pouca coisa...

Infelizmente para o Brasil, a última década não foi lá muito feliz na concretização desses objetivos, por parte dos senhores ministros. Ou por falta de elevado saber jurídico, ou por falta de caráter mesmo, ou por excesso de vedetismo, ou por outros motivos que poderíamos citar, em muitas oportunidades nosso Supremo Tribunal deixou a desejar! Essa impressão é forte, é presente no seio da sociedade, é fato comentado pelos mais esclarecidos.

Tem-se a impressão que a maioria dos ministros age honestamente, mas, muitas vezes, ou se deixa pautar pela grande mídia, covardemente, ou se omitem, em momentos de crise, seguindo a personalidade dominante no momento - nos últimos anos, ora o ministro Marco Aurélio, ora o ministro Gilmar Mendes - os preferidos pela grande mídia nos últimos seis, sete anos, para se manifestarem em nome do Supremo.

A vulgaridade de alguns embates, as frágeis explicações para as decisões polêmicas, o pouco ou nenhum diálogo real com a sociedade, foram minando nossa fé no Supremo.

Mas nada foi tão trágico, tão corrosivo, tão maléfico à imagem do Tribunal, como a desastrosa atuação do ministro Gilmar Mendes, absurdamente indigno do cargo, absurdamente sem decoro, sem discrição, sem caráter, sem honestidade pessoal, em casos como sua amizade pessoal com Demóstenes, seu amor às bajulações da grande mídia, sua atuação no Satiagraha como um todo, o caso do falso grampo, seu desrespeito sórdido ao presidente da República, "chamando-o às falas", sua arrogância contumaz e inigualável.

Torna-se incompreensível que apenas o ministro Joaquim Barbosa tenha tido a coragem, nos últimos anos, de desmascarar e peitar o indigno boquirroto! A omissão de seus pares faz mal ao Brasil! Torna-se, a omissão, diante da gravidade do caos moral que Gilmar Mendes levou ao STF, covardia e cumplicidade dos senhores ministros.

Como pode NENHUM MINISTRO questionar o Gilmar Mendes, depois que a Polícia federal comprovou a farsa dos grampos, em duas oportunidades claras de golpe contra a ordem no país?

E agora, quando um testemunho gravíssimo - Lula deveria ser processado, se verdadeira a informação... - do ministro, acusa um ex-presidente, de interferir - ou desejar fazê-lo... - em julgamento do Supremo, SUBORNANDO a este ministro, com oferta de blindagem em uma CPMI...

Não há meio termo, a situação exige medidas duras! Ou Lula agiu como pessoa vulgar, criminosamente chantageando o ministro, ou este calunia Lula, envolve outros ministros em sua mentira, e corrompe, por assim dizer, todo o Supremo, lançando dúvidas seríssimas sobre o julgamento por vir.

Não é possível mais, fechar os olhos, tampar os ouvidos, fazer-se de "morto", mais uma vez. Os ministros têm a obrigação moral, profissional e cidadã, de averiguar a verdade, e agirem. Ou estarão confirmando sua submissão moral e mental às sandices de Gilmar Mendes.

Não cabe discrição, calma, paciência, diante dessa insanidade. Que o Supremo volte a agir como dele se espera. Todo um país, por sinal...


Apontamentos sobre o caso Gilmar Mendes – por Johnny Gonçalves

1.    Gilmar Mendes não tem poder para adiar o julgamento do mensalão. Os únicos ministros do STF que podem alterar a data do julgamento são Ayres Brito (Presidente), Joaquim Barbosa (Relator) e Ricardo Lewandowski (Revisor). Alguém acha Lula ingênuo a ponto de buscar apoio em quem não apita nada sobre o assunto?

2.    O único Ministro do STF nomeado por FHC é Gilmar Mendes. Os demais foram indicados por Lula, Dilma, Sarney e Collor. Alguém acha Lula ingênuo a ponto de buscar apoio justo em alguém da oposição?

