O imperialismo cultural americano tem dois grandes objetivos, um econômico e o outro político: capturar mercados para as suas mercadorias culturais e estabelecer hegemonia pela modelação da consciência popular. A exportação do entretenimento é uma das mais importantes fontes de acumulação de capital e de lucros globais, deslocando as exportações manufatureiras. Na esfera política, o imperialismo cultural desempenha uma grande papel na dissociação das pessoas das suas raízes culturais e tradições de solidariedade, substituindo-as com necessidades criadas pelos media, as quais mudam a cada campanha publicitária. O efeito político é alienar pessoas dos vínculos tradicionais de classe e de comunidade, atomizando e separando os indivíduos um do outro. O imperialismo cultural enfatiza a segmentação da classe trabalhadora: os trabalhadores estáveis são estimulados a dissociarem-se dos trabalhadores temporários, o quais por sua vez separam-se dos desempregados, os quais são mais uma vez segmentados entre eles próprios dentro da “economia subterrânea”. O imperialismo cultural estimula o povo trabalhador a pensar de si próprio como parte de uma hierarquia, enfatizando diminutas diferenças de estilo de vida, de raça e de gênero com as que estão abaixo deles, ao invés de estimular as enormes desigualdades que as separam daqueles que estão acima delas.
O alvo principal do imperialismo cultural é a exploração política e econômica da juventude. O entretenimento imperial e a publicidade alvejam pessoas jovens, que são mais vulneráveis à propaganda comercial americana. A mensagem é simples e direta: “modernidade” é associada com o consumir de produtos dos media americanos. A juventude representa um grande mercado para a exportação cultural americana e são eles os mais susceptíveis à propaganda consumista-individualista. Os mass media manipulam a rebeldia adolescente pela apropriação da linguagem da esquerda e a canalização do descontentamento para extravagâncias culturais.
O imperialismo cultural enfoca a juventude não só como um mercado mas também por razões políticas: para cortar pela base uma ameaça política em que a rebelião pessoal poderia tornar-se revolta política contra formas de controle econômico e cultural.
Ao longo da última década os movimentos progressistas confrontaram um paradoxo: enquanto a grande maioria do povo no Terceiro Mundo experimenta padrões de vida em deterioração, crescente insegurança social e pessoal e decadência dos serviços públicos (enquanto as minorias abastadas prosperaram como nunca antes) a resposta subjetiva a estas condições tem sido revoltas esporádicas, sustentadas, exceto atividades locais e protestos em grande de curta duração. Numa palavra, há um fosso profundo entre as crescentes desigualdades e as condições socioeconômicas por um lado e a fraqueza das respostas revolucionárias ou radicais subjetivas. A maturação das “condições objetivas” no Terceiro Mundo não tem sido acompanhada pelo crescimento das forças subjetivas capazes de transformar o Estado ou a sociedade. É claro que não há relacionamento automático entre regressão socioeconômica e transformação sócio-política. A intervenção cultural (no mais vasto sentido da expressão, incluindo ideologia, consciência, ação social) é a ligação crucial que converte condições objetivos em intervenção política consciente. Paradoxalmente, os elaboradores políticos imperiais parecem ter entendido a importância das dimensões culturais da prática política muito melhor do que os seus adversários.
DOMINAÇÃO CULTURAL E EXPLORAÇÃO GLOBAL
O imperialismo não pode ser entendido meramente como um sistema econômico-militar de controle e exploração. A dominação cultural é uma dimensão integrante de qualquer sistema sustentável de exploração global.
