Para o empresário Oded Grajew, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo e um dos idealizadores do plano de metas de São Paulo, o balanço apresentado ontem pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD) tem problemas.
Em entrevista à Folha, ele afirmou que algumas metas receberam o carimbo do cumprimento, mas não estão claros os critérios usados.
Ontem, Kassab voltou a "[criticar]": a entidade, sem citá-la nominalmente, ao dizer que os idealizadores do plano agem de que Grajew acompanhava o plano "de uma maneira muito desleal e irresponsável".
"Se ele tivesse cumprido as metas, ficaria radiante, não falaria isso. Mas, como não cumpriu, diz que é uso político", afirmou Grajew.
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Folha - Você considera que o prefeito Gilberto Kassab (PSD) teve eficácia de 81% no cumprimento de metas?
Oded Grajew - Como não conseguiu cumprir as metas, ele está sofismando. Não levou a sério no começo e não se preocupou a fazer, por exemplo, os hospitais. Não houve empenho. Pensou que as metas seriam esquecidas pela sociedade. O balanço tem vários problemas. Mesmo as metas que diz que foram cumpridas, não foram. E o índice de eficácia que ele está considerando para metas não cumpridas é uma enganação. É uma desculpa. Se ele tivesse 81% de eficácia mesmo, não faria a divulgação um dia depois do Natal. Faria, antes para aproveitar quando todo mundo ainda estava na cidade. Ele e o Serra teriam ostentado isso em toda a campanha, e o Serra teria sido eleito e ele sairia com a popularidade alta. A população sabe que se ele tivesse cumprido 81% das metas, a cidade não estaria desse jeito. Apresentou agora exatamente para que não houvesse ninguém para contestar. O principal problema da cidade, de leitos hospitalares, não estaria tão mal avaliado. É muito sintomático fazer isso um dia depois do Natal. Isso foi calculado.
Quais metas aparecem como cumpridas e não foram?
Na meta "São Paulo preparada para a Copa", ele cumpriu 0%. Se a abertura da Copa fosse hoje, o que ia acontecer? Não ia ter transporte, estádio, aeroporto pronto.
Em relação à meta "compras sustentáveis", que seria de compras com condicionantes ambientais e sociais, a única coisa que o secretário (do Verde e Meio Ambiente) Eduardo Jorge fez foi mandar uma carta para os outros secretários. Mas teria que ter mudado o sistema de compras. A meta de colocar na creche todas as crianças cadastradas não foi cumprida. Ele usou o número de crianças cadastradas no começo da gestão, mas essa não era a meta. Hoje há 170 mil crianças cadastradas na fila. E tem a meta de ciclovias. Ciclovia é exclusiva todos os dias, 24 horas, só para bicicleta. Ciclofaixa é outra coisa, é lazer, não tem a ver com mobilidade. Aí quando a gente pediu na secretaria quantos km eram de ciclofaixa e quantos de ciclovia, não forneceram. Dá pra notar que não é uma coisa feita de boa-fé.
Vocês tiveram dificuldade de obter informações?
O Kassab dificultou bastante o acesso. Tem uma lei sobre a qualidade dos serviços públicos, regulamentada há seis anos, que obriga a dar informações, por exemplo, sobre tempo de espera para consulta nos hospitais, tempo de espera no ponto de ônibus. Nós pedimos então com base na lei, e não deram. Não queríamos judicializar. Essa é uma lei importante a ser cumprida. Agora o Haddad, como qualquer prefeito, tem obrigação de fornecer esses dados.
O prefeito Gilberto Kassab diz que houve uso político do plano de metas. Você concorda?
Quando ele apresentou o Plano de Metas, ele estava todo sorridente com o Movimento Nossa São Paulo. Montamos um processo de acompanhamento, porque era muito importante que essa lei fosse absorvida pela sociedade. Uma coisa é aprová-la. Outra coisa é ela ser conhecido pela população. Divulgamos o cumprimento das metas no site, nos nossos encontros, e o Kassab começou a não gostar. E aí foi formado um conselho de acompanhamento das metas. Sabe como ele fez a eleição? Colocou a convocação no Diário Oficial do município em um sábado. O prazo para apresentar a candidatura era na segunda. Quem está no conselho? Só amigos. Ele deu várias entrevistas dizendo que "essas pessoas" (nós) agem de má fé, porque usam as metas politicamente. Se ele tivesse cumprido as metas, ficaria radiante, não falaria isso. Mas como não cumpriu, diz que é uso político. O melhor indicador de que ele falhou nas metas é ele ter escondido na campanha. Ele divulgou o balanço escondido, envergonhado.
Promessas de campanha precisam estar no Plano de Metas?
O Haddad prometeu 150 km de corredores de ônibus, três hospitais, tudo isso vai ter que estar no plano de metas. Tudo que foi colocado no programa eleitoral vai te vai ter que constar.
O fato de o Kassab ter cumprido cerca de metade das metas apenas não pode fazer com que os próximos prefeitos passem a se comprometer com metas pouco ambiciosas?
Se o Haddad for pouco ousado vai ser ruim. Quando ele fizer um balanço ao final da gestão, mesmo que cumpra tudo, vão dizer: mas também ele não foi ousado. Não adianta fazer metas medíocres, porque vai ser muito criticado. Mas na campanha já colocou coisas que não são muitos fáceis, como os 150 km de corredores de ônibus. O Kassab não fez nenhum.
Como foi criado o projeto de lei do plano de metas?