3.    São fortes os rumores de que Gilmar foi a Berlim para se encontrar com Demóstenes (DEM) às custas de Cachoeira. Gilmar parece ter piscado ao fazer essa parceria com a Veja, demonstrando ter culpa no cartório. A matéria de Veja deste fim de semana sugere uma tabelinha com Gilmar para blindá-lo de seu comprometimento com a máfia de Cachoeira.

4.    Gilmar Mendes também já viajou em voo fretado de São Paulo para Goiás, junto com Demóstenes Torres, com tudo pago por Cachoeira. Notícias dão conta de que está gravado e transcrito pela Polícia Federal. Foi divulgado nos meios jornalísticos que Gilmar Mendes contratou um membro da quadrilha de Cachoeira (Jairo Martins) para ser seu “personal araponga”.

5.    Gilmar Mendes já fez dobradinha com a Veja em outras matérias suspeitíssimas. O episódio do “grampo sem áudio”, em que chamou Lula “às falas” até hoje não teve nenhuma comprovação material. Em outro episódio, técnicos varreram todos os equipamentos do Supremo e descartaram a hipótese de qualquer tipo de escuta eletrônica no Supremo. A matéria de Veja causou sérios danos ao governo Lula. Bem mais tarde, já feito o estrago na Abin, a matéria virou piada.

6.    Em entrevista ao Estadão, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, que se reuniu com Lula e Gilmar, negou enfaticamente a tal proposta indecente inventada pela Veja. “O quê? De forma nenhuma, não se falou nada disso", reagiu Jobim, questionado pelo Estadão. "O Lula fez uma visita para mim, o Gilmar estava lá. Não houve conversa sobre o mensalão", reiterou.

7.    Jobim também disse que em nenhum momento Gilmar e o ex-presidente estiveram sozinhos ou falaram na cozinha do escritório, como relatou Veja. "Tomamos um café na minha sala. O tempo todo foi dentro da minha sala, o Lula saiu antes, durante todo o tempo nós ficamos juntos", assegurou.

8.    Veja disse que Lula acionaria o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, Sepúlveda Pertence para apoiar a estratégia de adiar o julgamento. Procurado pelo Estadão, Pertence negou: "Não fui procurado e não creio que o ex-presidente Lula pretendesse falar alguma coisa comigo a esse respeito".

9.    Inúmeras gravações feitas pela Polícia Federal revelam cumplicidade entre o Editor Chefe de Veja em Brasília, Policarpo Jr., e os membros da quadrilha de Cachoeira. Arapongas plantavam denúncias na revista com o objetivo de favorecer os negócios da máfia de Cachoeira. A CPMI vai investigar as ligações do crime organizado com jornalistas (Veja, Organizações Globo, Correio Brasiliense, e outros meios de comunicação aparecem em ligações comprometedoras). Veja sabe disso e tenta melar o jogo.

10.    Gilmar Mendes pode ser denunciado por falta de decoro, por sustentar falso grampo, por ter envolvido outros ministros nessa farsa de agora, por ter caluniado o ex-presidente Lula. São fatos graves que indicariam até mesmo um pedido de impeachment do magistrado.
Sobre a novelização da política – por Frank
Nassif, a guerra de versões é mais desencontrada e sinistra do que parece. Esqueceram de chamar roteiristas e continuistas das novelas da Globo para organizar a leva de notícias em uma só direção e sem contradições.

Ao que me parece, deve ter rolado uma chamada, uma convocação interna dentro da Globo a todos os funcionários para que cada um à sua maneira contribua para a sustentação da história do Gilmar ou para o arranhamento (mais um) da imagem do Lula. Acredite, até colunista social se solidarizou com a causa. Poético, não?

http://g1.globo.com/platb/cristianalobo/2012/05/29/uma-visita-a-lewandow...

A Globo, com esta da Cristina Lobo, conseguiu construir uma história onde o Lula teria pedido ao Gilmar Mendes (desafeto dele) para que este interviesse junto ao Lewandowski (amigo pessoal e da família do Lula) oferecendo algo que o Lula não tem (poder de blindagem) em troca de algo que o Gilmar não tem (poder de atraso no processo do Mensalão). Resumindo, o Lula teria pedido a um desafeto para que este interviesse junto a um amigo de família. PQP!!