Em relação ao Terceiro Mundo, o imperialismo cultural pode ser definido como a penetração sistemática e a dominação da vida cultural das classes populares pela classe dirigente do Ocidente a fim de reordenar os valores, o comportamento, as instituições e a identidade dos povos oprimidos para que se conformem aos interesses das classes imperiais. O imperialismo cultural tem assumido tanto formas “tradicionais” como modernas. Nos séculos passados, a Igreja, o sistema educacional e as autoridades públicas desempenharam um grande papel ao inculcar os povos nativos com ideias de submissão e lealdade em nome de princípios divinos ou absolutistas. Se bem que estes mecanismos “tradicionais” de imperialismo cultura ainda operem, novas instrumentalidades modernas enraizadas em instituições contemporâneas tornaram-se cada vez mais centrais para a dominação imperial. Os mass media, a propaganda, a publicidade, os humoristas e os intelectuais desempenham um grande papel hoje. No mundo contemporâneo, Hollywood, CNN e Disneylândia são mais influentes do que o Vaticano, a Bíblia ou a retórica de relações públicas das figuras políticas. A penetração cultura está estreitamente ligada à dominação político-militar e à exploração econômica. As intervenções militares americanas em apoio dos regimes genocidas na América Central, que protege os seus interesses econômicos, são acompanhadas por intensa penetração cultural. Evangélicos americanos financiados invadem aldeias indianas para inculcarem mensagens de submissão entre as vítimas do campesinato indiano. Conferências internacionais são patrocinadas por intelectuais domesticados a fim de discutir “democracia e mercado”. Programas escapistas de televisão semeiam ilusões de “um outro mundo”. A penetração cultural é a extensão da guerra de contra-insurgência por meios não-militares.
NOVOS DISPOSITIVOS DE COLONIALISMO CULTURAL
O colonialismo cultural contemporâneo (CCC) é diferente das práticas do passado em vários sentidos:
1) Está orientado para a captura de audiências de massa, não apenas para converter elites.
2) Os mass media, particularmente a televisão, invadem os lares funcionam a partir de “dentro” e de “baixo” bem como de “fora” e de “cima”.
3) O CCC é de âmbito global e homogeneizador no seu impacto: a pretensão de universalismo serve para mistificar os símbolos, os objetivos e os interesses da potência imperial.
4) Os mass media como instrumentos do imperialismo cultural hoje são “privados” apenas num sentido formal: a ausência de ligações formais com o Estado proporciona uma cobertura legítima para os media privados projetarem os interesses do Estado imperial como”“notícias” ou “entretenimento”“
5) Sob o imperialismo contemporâneo, os interesses políticos são projetados através de assuntos não-imperiais: foco de reportagens com notícias de biografias pessoais de camponeses-soldados mercenários na América Central e sorridentes trabalhadores negros americanos na Guerra do Golfo.
6) Devido ao fosso crescente entre a promessa de paz e prosperidade sob o capital desregulamentado e a realidade do aumento da miséria e da violência, os mass media estreitaram ainda mais as possibilidade de perspectivas alternativas nos seus programas. O controle cultura total é a contrapartida da separação total entre a brutalidade do capitalismo realmente existente e as promessas ilusórias do mercado livre.
7) Para paralisar respostas coletivas, o colonialismo cultural procura destruir identidades nacionais ou esvaziá-las de conteúdo socioeconômico substantivo. Para romper a solidariedade de comunidades, o imperialismo cultural promove o culto da “modernidade” como conformidade com símbolos externos. Em nome da “individualidade”, laços sociais são atacados e personalidades são remoldadas em conformidade com os ditados das mensagens dos media. Enquanto as armas imperiais desarticulam a sociedade civil, e os bancos pilham a economia, os media imperiais suprem os indivíduos com identidades escapistas.
O imperialismo cultura fornece devastadoras caricaturas demonológicas dos seus adversários revolucionários, ao mesmo tempo que estimulam a amnésia coletiva da violência maciça dos países pró-ocidentais. Os mass media ocidentais nunca relembram a sua audiência do assassínio pelos regimes anti-comunistas pró-EUA de 100 mil índios na Guatemala, de 75 mil trabalhadores
MASS MEDIA: PROPAGANDA E ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
Os mass media são uma das principais fontes de riqueza e poder para o capital americanos à medida que estende as suas redes de comunicações através do mundo. Uma porcentagem crescente dos norte-americanos mais ricos extraem a sua riqueza dos mass media. Dentre os 400 americanos mais ricos a porcentagem que deriva a sua riqueza dos mass media aumentou de 9,5 por cento em 1982 para 18 por cento em 1989. Hoje, quase um em cada cinco entre os norte-americanos mais ricos obtêm a sua riqueza dos mass media. O capitalismo cultural deslocou o manufatureiro como fonte de riqueza e influência nos EUA.
