terça-feira, 28 de agosto de 2012

O julgamento do mensalão

Realmente esta história do mensalão é de dar engulhos.
Por um lado, porque não agrega nada a cultura política do país (os equívocos dantes cometidos são sumariamente repetidos – especialmente os vinculados ao financiamento das campanhas), fica como um erro pontual e não sistêmico, que é o caso – bem citado no texto "As lições não aprendidas do mensalão", do Luis Nassif.

Só pra deixar bem claro: os problemas éticos e morais que o presidente Lula teve em sua base de apoio não foram muitos até o mensalão (quando supostamente teria sido descoberta e alterada a forma como se praticava a interlocução governo-congresso), os problemas com certeza foram muito mais graves depois do mensalão, pois, para garantir que não haveria contestações institucionais ao seu governo (já que a porca oposição udenista que temos tentou dar um golpe com um impeachment no presidente Lula – plano malfadado pela falta de apoio popular), ele ampliou imensamente a base de sustentação do seu governo, assimilando a pior escória da política brasileira. Assimilou esta escumalha do jeito clássico criado por FHC: via emendas parlamentares e cargos governamentais.
É isto que a ignorância moralista não consegue enxergar: o mensalão é um embuste, mas coisa pior é aplicada sumariamente nos governos federal, estaduais e municipais, o “mensalão branco”, via emendas e cargos.
Bruno Covas: disse que não disse que não tinha
dito o que disse, mas que disse outra coisa diferente
do que as pessoas pensam que ele disse (?).
Só para lembrar um caso clássico que citei pouco tempo atrás aqui no blog, o deputado Bruno Covas (PSDB-SP), disse que ao conseguir uma emenda de cinquenta mil reais para uma cidade do interior, o prefeito quis lhe “devolver” cinco mil reais. Os notórios 10% de propina. Segundo Covas, ele disse para o prefeito doar este valor para Santa Casa.
Escrevi sobre o caso aqui no Política Nada Imparcial:

Lembra até a fala do Bruno Covas (deputado estadual de SP), dizendo que, ao se deparar com o esquema de vendas de emendas parlamentares - fato absolutamente comum na assembleia legislativa (tucana) paulista segundo sua fala - ele pediu então para que a "sua parte", sua cota da propina, fosse doada a uma instituição de caridade. Depois disse que não havia dito isso. Confrontado com a gravação da entrevista dada ao jornal, que comprovava que ele de fato havia dito o que o jornal publicou, ele disse que não disse que não tinha dito o que disse, mas que disse outra coisa diferente do que as pessoas pensam que ele disse. Confuso? A culpa não é minha, é da explicação (?).

Pouco tempo atrás, escrevi por aqui também:

De fato é impressionante: no caso Collor e nas operações Castelo de Areia e Satiagraha há provas incontestáveis – até vídeo da tentativa de suborno perpetrada pelos asseclas de Daniel Dantas nesta última (gravação esta autorizada por um juiz federal).
Ainda assim, nos três casos eles foram inocentados, pois as provas foram anuladas – ou seja, não interessa se os delitos foram cometidos, ou não, mas sim a suposta validade das provas.
No mensalão não há prova nenhuma do pagamento mensal de parlamentares para que votassem a favor do governo. Nenhuma. Mas isto não interessa. Se os fatos não coadunam com o que alguns pensam, danem-se os fatos.
Tudo leva a crer que os acusados serão condenados não pelo que supostamente cometeram, mas sim porque os donos do poder assim querem que sejam.
Isto é Brasil.


Luiz Fux: o ônus da prova cabe ao acusado
Foto: André Coelho
Escrevi pouco, é ainda pior do que isto: o afã do ministro Luiz Fux (ministro nomeado pela Dilma, frise-se) em condenar era tamanho, a adaga da vingança (e não da justiça) era tão afiada, que ele ia condenar um dos acusados por crime ao qual ele sequer era acusado! (o ministro Joaquim Barbosa o corrigiu a tempo).
O Luiz Fux chegou a cometer a excrescência de escrever que o então deputado João Paulo Cunha não provou claramente como foram gastos os cinquenta mil reais que sua esposa sacou – segundo João Paulo Cunha, para pagar pesquisa eleitoral.
Para Luiz Fux, portanto, o ônus da prova cabe ao acusado!
Para conseguir um jeitinho de se condenar os acusados no julgamento do mensalão, seus ministros estão chegando ao ridículo de alterar uma regra basilar do direito mundial – só aplicada em regimes ditatoriais, como o do Estado Novo: o ônus da prova esta cabendo ao acusado.
Ainda segundo Fux, deve haver uma “flexibilização das provas” nos megadelitos. Pensava eu que se fosse para ter este pensamento torto, seria justamente o contrário: nos crimes de menor monta, onde dificilmente podem ser encontradas provas (poucas pessoas envolvidas, inexistência de provas eletrônicas, ausência de investigação mais apurada, etc.) é que se poderia “flexibilizar” as provas. Ainda sim, não sei se seria correto. Mas para ele, não. Apesar dos anos de massacre, investigações da imprensa, CGU, TCU, ministério público federal, polícia federal, ainda assim, deve haver uma “flexibilização” das provas.
Mas para condenar os (já) condenados, vale tudo, não é mesmo?


A ministra Rosa Weber também não deixou por menos:
Rosa Weber: "elasticidade" na admissão das provas
"Nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação".
Como compreender “elasticidade” das provas? É o mesmo caso da “flexibilização” de Fux: ou as provas existem, ou não. Ponto. Provas são provas. Na verdade este julgamento esta inaugurando uma nova seara no campo jurídico, a prova-mola. consegue provar nada sobre as acusações, mas ao menos é elástica, flexível.

É impressionante que ocorra um descalabro destes justamente em um julgamento ocorrido na última instância, já que os acusados não poderão recorrer à outra instância – a não ser, talvez, que recorram ao bispo.
Pelo clima de linchamento criado pela velha mídia, entretanto, fatalmente não seriam perdoados pela autoridade eclesiástica: seriam sumariamente excomungados para o inferno.


Realmente, o julgamento do mensalão esta entrando pela história – através do esgoto.

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