As novelas da Globo são mais bem desenhadas, convenhamos. Daqui a pouco o Noblat vai jurar de pés juntos que o Joaquim Barbosa atrasou a relatoria do processo porque o Gilmar Mendes o pediu a pedido do Lula.

Fotografia - por photosidea

quinta-feira, 31 de maio de 2012

O "estranho" grupo (Veja-Gilmar Mendes-Demóstenes-Jobim)


Planeta (Coolvibe)

Julgamento do "mensalão" não terá efeitos políticos - por Weden (blog do Nassif)


Há uma aposta um tanto quanto ingênua, por parte da grande imprensa, nos efeitos políticos do julgamento dos crimes eleitorais (caixa 2) e tráfico de influência, reunidos sob o nome midiático de "mensalão".

Primeiramente, um esclarecimento sobre a insistência em se designar esses crimes bastante comuns em nossa vida pública - e que precisam ser apurados - com um nome fantasia. Não é tanto pelo suposto "pagamento mensal a parlamentares da base de apoio", o que nunca foi provado.

Até porque seria estúpido acreditar que um governo com tão ampla aprovação tivesse que recorrer à compra da própria base que o apóia. E pior: tivesse que comprar parlamentares do seu próprio partido.

O partilhamento de ministérios, de cargos, a liberação de verbas de emendas do orçamento, tudo isso deposita sobre o governo da hora um enorme poder de barganha material em relação à base, e são os meios tradicionais e mais eficazes para manter a base unida.

Portanto, o "pagamento mensal" não existiu porque simplesmente não era necessário.

Não podemos dizer, no entanto, que não houve tráfico de influência e não houve caixa 2 de campanha (com pagamento por fora a posteriori). Houve e isso deve ser julgado.

Mas porque a imprensa não designa, portanto, estes crimes pelos nomes já tradicionalmente conhecidos? Simplesmente, pelo fato de que se assim o fizesse, o "mensalão" perderia sua aura de ineditismo, de prática diferenciada, de escândalo maior.

É como se, com o "mensalão", o governo Lula inaugurasse uma nova prática, no entanto, velha de guerra.

Dilma é Dilma
Daí que chegamos à escolha política do nome. É "mensalão" porque não pode ser confundido com práticas também encontradas nos governos anteriores. Se assim o fosse, perderia o efeito de mídia.

Mas, mesmo mantendo a designação, o efeito de mídia não pode ser confundido com o "efeito político" do julgamento.

Isso porque, para desalento daqueles que torcem pela "agenda do mensalão", nenhum resultado prático o julgamento terá sobre as próximas eleições ou sobre o governo Dilma.

Comecemos pelo governo atual.

A presidenta é uma personagem pós-mensalão. Ela assume a pasta da Casa Civil, justamente, depois do degredo de José Dirceu. Portanto, o governo atual, com Dilma à frente, está imune a qualquer insinuação de que tenha usufruído dos mal feitos da época.

É mais fácil Dilma perder popularidade pela alta do dólar do que por qualquer ilação que se faça sobre alguma coparticipação no escândalo de 2005.

Da mesma forma, o PT-governo pouco será atingido, justamente porque Dilma mantém uma boa autonomia em relação ao partido. Na percepção pública, Dilma é Dilma, PT é PT.

Lula no tempo mítico
Um outro efeito político do julgamento do mensalão seria colar em Lula a imagem de que foi o "presidente do mensalão". Nada mais inócuo na medida em que vai convencer os já convencidos. Para aferir: façam uma pesquisa de opinião dois meses após o julgamento e verão que a popularidade sedimentada de Lula continuará a mesma.

O ex-presidente entrou numa espécie de panteão político. Sua alta aprovação está cristalizada de tal forma, que mais parece ter pertencido a um tempo mítico, do que propriamente a um tempo histórico.

No auge das denúncias do "mensalão" (que se seguiram entre maio e dezembro de 2005), Lula chegou a descer a ladeira da aprovação até pouco menos de "40% de ótimo e bom". Mas, apesar de todos os ataques, ainda manteve mais de 30% de avaliação para "regular".

Isso foi em outubro.

Em janeiro, Lula tinha voltado às mesmas raias de aprovação de antes das denúncias. Como se nada tivesse acontecido.