Quando começou a ideia da Rede Nossa São Paulo, fomos ver como a sociedade age em muitos lugares do mundo. Uma coisa que fizemos foi viajar para Bogotá, no começo de 2007. Lá tem uma legislação nacional que obriga, já no processo eleitoral, os candidatos a apresentar um programa com metas. É o voto programático. O candidato é o portador de um programa. Se ele sair do programa, ele está sujeito a impeachment porque enganou o eleitor. Quando voltamos ao Brasil, percebemos que seria difícil fazer uma legislação eleitoral. Então reunimos um grupo de advogados e juristas e fizemos o projeto de lei e fomos apresentar na Câmara Municipal. Falei com todas as lideranças. Fizemos um lançamento na Câmara, chamamos empresários, foi uma pressão razoável. Tentamos mostrar para o Kassab que ele podia capitalizar politicamente.
O prefeito tem autonomia para definir suas metas?
Ele tem que apresentar metas para todas as áreas e regiões e incluir o que apresentou na campanha, até 31 março. Aí são feitas audiências em cada uma das 31 subprefeituras. Mas ele não mudou nada, as audiências foram proforma. Nenhuma sugestão da população foi incorporada.
Qual é a importância das metas?
Essa história das metas é uma grande mudança na cultura política. Entrou muito nessa campanha eleitoral e vai entrar nas outras. A sociedade passa a acompanhar. Há várias organizações da sociedade civil que montaram suas metas e entregaram para os candidatos. Você passa a avaliar de forma mais objetiva. A campanha fica mais concreta, porque o candidato sabe que as promessas vão para o plano de metas. E nós, da Rede Nossa São Paulo, vamos aperfeiçoar o acompanhamento.
Comentário
Julgo bastante salutar que as candidaturas estabeleçam metas e, depois, estas metas sejam acompanhadas. Você só pode ser aferido se algo é bem feito se você puder medir, diz o slogan de qualidade bem batido.
É evidente que, estando no Brasil, fatalmente os candidatos vão se adaptar a estas metas e conspurcá-las. Por exemplo, estabelecendo 200 metas – 180 irrelevantes e fáceis de serem executadas, e 20 relevantes e difíceis de serem cumpridas. Estas 20, claro, são as que vão para o horário eleitoral. Chega o mandato, as 180, irrelevantes e fáceis de serem cumpridas são evidentemente executadas durante sua gestão, as 20 ou não são executadas, ou só são executadas parcialmente. Quando chegar o período eleitoral, ele pode falar, sem mentir, que 90% de suas metas foram atingidas, não é mesmo?
Outra coisa a se considerar é o fato de grupos específicos que compõem a sociedade estabelecerem suas próprias metas e pedirem que os candidatos se comprometam com elas durante a campanha. Este é um evento recorrente em plataformas eleitorais de outros países (como nos EUA) e, se a priori parece ser uma evolução das campanhas, no meu ponto de vista é um retrocesso, posto que de antemão já se abre espaço para todo tipo de lobby. É bom ter muito, muito cuidado com isto.
Imagina um grupo religioso judeu vincule o seu voto a um compromisso escrito do candidato a presidente a se abster de condenar as atrocidades cometidas por Israel? Ou um grupo cristão exigir do candidato que não tenha em seu mandato nenhum tipo de ação destinada a cobrar impostos das igrejas (o negócio mais rentável dos dias atuais)? Ou empresários pedindo isenção de impostos (ou aumento de impostos de importação) para setor específico? E assim vai...
Para se evitar equívocos, creio que alguns pontos deveriam ser respeitados. As entidades deveriam estabelecer pré-condições, por exemplo, metas para o transporte público. Os programas dos candidatos são comparados e, dali é extraído o que de fato é relevante e, sempre vinculado a metas específicas, com números. Então, não cabe, por exemplo, “aumentar o número de ciclovias”: deve-se estabelecer número exato de quilômetros a se aumentar de ciclovias. E não adianta prometer: vou pintar 100 quilômetros de vias públicas, pois é fácil demais de ser atingido e não passa de uma obrigação.
Creio que as entidades poderiam até estimular os candidatos a estabelecerem metas com relação aos assuntos, “macro-metas” por assim dizer (segurança pública, saúde, educação, trânsito, etc.), mas não exigir concessões específicas (lobby de cada entidade).
Porém, tal feito é difícil, muito difícil. Na última campanha eleitoral, por exemplo, o candidato que diz que se “preparou a vida toda para ser presidente” sequer tinha um plano de governo (!). Aliás, até tinha: como é obrigatório sua apresentação para a justiça eleitoral, o PSDB compilou a fala de dois discursos do José Serra e disse que aquilo era seu programa de governo. Mas, como vi em uma entrevista, anódina entrevista (como sempre ocorrem com candidatos conservadores), quando perguntado sobre seu programa de governo, Serra respondeu que ele era baseado em dois “consistentes” discursos que ele havia feito. Claro, não houve questionamento maior ante um absurdo destes – de fato, Serra quer o poder, quer ser presidente, o que vai fazer quando lá chegar, ninguém sabe – para sorte do Brasil, ele não vai chegar lá.
Agora, o candidato oficial da oposição, que todo mundo sabe (inclusive ele) que será candidato a presidente em 2014, Aécio Never, esta por aí, tem todo tempo do mundo (já que seu desempenho como senador é pífio, sendo recriminado até por seus asseclas), mas esta muito mais preocupado com as noitadas do Rio de Janeiro do que em se preparar para governar o Brasil. Não tem ideias, não tem cultura, não tem um plano de governo, não tem nada: esta muito mais preocupado em curtir a vida do que em se preparar para governar o Brasil.
¿É ou não é uma lástima?
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