O Brasil passa por uma evidente crise de liderança. Os governantes não só não são capazes de orientar e dirigir a sociedade, mas perderam a virtude da prudência, já que não se antecipam ao advento dos problemas futuros com medidas preventivas. A capacidade de planejar se reduziu ao pagamento de consultorias caríssimas que, depois, na maior parte das vezes, são engavetadas. Desta forma, os problemas se acumularam e a maior parte deles se tornou insolúvel. O câncer tomou conta do organismo do Estado e os remédios estão chegando tarde demais para curar o paciente.
No plano da sociedade, há uma clara exaustão com os políticos. As relações esgarçadas (http://jornalggn.com.br/noticia/tumultos-urbanos-e-esgarcamento-social) se acumulam por toda parte. A conseqüência é o aumento da violência e a busca de soluções privadas, a exemplo do quebra-quebra no CEAGESP, queima de ônibus, invasões urbanas, bloqueios de ruas e avenidas e detenção de ladrões e assaltantes que são amarrados a postes por populares. Os criminosos se mostram cada vez mais ousados e a violência continua vitimando mais do que as guerras. Muitas pessoas não acreditam mais na mediação das instituições e dos políticos. A polícia, o vereador, o deputado, o prefeito, o governador e a presidência da república são instituições e representações com baixa legitimidade e a crise de representação se dissemina.
No plano político, a base governista do governo federal se divide em lutas clientelistas e fisiológicas e a presidente Dilma se mostra inapetente em conduzi-la politicamente. A ausência de direção política e moral do país chegou a ressuscitar a “Marcha pela Família com Deus”. Uma corrida avassaladora, fratricida e imoral, por verbas e por recursos públicos e privados tendo em vista as eleições está em pleno curso. As demandas das populações por melhores serviços e por direitos são ignoradas. A crise urbana nas grandes cidades afeta a maior parte dos serviços. As prefeituras e muitos estados, endividados e sem recursos, estão presos à sua própria impotência.
O Administrador e o Gestor
Os dois principais governantes do país, Dilma e Alckmin, com seus estilos de gerentes, são avessos ao discurso político e moral, que é a forma de gerar esperanças e potência na sociedade em momentos de crise ou desorientação. A classe média conservadora, aliás, se afina com a insipidez asséptica do discurso tecnicista e administrativista. A rigor, a atividade política e a atividade administrativa, embora possam ter pontos de intersecção, são de natureza diferente. No fundamental, administração diz respeito à tomada de decisões acerca de recursos disponíveis visando alcançar determinados objetivos, gerenciando pessoas e meios. O administrador administra a empresa privada, que objetiva alcançar metas de produção e o incremento do lucro. Foi a partir de sua acepção privada que a administração migrou para o setor público.
Maquiavel, considerado o pai da política moderna, entendia que há uma diferença fundamental entre a administração do privado e o governo político, implicado na exigência do domínio da arte de governar. Segundo o pensador florentino, o governo político representa uma singularidade transcendeste de comando em relação às formas administrativas privadas. O seu objeto são o povo e o território e seu objetivo é o bem comum. O objeto e os objetivos determinam a natureza diversa entre a administração do privado e o governo político. Enquanto busca de objetivos determinados e parciais, o governo político pode e deve incorporar a administração, mas jamais se reduz a ela. Além dessa diferença estruturante, existem outras diferenças significativas entre a administração e o governo político. O administrador lida com recursos definidos e metas limitadas; o governante lida com recursos escassos e demandas ilimitadas; o administrador gerencia pessoas com funções delimitadas e capacidades profissionais específicas; o governo, além da burocracia, governa uma sociedade imersa em conflitos múltipolos e plurais. Quer dizer, as diferenças entre as duas atividades são inúmeras.
Ser administrador-gestor, a rigor, não requer nenhum processo sócio-político de construção da legitimidade. Tanto é que as grandes corporações vivem trocando seus executivos e estes não passam por nenhum processo ascendente de construção de liderança. Já, no governo político, o governante precisa legitimar-se, construindo e enraizando sua liderança nos processos sociais e eleitorais. É bem verdade que há políticos que chegam ao poder sem passar por esses processos. Mas, como regra geral, esses indivíduos fracassam politicamente. A simples transição do comando empresarial para o comando do Estado envolve grandes riscos. Basta citar os exemplos de Vicente Fox, ex-executivo da Coca-Cola, que fracassou como presidente do México e de Sebastián Piñera, ex-executivo da LAN, que fracassou como presidente do Chile.
O Desafio da Liderança
Recorrendo ainda a Maquiavel, ele nos diz que em tempos de normalidade prevalecem os líderes medíocres. Somente nos momentos excepcionais, nos momentos de grandes tragédias, de grandes desafios, surgem líderes extraordinários. Alguns podem questionar a necessidade de líderes fortes ou até mesmo da simples lideranças. Ocorre que a política é uma atividade contrária ao curso espontâneo do mundo. Governar é dar direção e sentido. E, ao que parece, o mundo, o Brasil e a sociedade mais do que nunca precisam de direção e sentido. Caso contrário, sobrevirá o caos, a anomia e a desordem. A virtù política, no sentido maquiaveliano do termo, consiste exatamente na disposição de capacidades morais e de manejo de meios para confrontar os eventos contingentes, os imprevistos e os acasos, identificados com a força da fortuna que, quando não há direção, exerce sua fúria desorganizadora. Parece ser isto o que vem ocorrendo no Brasil de hoje. Sem governantes virtuosos, o país está cada vez mais entregue à desordem, ao imprevisto e ao improviso.
Para que o grande líder, o estadista, se torne efetivo, precisa ser capaz de perceber a ocasião que se lhe oferece. Ele precisa ser capaz de perceber a conjuntura favorável à criação de ações extraordinárias, orientadas para a promoção de mudanças excepcionais. Muitos analistas se colocam a seguinte questão: esse líder é a expressão de uma singularidade individual ou é produto da existência de um povo virtuoso? Ele pode emergir de uma ou de outra situação. Mas o fato é que, na história, alguns dos maiores líderes foram expressão de uma singularidade individual em momentos em que seus povos viviam em condições degradadas. A desigualdade no Brasil continua gritante e os agravos que a maior parte do povo sofre em seus direitos são vistos por toda parte. Existe uma situação de injustiça e de iniquidade. A ocasião para o surgimento de líderes extraordinários esta dada. Mas, por enquanto, prevalecem o gerencialismo insípido e a corrupção. Quem sabe, as lutas e os protestos, tal como no passado, possam forjar novos líderes.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
Um comentário:
Lembra bastante a postagem: Os governantes e os ouvidos moucos da arrogância - por Aldo Fornazieri (Jornal GGN / Blog do Nassif), do dia 21 de abril.
Postar um comentário