Não é agora que ele vai sofrer efeitos do tal "mensalão".

Eleição de São Paulo
A última e mais imediata das esperanças dos que torcem por algum efeito político do julgamento do mensalão está concentrada sobre as eleições de São Paulo.

Desgastando Lula e o PT, desgastar-se-ia Haddad.

Pouco provável.

Isso porque o crescimento de Haddad está vinculado à capacidade de Lula e Dilma puxarem votos para o candidato petista. E, pelos motivos acima apresentados, nada sugere que esses dois personagens perderão suas forças até agora demonstradas.

O que pode derrubar Haddad é sua relação de empatia ou não empatia com o eleitorado; a eficácia ou não eficácia da campanha; ou o modo como as pessoas lembrarão dele no MEC.

O resto é espetáculo midiático. Para orgulho e dor da própria grande imprensa.


Comentário:
O que mais me espanta na denúncia do mensalão é sua inépcia: será que os próceres do governo de então cometeriam a insanidade de tentar comprar centenas de congressistas – e achariam que ninguém ficaria sabendo? Será que haveria tantos e tantos ignaros a perpetrar crime tão estúpido de se tentar comprar o congresso e achar que nada vazaria? Não é só duvidar da integridade, é duvidar da inteligência (e, em Brasília, há seres da pior especie, mas de bobos eles não têm nada).
E pior, o feitor da denúncia desconsidera que tentar-se-ia comprar partidos (como o PMDB e o PTB) que possuem membros que, por motivos diversos, são da oposição. Ou seja, com o suposto mensalão, entregariam o ouro ao bandido – tanto por passarem a informação do crime a eles, quanto por propriamente pagarem-nos...
É duvidar demais da inteligência alheia.


Como bem descrito no artigo, os crimes de tráfico de influência (especialmente na tentativa de reerguer bancos liquidados – motivo da dinheirama que Marcos Valério deu ao PT) e caixa dois (crime já admitido) devem ser analisados detidamente e seus responsáveis condenados com o rigor da lei.
Agora crer no “mensalão” é pior do que crer na mula sem cabeça. Aliás, o que falta a mula também falta nos que creem neste escândalo ridículo.

Fotografia - por Chris Brock (User Submission - Inspiration Hut)

Soledad, a mulher do Cabo Anselmo - por Urariano Mota (Blog da Boitempo)



Quem lê Soledad no Recife pergunta sempre qual a natureza da minha relação com Soledad Barrett Viedma, a bela guerreira que foi mulher do Cabo Anselmo. Eu sempre respondo que não fomos amantes, que não fomos namorados. Mas que a amo, de um modo apaixonado e definitivo, enquanto vida eu tiver. Então os leitores voltam, até mesmo a editora do livro, da Boitempo: “mas você não a conheceu?”. E lhes digo, sim, eu a conheci, depois da sua morte. E explico, ou tento explicar.

Quem foi, quem é Soledad Barrett Viedma? Qual a sua força e drama, que a maioria dos brasileiros desconhece? De modo claro e curto, ela foi a mulher do Cabo Anselmo, que ele entregou a Fleury em 1973. Sem remorso e sem dor, o Cabo Anselmo a entregou grávida para a execução. Com mais cinco militantes contra a ditadura, no que se convencionou chamar “O massacre da granja São Bento”. Essa execução coletiva é o ponto. No entanto, por mais eloquente, essa coisa vil não diz tudo. E tudo é, ou quase tudo.

Entre os assassinados existem pessoas inimagináveis a qualquer escritor de ficção. Pauline Philipe Reichstul, presa aos chutes como um cão danado, a ponto de se urinar e sangrar em público, teve anos depois o irmão, Henri Philipe, como presidente da Petrobras. Jarbas Pereira Marques,  vendedor em uma livraria do Recife, arriscou e entregou a própria vida para não sacrificar a da sua mulher, grávida, com o “bucho pela boca”. Apesar de apavorado, por saber que Fleury e Anselmo estavam à sua procura, ele se negou a fugir, para que não fossem em cima da companheira, muito frágil, conforme ele dizia. Que escritor épico seria capaz de espelhar tal grandeza?