Os mass media tornaram-se uma parte integral do sistema de controle político e social global americano, bem como uma grande fonte de super-lucros. À medida que os níveis de exploração, desigualdade e pobreza aumentam no Terceiro Mundo, as comunicações de massa controladas pelo ocidente operam no sentido de converter um público crítico numa massa passiva. As celebridades dos medias e do entretenimento em massa ocidentais tornaram-se ingredientes importantes no desvio da potencial inquietação política. A presidência Reagan destacou a centralidade da manipulação dos media através de altamente visíveis mas politicamente reacionários apresentadores (entertainers) , um fenômeno que se espalhou pela América Latina e na Ásia.
Há uma relação direta entre o aumento do número de receptores de televisão na América Latina, o declínio do rendimento e a diminuição da luta de massa. Entre 1980 e 1990 o número de televisores na América Latina por habitante aumentou 40 por cento, enquanto o rendimento médio real diminuiu 40 por cento, e um conjunto de candidatos políticos neoliberais dependentes decisivamente de imagens de televisão ganhou a presidência.
O aumento da penetração dos mass media entre os pobres, os crescentes investimentos e lucros das corporações americanas com a venda de mercadorias culturais e a saturação de audiências de massa com mensagens que fornecem aos pobres experiências de segunda mão de consumo individual e aventura define o atual desafio do colonialismo cultural.
As mensagens dos media americanos são alienantes para o povo do Terceiro Mundo num duplo sentido. Elas criam ilusões acerca de obrigações “internacionais” e “trans-classistas”. Através de imagens de televisão são estabelecidas falsas intimidades e ligações imaginárias entre as pessoas bem sucedidas dos media e os espectadores empobrecidos nos “barrios”. Esta ligação proporciona um canal através do qual o discurso de soluções individuais para problemas privados é propagado. A mensagem é clara. As vítimas são culpadas pela sua própria pobreza, o êxito depende de esforços individuais. As grandes TV por satélite, as saídas dos mass media americanos e europeus na América Latina, evitam qualquer crítica às origens político-econômicas e às consequências do novo imperialismo cultural que temporariamente desorientaram e imobilizaram milhões de empobrecidos latino-americanos.
O IMPERIALISMO E A POLÍTICA DA LINGUAGEM
O imperialismo cultural desenvolveu uma estratégia dual para conter a esquerda e estabelecer hegemonia. Por um lado, procura corromper a linguagem política da esquerda; por outro, atua no sentido de dessensibilizar o público geral para as atrocidades cometidas pelas potências ocidentais. Durante os anos 80 os mass media ocidentais apropriaram-se sistematicamente de ideias básicas da esquerda, esvaziando-as do seu conteúdo original e reenchendo-o com uma mensagem reacionária. Exemplo: os mass media descreviam os políticos que tentavam restaurar o capitalismo e estimular desigualdades como “reformadores” ou “revolucionários”, ao passo que os seus oponentes eram etiquetados como “conservadores”. O imperialismo cultural procura promover a confusão ideológica e a desorientação política revertendo o significado da linguagem política. Muitos indivíduos progressistas ficaram desorientados por esta manipulação ideológica. Em consequência, ficaram vulneráveis às afirmações daqueles ideólogos imperiais que argumentam que os termos “direita” e “esquerda” são destituídos de qualquer significado, que as distinções perderam significância, que as ideologias nada mais representam. Pela corrupção da linguagem da esquerda e distorção do conteúdo da esquerda e direita, os imperialistas culturais têm esperança de minar os apelos políticos e práticas políticas dos movimentos anti-imperialistas.
