O mercado de trabalho dá sinais de forte aquecimento em 2010. Em fevereiro, a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas ficou em 7,1%, feito o ajuste sazonal, a mais baixa da série histórica iniciada em 2001, segundo a Rosenberg & Associados. A geração de empregos é bastante significativa, com intensa criação de postos com carteira assinada, e há indícios de escassez de mão de obra qualificada em segmentos como a construção civil. A expectativa generalizada é de que a taxa média de desemprego neste ano ficará abaixo dos 7,9% de 2008, até hoje a menor da série – há quem aposte num número na casa de 7%, como a economista Luiza Rodrigues, do Santander.
Com a consolidação de um crescimento mais elevado e menos volátil nos últimos anos, a desocupação parece ter mudado estruturalmente de patamar, rodando bem abaixo dos cerca de dois dígitos que se observavam até 2006. Para a maior parte dos analistas, essa força no mercado de trabalho ajuda a pressionar a inflação, sendo um dos fatores que levarão o Banco Central a elevar os juros neste mês.
A forte geração de empregos é um dos pontos que chamam a atenção neste ano. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que faz o raio-X nas seis principais regiões metropolitanas e capta também o que se passa no setor informal, o estoque de ocupados em fevereiro aumentou 3,5% em relação ao mesmo mês de 2009. “Na média dos três meses anteriores, o número de ocupados em fevereiro subiu 2,2%. A alta neste ano ficou bem acima da sazonalidade do período”, diz Luiza.
O supervisor técnico da Pesquisa de Emprego e Desemprego do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Sérgio Mendonça, ressalta que o crescimento recente da economia se dá com mais força em setores ligados ao mercado interno, como serviços, comércio e construção civil. São segmentos que empregam bastante, diz ele, observando que está em curso uma retomada das contratações na indústria, também nos setores mais dependentes do mercado doméstico. “Outra boa notícia é o aumento expressivo dos postos com carteira assinada.”
O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, diz que o aumento da ocupação espalhou-se por vários setores, com destaque para a construção civil, “em franca expansão”. Pela PME, o número de ocupados no setor cresceu 8,1% sobre fevereiro do ano passado. No setor de serviços, a alta foi de 3,5% e na indústria, de 2,1%.
Os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de janeiro e fevereiro também retratam a pujança no começo do ano. No primeiro bimestre, o saldo entre contratações e demissões no segmento formal ficou positivo em 390,8 mil vagas. Na construção civil, foram gerados 89 mil postos formais no período, um número expressivo, que ocorreu após o resultado significativo de 2009 – no ano passado, houve a criação de 297.157 vagas no setor, com as demissões superando as contratações apenas em dezembro, mês em que tradicionalmente há perdas de postos de trabalho. “Esse é um setor em que já falta de mão de obra qualificada”, diz a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara.
No Índice Nacional dos Custos da Construção (INCC) de março, o grupo mão de obra subiu 0,4%, alta pouco expressiva, mas que foge à sazonalidade do indicador. Em março de 2008, o aumento desse grupo foi de 0,15% e em março de 2009, de 0,1%. As maiores elevações desses custos costumam aparecer em maio, refletindo os dissídios da categoria. Em São Paulo, a data-base é 1º de maio.
Um dos fatores que explicam o bom momento do mercado de trabalho é a expectativa de que a demanda doméstica continuará firme em 2010 e, possivelmente, também em 2011, ainda que a um ritmo um pouco mais fraco do que neste ano, diz o economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos. Com a perspectiva de um crescimento expressivo do PIB, entre 5,5% e 6%, as empresas fazem mais contratações, para atender à demanda crescente.
Números da Sondagem da Fundação Getulio Vargas (FGV), apontam para alta de 14,6% na capacidade instalada em 2010, a maior em oito anos. Camargo também aponta uma mudança estrutural recente que colabora para a maior formalização do mercado de trabalho brasileiro. Com a entrada em vigor em 2007 da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, que instituiu o Supersimples, ficou mais barato para empresas de menor porte registrarem os funcionários.
Em fevereiro, a taxa de desemprego ficou em 7,4% na série original (que não retira as influências sazonais), bastante inferior aos 8,5% do mesmo mês de 2009, período em que o Brasil sofria bastante com a crise. Os analistas destacam que a taxa ficou num nível baixo mesmo com o forte aumento do número de trabalhadores em busca de emprego. A população economicamente ativa (PEA) avançou 2,2% sobre fevereiro de 2009, ritmo bem superior ao 1,1% de janeiro. Com o aquecimento da economia, mais pessoas se dispõem a procurar trabalho, numa redução do chamado desalento. Romão vê uma redução estrutural do nível de desemprego no país, dado o crescimento mais forte que se consolidou nos últimos anos.
Com a expansão significativa do emprego e da renda, vários analistas veem pressões inflacionárias provenientes do mercado de trabalho. Para este ano, Luiza prevê uma alta de 5,5% da massa salarial real, resultado da combinação de um aumento de 3% do rendimento acima da inflação e de 2,4% da ocupação. Em 2009, a massa salarial aumentou 3,1%. O consumidor fica mais propenso a aceitar aumentos de preços, e os serviços (como cabeleireiro, aluguel, conserto de automóvel, mensalidades escolares) ficam mais pressionados.
No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), os serviços subiram 6,85% nos 12 meses até março, acima da alta de 5,09% do indicador “cheio”. Thaís e Camargo veem na situação no mercado de trabalho um fator importante para o BC elevar juros.
Romão também vê um mercado aquecido, mas faz algumas qualificações. Se o quadro é apertado na construção civil, parece haver alguma folga na indústria de transformação, avalia. Nesse segmento, observa, as contratações subiram com força a partir de agosto do ano passado, mas ainda faltam 211,2 mil vagas para que se recuperem os postos formais perdidos na crise, especialmente entre novembro de 2008 e março de 2009.
Para ele, a taxa média de desemprego neste ano ficará em 7,7%, mais alta que os 7% ou 7,1% estimados por Luiza. Romão trabalha com uma taxa um pouco mais alta, por acreditar que o número de pessoas em busca de emprego vai crescer com força. Ele aposta numa alta de 2,8% para a PEA, abaixo dos 3,2% do número de ocupados, mas um crescimento elevado. Com isso, a taxa média de desemprego não cai tanto nas contas de Romão.
Em 2008, o BC divulgou estimativas de qual seria a “taxa natural de desemprego” no Brasil – aquela que não acelera a inflação. Dependendo da metodologia adotada, ela ficaria entre 7,4% e 8,5%. A taxa dessazonalizada em fevereiro, de 7,1%, já está abaixo até mesmo do piso dessas projeções, o que indicaria situação de pleno emprego.
A taxa natural de desocupação é um conceito bastante controvertido, atacado por economistas como o ex-ministro Antonio Delfim Netto, que aponta as “variâncias gigantescas” que aparecem nas estimativas. Luiza acha que se trata de um conceito válido, mas acredita que o número pode ter caído para 7% ou um pouco menos. O trabalhador hoje é um pouco mais qualificado, o que o torna mais produtivo, diz ela. Romão observa ainda que, no Brasil, a informalidade é grande e o rendimento médio é muito baixo. Com isso, é mais difícil afirmar que a taxa está num nível que acelera a inflação.
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