E Soledad Barrett Viedma não cabe em um parêntese. Ela é o centro, a pessoa que grita, o ponto de apoio de Arquimedes para esses crimes. Ainda que não fosse bela, de uma beleza de causar espanto vestida até em roupas rústicas no treinamento da guerrilha em Cuba; ainda que não houvesse transtornado o poeta Mario Benedetti;  ainda que não fosse a socialista marcada a navalha aos 17 anos em Montevidéu, por se negar a gritar Viva Hitler; ainda que não fosse neta do escritor Rafael Barrett, um clássico, fundador da literatura paraguaia; ainda assim… ainda assim o quê?

Soledad é a pessoa que aponta para o espião José Anselmo dos Santos e lhe dá a sentença: “Até o fim dos teus dias estás condenado, canalha. Aqui e além deste século”. Porque olhem só como sofre um coração. Para recuperar a vida de Soledad, para cantar o amor a esta combatente de quatro povos, tive que mergulhar e procurar entender a face do homem, quero dizer, a face do indivíduo que lhe desferiu o golpe da infâmia. Tive que procurar dele a maior proximidade possível, estudá-lo, procurar entendê-lo, e dele posso dizer enfim: o Cabo Anselmo é um personagem que não existe igual, na altura de covardia e frieza, em toda a literatura de espionagem. Isso quer dizer: ele superou os agentes duplos, capazes sempre de crimes realizados com perícia e serenidade. Mas para todos eles há um limite: os espiões não chegam à traição da própria carne, da mulher com quem se envolvem e do futuro filho. Se duvidam da perversão, acompanhem o depoimento de Alípio Freire, escritor e jornalista, ex-preso político:

“É impressionante o informe do senhor Anselmo sobre aquele grupo de militantes – é um documento que foi encontrado no Dops do Paraná. É algo absolutamente inimaginável e que, de tão diferente de todas as ignomínias que conhecemos, nos faltam palavras exatas para nos referirmos ao assunto.

Depois de descrever e informar sobre cada um dos cinco outros camaradas que seriam assassinados, referindo-se a Soledad (sobre a qual dá o histórico de família etc.), o que ele diz é mais ou menos o seguinte:

‘É verdade que estou realmente envolvido pessoalmente com ela e, nesse caso, se for possível, gostaria que não fosse aplicada a solução final’.

Ao longo da minha vida e desde muito cedo aprendi a metabolizar (sem perder a ternura, jamais) as tragédias. Mas fiquei durante umas três semanas acordando à noite, pensando e tentando entender esse abismo, essa voragem”.

Esse crime contra Soledad Barrett Viedma é o caso mais eloquente da guerra suja da ditadura no Brasil. Vocês entendem agora por que o livro é uma ficção que todo o mundo lê como um relato apaixonado. Não seria possível recriar Soledad de outra maneira. No título, lá em cima, escrevi Soledad, a mulher do Cabo Anselmo. Melhor seria ter escrito, Soledad, a mulher de todos os jovens brasileiros. Ou Soledad, a mulher que aprendemos a amar.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Sommarnöje - por Anders Zorn (pintura em tela)

Sobre a corrupção - por Tarso Genro (Carta Maior)

Ao contrário do que torcem - e em parte patrocinam significativos setores da mídia - não está se abrindo uma crise com a instalação da CPI sobre a possível rede criminosa do contraventor Cachoeira. Abre-se, sim, uma extraordinária oportunidade de investigar a fundo, não só um caso concreto, mas os métodos, a cultura, a simbiose (às vezes espontânea e no mais das vezes deliberada), entre o sistema político, o Estado e as organizações criminosas politizadas. Estas, como já está provado, não só interferem na pauta administrativa dos governos, mas também na pauta política dos partidos e podem mancomunar-se com órgãos de imprensa para transitar, ou interesses de grupos econômicos -criminosos ou não- ou interesses dos diferentes partidos aos quais estes órgão são simpáticos.