A segunda estratégia do imperialismo cultural foi dessensibilizar o público; tornar o assassínio em massa pelos Estados ocidentais coisa rotineira, atividades aceitáveis. Os bombardeamentos em massa no Iraque foram apresentados na forma de vídeo games. Ao trivializar crimes contra a humanidade, o público é dessensibilizado da sua crenças tradicional de que provocar o sofrimento humano é errado. Ao enfatizar a modernidade das novas técnicas de travar a guerra, os mass media glorificam a elite do poder existente — as tecno-guerras do ocidente. O imperialismo cultural hoje inclui relatos de “notícias” em que as armas de destruição em massa são apresentadas com atributos humanos ao passo que as vítimas no Terceiro Mundo são “agressores-terroristas” sem rosto.
A manipulação cultural global é sustentada pela corrupção da linguagem política. Na Europa do Leste, especuladores e mafiosos que se apossaram de terra, empresas e riqueza são descritos como “reformadores”. Contrabandistas são descritos como “empresários inovadores”. No ocidente, a concentração de poder absoluto para contratar e despedir nas mãos da administração e a acrescida vulnerabilidade e insegurança do trabalho é chamada “flexibilidade laboral”. No Terceiro Mundo, a venda de empresas públicas nacionais a monopólios multinacionais gigantes é descrita como “ruptura de monopólios”. “Reconversão” é o eufemismo para o retorno às condição do século XIX de trabalho despojado de todos os benefícios sociais. “Reestruturação” é o retorno à especialização em matérias-primas ou a transferência de rendimento da produção para a especulação. “Desregulação” é a mudança no poder para regular a economia do Estado Previdência nacional para a banca internacional, a elite do poder multinacional. “Ajustamento estrutural” na América Latina significa transferir recursos para investidores e rebaixar pagamento ao trabalho. Os conceitos de esquerda (reforma, reforma agrária, mudanças estruturais) eram originalmente orientados para a distribuição do rendimento. Estes conceitos foram cooptados e tornados símbolos para a reconcentração da riqueza, do rendimento e do poder nas mãos das elites ocidentais. E naturalmente todas as instituições culturais privadas do imperialismo amplificam e propagam esta desinformação orwelliana. O imperialismo cultural contemporâneo degradou a linguagem da libertação, convertendo-as em símbolos da reação.
TERRORISMO CULTURAL: A TIRANIA DO LIBERALISMO
Assim como o terrorismo de Estado ocidental tenta destruir movimentos sociais, governos revolucionários e desarticular a sociedade civil, o terrorismo econômico, tal como praticado pelo FMI e consórcios de bancos privados, destrói indústrias locais, desgasta a propriedade pública e ataca brutalmente famílias assalariadas. O terrorismo cultural é responsável pela deslocação física de locais de atividades culturais e artistas. O terrorismo cultural, aproveitando-se das fraquezas psicológicas e profundas ansiedades das pessoas vulneráveis do Terceiro Mundo, particularmente do seu senso de ser “atrasado”, “tradicional” e oprimido, projeta novas imagens de “mobilidade” e “livre expressão”, destruindo antigos vínculos com a família e a comunidade, enquanto ata novas cadeias de autoridade arbitrária ligadas ao poder corporativo e a mercados comerciais. Os ataques à moderação e obrigações tradicionais é um mecanismo pelo qual o mercado capitalista e o Estado tornam-se o centro final de poder exclusivo. O imperialismo cultural em nome da “auto expressão” tiraniza as pessoas do Terceiro Mundo temerosas de serem etiquetadas como “tradicionais”, seduzindo-as e manipulando-as através de falsas imagens de “modernidade” sem classe. O imperialismo cultura questiona todas as relações preexistentes que são obstáculos a uma e única moderna deidade sagrada: o mercado. Os povos do Terceiro Mundo são entretidos, coagidos, excitados para serem “modernos”, para se submeterem às exigências do mercado capitalista, para abandonarem o vestuário confortável tradicional por mal ajustados e inadequados blue jeans apertados.
