segunda-feira, 21 de abril de 2014

Os governantes e os ouvidos moucos da arrogância - por Aldo Fornazieri (Jornal GGN / Blog do Nassif)

     Maquiavel é tido como o pai da política moderna. Exerceu enorme influência na republicanização do pensamento político inglês, via pela qual influenciou também o debate constitucional e o republicanismo norte-americanos. A política brasileira, sabidamente, é antimaquiaveliana em dois sentidos: 1) no processo de formação dos nossos governantes nunca esteve presente a ideologia da virtude (virtù) enquanto qualidade moral e capacidade operacional excepcional do líder, orientadas para a construção da grandeza do Estado e do exercício bom governo para o povo; 2) a construção do nosso processo democrático e republicano foi marcada pela ausência de uma efetiva ideologia republicana da preeminência da coisa pública e da participação autônoma da cidadania política no controle do exercício do poder. Não é um mero acaso que a primeira edição de O Príncipe em língua portuguesa só apareceu em 1935.

     A política brasileira carrega, até hoje, os vícios da tradição patrimonialista, do particularismo, da intriga, do engano, da imoralidade, da usurpação e da corrupção. Na nossa tentativa de construção nacional, os aglomerados dos grupos particularistas sempre usurparam o interesse geral e bloquearam a perspectiva de construção de uma comunidade nacional. A falta de sentido e a desordem fizeram com que os acasos (fortuna) prevalecessem sobre as virtudes. As “ideias fora de lugar” e os “mal-entendidos”, no que diz respeito à democracia e a república, estão aí até hoje.

     Os líderes com perspicácia estratégica, prudentes e virtuosos, foram raríssimos. Em contrapartida, os autoritários, os arrogantes e os ignorantes foram e são abundantes. Com isso, não se percebem as mudanças das conjunturas, as necessidades de inovação, as ocasiões e as oportunidades que se apresentam para conferir um sentido ao Brasil e construir uma comunidade de destino nacional. Uns, os oportunistas, se aproveitam do poder como forma de viver da política. Outros, cegados pelo dogmatismo ideológico, esquizofrenicamente, negam o princípio de realidade e adotam fórmulas abstratas, mantendo o país prisioneiro da inatualidade. A nossa defasagem e desarticulação em relação à globalização é um exemplo clamoroso do estrago que as fórmulas ideológicas alienígenas podem produzir.

A Necessidade de Líderes Prudentes

     Discutir a qualidade da nossa política e das nossas instituições é uma demanda fundamental para a produção de uma nova cultura - mais democrática e mais republicana. Neste ano, a discussão se torna ainda mais pertinente por termos eleições gerais no país. Os candidatos devem ser pressionados e demandados quanto aos compromissos para com a moralidade e a ética públicas.

     O eleitor, no processo de decisão de seu voto, de modo geral, leva em consideração três critérios: as qualidades do líder, sua história (realizações etc.), e o programa (interesses e promessas que suscitam esperanças). Desde a filosofia política grega – particularmente desde Aristóteles – a qualidade da prudência está na mais alta conta como exigência de uma virtude inerente ao grande líder. Trata-se, evidentemente, de um conceito complexo que se desdobra em várias interfaces. Uma das sínteses possíveis desse conceito pode ser traduzida como a qualidade que o líder deve ter para decidir (deliberar) e agir de forma adequada no sentido de obter o resultado desejado e igualmente adequado para os governados, em se tratando de governantes.

     Maquiavel adjudica a virtude de prudente ao líder que sabe ouvir conselhos. O governante que não sabe ouvir, normalmente se deixa enganar pelos aduladores. Os aduladores, por serem aduladores e quererem tirar proveito de suas relações com o poder, mentem e escondem a verdade ao governante. É uma boa fórmula para o desastre político. O governante prudente, porém, não pode deixar que todos lhes digam a verdade e a qualquer momento. Perderia a autoridade e o respeito. Ele deve solicitar os conselhos a pessoas sábias, probas e competentes, deixando que expressem suas opiniões para depois deliberar. A prudência (boa deliberação) não vem dos bons conselhos, mas da qualidade do governante de ouvi-los.

     O líder democrático moderno, que é prudente, estimula o debate e a participação popular, ouve seus auxiliares, ministros e secretários, consulta a opinião pública, requisita estudos e análises de especialistas antes de deliberar. O líder prudente considera, inclusive, as opiniões divergentes e conflituosas. A administração dos negócios públicos e o exercício do comando político são afazeres tão complexos no mundo de hoje que a ideia de um filósofo-rei platônico onisciente e capaz de decidir sobre todas as coisas a partir dele mesmo não faz o menor sentido.

O Brasil e os Líderes Arrogantes

     O oposto do líder democrático e prudente é o líder autoritário. Existem dois tipos: o autoritário porque é ignorante e faz do seu autoritarismo um instrumento de acobertamento de sua incompetência; e o autoritário porque é arrogante e se considera portador de um saber absoluto, o que o torna igualmente ignorante. O governante autoritário ou ignorante não ouve. Entram aqui os políticos com perfil de tecnocratas, com fama de gerentes. Mandam, gritam, exigem, não permitem o debate. Por arrogância ou por ignorância, eles estão “sempre certos”.

     Outra forma de perquirir a prudência de um governante consiste em analisar a qualidade de seus auxiliares e a relação que ele mantém com estes. A boa política maquiaveliana recomenda que, nesse caso, se siga aquela máxima popular: “dize-me com quem andas e te direi quem és”. O governante deve cercar-se de auxiliares reputados, probos, competentes e fiéis. E deve requisitar-lhe o aconselhamento. Um dos paradigmas positivos neste caso aqui foi Lincoln, que chegou a escolher como Secretários de seu governo os seus concorrentes nas eleições presidenciais por serem competentes.

     No Brasil, a regra dos políticos é a de não importar-se com a presença das más companhias. A mais nova vítima desta imprudência foi o petista André Vargas. Não será a última. Oportunistas, aproveitadores e corruptos se acercam a todos os partidos e ocupam cargos em quase todos os governos.

     Os piores males da falta de prudência consistem em deliberar e agir sem levar em consideração as possíveis consequências das decisões e das ações. Os governantes arrogantes são escolados nessa prática nefasta. Ao se depararem com o desastre de suas ações, a culpa é dos outros. Trata-se da ausência da ética da responsabilidade a que se referia Max Weber. Os desmandos administrativos, o desperdício de recursos, a construção de obras desnecessárias, a carência de direitos dos cidadãos, os maus negócios, as escolhas erradas que provocam desastres econômicos e sociais são apenas algumas consequências dessa falta de ética da responsabilidade e de bom senso. O descrédito da política e dos políticos, construído tijolo por tijolo por eles mesmos, expressa, nesse momento, uma maior consciência da sociedade sobre a má qualidade da cultura e das práticas políticas no Brasil. Neste momento de repulsa à política, que é a forma de uma consciência ainda negativa, tende a traduzir-se num elevado número de votos brancos, nulos e de abstenções nas eleições presidenciais.


Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.