"O petróleo é nosso". Esta batalha os vetustos donos do poder perderam.
Foto: José Vieira Trovão / Ag. Petrobras
Há 60 anos, estudante de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, cheguei a me sentir pessoalmente atingido pelos editoriais dos jornalões. Mania de grandeza, a minha. A velha e sempre nova academia tornara-se um centro importante das manifestações que agitavam o País consciente à sombra do lema “O Petróleo É Nosso”. Bandeira altiva e justa, desfraldada na perspectiva de um futuro que imaginávamos muito próximo. A mídia reagia enfurecida, clamava contra tamanho atrevimento, forma tola de nacionalismo a ignorar a nossa incompetência e nossos compromissos internacionais.
Os jornalões mastigavam fel diante de um duplo desafio: contra as irmãs do petróleo e, pior ainda, contra o império americano em plena Guerra Fria, contra aquele Tio Sam chamado pelo Altíssimo a nos defender da ameaça marxista-leninista. Era a irredutível vocação de súdito-capacho pronunciada com a pompa do estilo cartorial, próprio dos editoriais daquele tempo, e deste até.
Nos jornais de hoje leio que a direção da Petrobras foi trocada pela presidenta Dilma, insatisfeita com a gestão e determinada a controlar mais de perto o desempenho da estatal. Onde será que os perdigueiros das redações colhem informações? Antes de incomodar meus pacientes botões, anoto a observação de um amigo: “Na própria reunião de pauta”. Ou seja, antes de sair a campo, o perdigueiro sabe, pela ordem da chefia, o que haverá de contar aos amáveis leitores.
Da boca de Lula já ouvi a seguinte consideração: “Se o presidente da República conta no máximo com oito anos de mandato, por que o diretor de uma estatal deveria ter mais?” A troca da guarda na Petrobras estava decidida há tempo, mas a presidenta Dilma não tem motivo algum de insatisfação a respeito da gestão de José Sergio Gabrielli. É do conhecimento até do mundo mineral que, sob o comando de Gabrielli, o valor de mercado da Petrobras fermentou de 14 bilhões de dólares para 160, o pré-sal foi descoberto e o Brasil tornou-se o 11º produtor de petróleo do mundo. Segundo The Economist, por essa trilha chega a quinto até 2020.
As pedras sabem também que Dilma Rousseff, depois de ocupar a pasta de Minas e Energias no primeiro mandato de Lula, ao assumir a Casa Civil passou a acumular a presidência do Conselho de Administração da Petrobras e manteve estreita ligação com Gabrielli. Talvez a mídia nativa continue aquém do mundo mineral. Reconheça-se, contudo, a sua coerência. Ao longo dos últimos 60 anos, o petróleo ficou claramente nosso e a Petrobras tornou-se uma realidade empolgante, mas a mídia não mudou. Em relação a estas questões, a sua contrariedade se mantém, além de transparente, patética.
Por 60 anos a fio, os barões do jornalismo não perderam a oportunidade de tomar o partido do Tio Sam e das irmãs do petróleo até ensaiar a revanche ao propor a privatização da nossa estatal. Devemos atribuir a um milagre o fato de que Fernando Henrique não tenha atendido aos insistentes, poderosos pedidos. Certo é que a tentação o roçou perigosamente. Quem sabe caiba um agradecimento especial a Nossa Senhora Aparecida se os editorialões acabaram por cair no vazio.
Agrada-me recordar 1952 e aquele fervor juvenil. Ali nasceu a Petrobras com a chancela de Getúlio Vargas, figura contraditória de estadista manchada pelo período ditatorial e valorizada pela visão do futuro, partilhada, por exemplo, pela juventude do Largo de São Francisco. Getúlio era então o presidente eleito, empenhado em firmar os caminhos da industrialização inaugurados por obras como Volta Redonda, as Leis do Trabalho, a criação do salário mínimo. A imprensa só enxergava então os riscos da mudança, ameaça para tudo aquilo que representava. A Petrobras seria mais um pecado getulista, a ser pago, juntamente com os demais, pelo tiro que ecoou no Catete na manhã de um dia de agosto de 1954. Ocorre-me que o desespero do suicida tenha aflorado com prepotência ao perceber a resistência insana dos vetustos donos do poder e ao imaginar por isso um futuro bem mais distante do que esperavam os moços do Largo.
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