O imperialismo cultura funciona melhor através de intermediários colonizados, colaboradores culturais. O protótipo dos colaboradores culturais são os profissionais em ascensão sociais do Terceiro Mundo que imitam o estilo dos seus patrões. Estes colaboradores são servis para com o ocidente e arrogantes para com o seu povo, personalidades autoritárias prototípicas. Apoiados pelos bancos e multinacionais, eles exercem imenso poder através do Estado e dos mass media locais. Imitadores do ocidente, eles são rígidos na sua conformidade com as regras da competição desigual, abrindo o seu país e os seus povos à exploração selvagem em nome do livre comércio. Entre os colaboradores culturais proeminentes destacam-se os intelectuais institucionais que negam a dominação de classe e a guerra de classe imperial por trás do jargão da ciência social objetiva. Eles fetichizam o mercado como o árbitro absoluto do bem e do mal. Por trás da retórica da “cooperação regional”, os intelectuais conformistas atacam a classe trabalhadora e as instituições nacionais que constrangem os movimentos do capital – seus apoiantes são isolados e marginalizados. Hoje, por todo o Terceiro Mundo, o ocidente financia intelectuais locais que abraçaram a ideologia da concertação (colaboração de classe). A noção de interdependência substituiu a de imperialismo. E o mercado mundial desregulado é apresentado como a única alternativa para o desenvolvimento. A ironia é que hoje mais do que nunca o “mercado” tem sido menos favorável ao Terceiro Mundo. Nunca os EUA, a Europa e o Japão foram tão agressivos na exploração do Terceiro Mundo. A alienação cultural dos intelectuais institucionais em relação às realidades globais é um subproduto da ascendência do imperialismo cultura ocidental. Para aqueles intelectuais críticos que recusam juntar-se à celebração do mercado, que estão do lado de fora dos circuitos oficiais de conferências, o desafio é mais uma vez retornar à luta de classe e anti-imperialista.
A NORTE-AMERICANIZAÇÃO E O MITO DE UMA CULTURA INTERNACIONAL
Uma das grandes decepções do nosso tempo é a noção de “internacionalização” de ideias, mercados e movimentos. Tornou-se moda evocar termos como “globalização” ou “internacionalização” para justificar ataques a qualquer ou todas as formas de solidariedade, comunidade, e/ou valores sociais. Sob o disfarce de “internacionalismo”, a Europa e os EUA tornaram-se exportadores dominantes de formas culturais que na maior parte conduzem à despolitização e trivialização da existência de todos os dias. As imagens de mobilidade individual, a pessoa “self-made”, a ênfase sobre a “existência egoísta” (produzida em massa e distribuída pela indústria americana dos mass media) tornaram-se agora instrumentos importantes na dominação do Terceiro Mundo.
O neoliberalismo continua a prosperar não porque ele resolva problemas, mas porque ele serve aos interesses dos ricos e poderosos e vibra entre alguns setores dos empobrecidos empregados por conta própria que pululam nas ruas do Terceiro Mundo. A norte-americanização das culturas do Terceiro Mundo tem lugar com a benção e o apoio das classes dominantes nacionais porque ela contribui para estabilizar o seu domínio. As novas normas culturais – o privado sobre o público, o individual sobre o social, o sensacional e violento sobre as lutas quotidianas e as realidades sociais – tudo contribui para inculcar precisamente os valores egocêntricos que minam a ação coletiva. A cultura de imagens, de experiências transitórias, de conquista sexual, trabalha contra a reflexão, compromisso e sentimentos partilhados de afeição e solidariedade. A norte-americanização da cultura significa focar a atenção popular sobre celebridades, personalidades e mexericos privados – não sobre a profundidade social, substância econômica e a condição humana. O imperialismo cultural distrai da relação de poder e desgasta as formas coletivas de ação social.
A cultura dos media que glorifica os reflexos “provisórios” do capitalismo americano sem raízes – seu poder para contratar e despedir, para movimentar o capital sem respeito para com comunidades. O mito da “libertação da mobilidade” reflete a incapacidade do povo para estabelecer e consolidar raízes comunitárias em face das cambiantes exigências do capital. A cultura norte-americana glorifica o transitório, as relações impessoais como “liberdade” quando de fato estas condições refletem a anomia e a subordinação burocrática de uma massa de indivíduos ao poder do capital corporativo. A norte-americanização envolve um assalto maciço às tradições de solidariedade em nome da modernidade, ataques às lealdades de classe em nome do individualismo, a degradação da democracia através campanhas maciças dos media que enfocam personalidades.
