segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O peregrino – por Mauro Santayana (Jornal do Brasil)

     O Papa Francisco teve uma semana movimentada. Passou por Cuba, onde rezou em Havana, na Praça da Revolução, para dezenas de milhares de fiéis católicos, e visitou Holguin e Santiago, depois de se encontrar com Fidel Castro, a quem tratou com atenção e simpatia.

     De lá, voou para os Estados Unidos, onde foi recebido por Barack Obama, rezou em frente à Casa Branca, para uma multidão de fiéis, e discursou, durante uma hora, sendo várias vezes interrompido por aplausos, no Congresso norte-americano.

     Falou também em Nova York, na tribuna das Nações Unidas, denunciando a "asfixia" imposta pelo sistema financeiro internacional, e no Marco Zero das Torres Gêmeas, reverenciando as vítimas do 11 de setembro, lembrando, no entanto, ao lado de sacerdotes judeus e muçulmanos, que “a vida esta sempre destinada a triunfar sobre os profetas da destruição”, que devemos ser “forças da reconciliação, da paz e da justiça”, e que é preciso se “livrar dos sentimentos de ódio, vingança e rancor” para alcançar “a paz, neste mundo vasto que Deus nos deu como casa de todos e para todos”.

     Não foi apenas pela proximidade geográfica que o Papa fez questão de ir a Cuba e aos EUA, em um único périplo.

     Ao escolher visitar, praticamente ao mesmo tempo, o país mais bem armado do mundo, e a pequena ilha do Caribe, que sobrevive, há décadas, em frente à costa dos Estados Unidos, com um projeto alternativo, que não segue a cartilha do “American Way of Life”, o Papa quis mostrar que não existem países mais importantes que os outros, e que todas as nações têm direito a buscar seu próprio caminho para o desenvolvimento, que pode estar simbolizado tanto por grandes foguetes e naves espaciais, como pela eliminação do analfabetismo, uma medicina de qualidade, o aumento da expectativa de vida de seus habitantes, ou um dos mais baixos índices de mortalidade infantil do mundo.

     É esse desejo, de paz na diversidade, tão presente na viagem do Papa, que fez com que Francisco tenha participado ativamente do processo de reaproximação diplomática entre os Estados Unidos e Cuba, concretizado com a recente reabertura da embaixada dos EUA, com a presença do Vice-presidente norte-americano, Joe Biden, em Havana.

     O seu protagonismo foi reconhecido em discurso, nos jardins da Casa Branca, pelo próprio presidente dos Estados Unidos, que agradeceu a contribuição do Papa nesses acordos, que representam um dos momentos mais marcantes da história recente.

     O Papa Francisco também está por trás – por seu reiterado e decidido apoio – de outro episódio inédito, de grande importância para o continente, ocorrido em Havana, apenas um dia após a sua partida: o aperto de mão, na presença do Presidente cubano Raul Castro como mediador, entre o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder guerrilheiro e comandante das FARC – Forças Armadas Revolucionárias, Rodrigo Londoño, também conhecido como Timoshenko, que sela a contagem regressiva para a conquista de uma paz definitiva, depois de mais de 50 anos de guerra civil, em um dos principais países latino-americanos.

     É claro que os dois fatos – a reaproximação entre Cuba e os EUA e entre o governo colombiano e as FARC – não podem agradar aos babosos, ignorantes e hipócritas anticomunistas de sempre, que, movidos por outros interesses, como a permanente gigolagem de fantasmas da Guerra Fria, prefeririam ver os Estados Unidos tentando outra frustrada invasão da ilha, quem sabe armando grupelhos radicais de vetustos, obtusos e anacrônicos anticastristas de Miami, ou aumentando sua presença militar na Colômbia, transformando aquela nação em uma espécie de Vietnam sul-americano.

     Daí, por isso, o ódio dos conservadores, fundamentalistas e tradicionalistas católicos contra Francisco, um latino-americano tão independente com relação aos EUA, que nunca tinha pisado o território norte-americano antes desta semana, e que, mesmo assim, teve a honra de ser primeiro pontífice a ser recebido e a falar diretamente, como líder estrangeiro de uma religião que não é a mais importante nos EUA, para dezenas de deputados e senadores, dentro do edifício do Capitólio.   

     Em um mundo em que países que alegam defender a democracia bombardeiam e destroem outras nações, metendo-se em seus assuntos internos, armando mercenários e terroristas para derrubar governos que consideram hostis, sem levar em conta o terrível balanço de suas ações, em mortes, torturas, estupros e na “produção” de milhões de refugiados; em que esses mesmos refugiados morrem sem ter para onde ir, em desertos, montanhas, fronteiras ou mares como o Mediterrâneo, e são recebidos, muitas vezes, a patadas por onde chegam, ou mantidos em cercados disputando no braço um naco de pão para seus filhos, que a polícia lhes atira, com luvas de borracha, como se fossem cães; em que o egoísmo, o fascismo, a arrogância, o ódio, a hipocrisia, a mentira, renascem com renovada força, e muitos não tem mais vergonha de pregar o individualismo, o consumismo, uma pseudo “meritocracia” como doutrina a justificar a exclusão, na busca enriquecimento individual e material a qualquer preço – como se o destino de cada um dependesse apenas de si mesmo, e em nada do meio que o cerca ou das forças terrenas que o governam, explorando-o ou enganando-o, de forma permanente, e a humanidade não fosse uma construção coletiva, fruto de centenas de gerações que nos antecederam – Francisco, que une no lugar de dividir, que ri, em vez de fazer cara feia, que prega a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana – uma bússola para indicar o caminho nestes tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem em tentar impedir que amanheça, neste novo Século, um novo dia.

     Que seu pontificado dure muitos e muitos anos, já que o mundo e a História poucas vezes precisaram tanto, diante de tanto preconceito e ignorância, de um Papa como ele à frente da Igreja Apostólica Romana.

     O diabo, se existir, deve estar espumando pela boca, e esbravejando impropérios que só ele conhece, pelos nove círculos do Inferno.

     De nada adiantou que, eventualmente, tenha tentado cardeais ou soprado segredos e sortilégios no ouvido daqueles que votaram no último Conclave.

     Francisco esta onde esta – no lugar em que o Mal não queria ver, nunca, um homem como ele:

     À frente do Vaticano, no trono de São Pedro, com a Estola, o Anel do Pescador e o Báculo que o sustenta quando se move, com a certeza de que Deus caminha a seu lado, Peregrino da Paz, contra a insanidade do mundo.