Para que esta oportunidade seja aproveitada é necessário, porém, que a CPI tenha a predominância de parlamentares que não tenham medo. Não tenham medo de que o seu passado seja revelado - um passado complicado fragilizaria o resultado da CPI -, não tenham medo de ser achincalhados pela imprensa, pois à medida que contrariarem os interesses que ela defende serão ridicularizados por algum motivo ou atacados na sua honradez. Não tenham medo, sobretudo, de encontrar algum resíduo de envolvimento seu, na teia de interesses, manipulada pelo grupo ora apontado como criminoso.

Uma parte da esquerda, na defensiva em função do cerco a que foi submetida principalmente no primeiro governo do Presidente Lula, convenceu-se que as denúncias feitas pela imprensa não passavam de montagens para nos desgastar. Ora, é razoável supor que muitas denúncias são forjadas (em função de brigas entre empreiteiras, por exemplo, ou para desmoralizar lideranças que são importantes para os governos), mas tomar as denúncias como produto de uma conspiração é errado. É deixar de lado que o estado brasileiro, historicamente cartorial, bacharelesco, barroco nos seus procedimentos e forjado sob o patrocínio do nosso liberalismo pouco republicano, tem um sistema político-eleitoral e partidário, totalmente estimulante aos desvios de conduta e às condutas que propiciam a corrupção.

O uso que a mídia faz dos eventos de corrupção, para tentar destruir o PT e a esquerda é, na verdade, um elemento da luta política por projetos diferentes de estado e de democracia. São diferentes concepções de republicanismo que estão em jogo, entre um republicanismo elitista e “globalizado” pelo capital financeiro e um republicanismo plebeu, participativo e aberto aos movimentos dos “de baixo”. Este, considera urgente a redução das desigualdades sociais e regionais, mesmo que isso se choque contra as receitas dos FMI e do Banco Central Europeu: um republicanismo do Consenso de Washington e um republicanismo do anti-Consenso de Washington, é o que está em jogo.

O fato, porém, da corrupção ser “usada” pela mídia, nas suas campanhas anti-esquerda, não quer dizer que ela não exista, inclusive no nosso meio. Então, o que se trata, não é de "amaciar" os fatos, mas de disputar o seu “uso” - o tratamento político dos fatos - para fortalecer uma das duas principais concepções de República que caracterizam o grande embate político nacional na atualidade. O “aceite” deste embate político tem um terreno fértil na CPI, em instalação, e a esquerda brasileira poderá agora, se tiver uma estratégia unitária adequada, amalgamar um conjunto de forças em torno dos seus propósitos republicanos e democráticos.

A atual CPI, ao que tudo indica, vai se debruçar sobre um sofisticado sistema duplamente criminoso: ele promove diretamente, de um lado, a apropriação de recursos públicos para fruição de grupos privados criminosos (através da corrupção) e, de outra parte, promove a deformação ainda maior do sistema político (através de criação de agendas políticas), para cooptar pessoas, vincular mandatos ao crime e, também, certamente, financiar campanhas eleitorais. Se de tudo que está sendo publicado 50% for verdadeiro trata-se de um patamar de organização superior da corrupção, que já adquire um estatuto diferenciado. Nele, o crime e a política não apenas interferem-se, reciprocamente, mas já compõem um todo único, com alto grau de organicidade e sofisticação.

O pior que pode acontecer é que a condução da CPI não permita investigações profundas e que seus membros, eventualmente, cortejem mais os holofotes do que a busca da verdade, ou que ocorram acordos para “flexibilizar” resultados, por realismo eleitoral. Nesta hipótese, ficarão fortalecidos aqueles que hoje estão empenhados em desgastar a esfera da política, que significa relativizar, cada vez mais, a força das instituições do estado e o sentido republicano da nossa democracia.

Este serviço, aliás, já está sendo feito pela oposição de direita ao governo Dilma, pois já conseguiram semear a informação que o governo “está preocupado” com os resultados da CPI. A oposição demo-tucana faz isso com objetivos muitos claros: para que todos esqueçam as raízes partidárias profundas, já visíveis, neste escândalo de repercussão mundial, mas que também é uma boa oportunidade de virada republicana na democracia brasileira.

(*) Tarso Genro é governador do Estado do Rio Grande do Sul.