A nova tiraria cultura tem raiz no onipresente e repetitivo discurso do mercado, da cultura homogeneizada do consumo, de um sistema eleitoral degradado. A nova tiraria dos media mantém-se de pé lado a lado com o Estado hierárquico e as instituições econômicas que vão desde os gabinetes dos bancos internacionais às aldeias nos Andes. O segredo do êxito da penetração cultural norte-americana no Terceiro Mundo é sua capacidade para modelar fantasias a fim de escapar à miséria gerado pelo próprio sistema de dominação econômica e militar. Os ingredientes essenciais do novo imperialismo cultural são a fusão do comercialismo-sexualidade-conservadorismo, cada um deles apresentado como expressões idealizadas de necessidades privadas, de auto-realização individual. Para algumas pessoas do Terceiro Mundo imersas em tarefas quotidianas sem perspectivas, lutas pela sobrevivência diária, no meio da sujeira e da degradação, as fantasias dos media norte-americanos, tal como o evangelista, retratam “alguma coisa melhor”, uma esperança numa melhor vida futura – ou pelo menos o prazer indireto de observar outros a desfrutá-la.
IMPACTO DO IMPERIALISMO CULTURAL
Se quisermos entender a ausência de transformação revolucionária, apesar da maturação de condições revolucionárias, devemos reconsiderar o profundo impacto psicológico do Estado de violência, terror político e a profunda penetração dos valores cultural/ideológicos propagados pelos países imperiais e internalizados pelos povos oprimidos. O Estado de violência dos anos 70 e princípios de 80 criaram danos psíquicos a longo prazo e em larga escala – medo de iniciativas radicais, desconfiança de coletividades, um sentimento de impotência perante autoridades estabelecidas – mesmo quando as mesmas autoridades são odiadas. O terror virou o povo “para dentro de si próprio”, em direção a domínios privados.
Posteriormente, políticas neoliberais, uma forma de “terrorismo econômico”, resultaram no encerramento de fábricas, na abolição da proteção legal do trabalho, no crescimento do trabalho temporário, na multiplicação de empresas individuais mal pagas. Estas políticas mais uma vez fragmentaram a classe trabalhadora e as comunidades urbanas. Neste contexto de fragmentação, desconfiança e privatização, a mensagem cultural do imperialismo encontrou campos férteis para explorar as sensibilidades de pessoas vulneráveis, encorajando e aprofundando a alienação pessoal, objetivos auto-centrados e a competição individual sobre recursos cada vez mais escassos.
O imperialismo cultural e os valores que ele promove tem desempenhado um papel importante para impedir indivíduos explorados de responderem coletivamente às suas condições em deterioração. Os símbolos, imagens e ideologias que se difundiram no Terceiro Mundo são obstáculos maiores para a conversão da exploração de classe e crescente miserabilismo em consciência de classe, base para a ação coletiva. A grande vitória do imperialismo é não apenas os lucros materiais, mas sua conquista do espaço íntimo da consciência dos oprimidos, diretamente através dos mass media e indiretamente através da captura (ou rendição) dos seus intelectuais e políticos. Se bem que um renascimento da política revolucionária de massa seja possível, ela deve começar com a guerra não só às condições de exploração como também à cultura que sujeita suas vítimas.
LIMITES DO IMPERIALISMO CULTURAL
Contrariando as pressões do colonialismo cultural está o princípio da realidade: a experiência pessoal de miséria e exploração imposta pelos bancos multinacionais ocidentais, a repressão policial/militar reforçada pelo fornecimento de armas americanas. As realidades diárias, às quais os media escapistas jamais poderão mudar. Dentro da consciência dos povos do Terceiro Mundo há uma luta constante entre o demônio da escapatória individual (cultivada pelos massa media) e o conhecimento intuitivo de que a ação e responsabilidade coletivas são a única resposta prática. Em tempos de mobilizações sociais crescentes, a virtude da solidariedade ganha prioridade; em tempos de derrota e declínio, aos demônios da rapacidade individual é dado livre trânsito.
Há limites absolutos na capacidade do imperialismo cultural para distrair e mistificar pessoas para além do qual inicia-se a rejeição popular. A “mesa da fartura” na TV contrasta com a experiência da cozinha vazia, as escapadelas amorosas de personalidades dos media chocam-se contra uma casa cheia de crianças a engatinharem, chorosas e famélicas. Nas confrontações de rua, a Coca Cola torna-se um coquetel Molotov. A promessa de riqueza torna-se uma afronta àqueles a quem é perpetuamente negada. O empobrecimento prolongado e a decadência generalizada corroem o encanto e o apelo das fantasias dos mass media.
As falsas promessas do imperialismo cultural tornam-se objeto de anedotas amargas, relegadas para outro tempo e outro lugar.
Os apelos do imperialismo cultural são limitados pelos laços duradouros das coletividades – locais e regionais – as quais têm os seus próprios valores e práticas. Onde os laços de classe, de raça, de gênero e de etnia persistem e as práticas de ação coletiva são fortes, a influência dos mass media é limitada ou rejeitada.
Na medida em que as culturas e tradições preexistentes se mantenham, elas formam um “círculo fechado” que integra práticas sociais e culturais voltadas para dentro de si mesmas, não para fora. Em muitas comunidades há uma rejeição clara do discurso “modernista” de desenvolvimento individualista associado com a supremacia do mercado. As raízes históricas para a solidariedade sustentada e para os movimentos anti-imperiais são encontradas em comunidades étnicas e ocupacionais coesas; cidades mineiras, aldeias de pescadores e florestais, concentrações industriais em centros urbanos. Onde trabalho, comunidade e classe convergem com tradições culturais e práticas coletivas, o imperialismo cultural recua.
A efetividade do imperialismo cultural não depende simplesmente das suas qualificações técnicas de manipulação, mas sim da capacidade do Estado de brutalizar a atomizar a massa do povo, privá-la das suas esperanças e da fé coletiva em sociedades igualitárias.
A libertação cultural não significa simplesmente “dar poder” a indivíduos ou classes, mas depende sim do desenvolvimento de uma força sócio-política capaz de confrontar o estado de terror que antecede a conquista cultural. A autonomia cultural depende da força social e a força social é percebida pelas classes dominantes como uma ameaça ao poder econômico e do Estado. Assim como a luta cultural está enraizada em valores de autonomia, comunidade e solidariedade que são necessários para criar a condição de consciência por transformações sociais, é necessária a força política e militar para apoiar as bases culturais das identidades de classe e de nação.
O mais importante: a esquerda deve recriar uma fé e uma visão de uma nova sociedade construída em torno de valores tanto espirituais como materiais: valores de beleza e não apenas de trabalho. A solidariedade ligada à generosidade e à dignidade. Onde os modos de produção estejam subordinados a esforços para fortalecer e aprofundar antigos vínculos pessoais e de amizade.
O socialismo deve reconhecer as aspirações de estar sozinho, de estar na intimidade, assim como de ser social e coletivo. Acima de tudo, a nova visão deve inspirar o povo porque isto vibra com o seu desejo não apenas de ser livre da dominação como de ser livre para criar uma vida pessoal significativa informada por relações afetivas não-instrumentais que tanto transcendam o trabalho quotidiano como inspirem as pessoas a continuarem a lutar. O imperialismo cultural tem êxito quanto à novidade, às relações transitórias e à manipulação pessoal, mas nunca sobre uma visão de laços autênticos, íntimos, baseados sobre a honestidade pessoal, a igualdade de gênero e a solidariedade social.
As imagens pessoais mascaram os assassínios em massa do Estado, assim como a retórica tecnocrática racionaliza as armas de destruição em massa (“bombas inteligentes”). O imperialismo cultural na era da “democracia” deve falsificar a realidade no país imperial a fim de justificar a agressão – através da conversão das vítimas em agressores e dos agressores em vítimas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário