quinta-feira, 2 de junho de 2016

É preciso muita fé - por Laura Carvalho (Folha)

Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI
     O artigo de três dos principais economistas do FMI publicado na quinta passada (26), a começar pelo título – "Neoliberalism: Oversold?" –, tem tido grande repercussão.

     A palavra "neoliberalismo" até aqui era considerada um palavrão típico de maluco de palestra, desses que não devem entender nada de economia e de capitalismo. Afinal, seus benefícios estão desenhados em qualquer manual. Só os mais ideológicos ou ignorantes insistiriam em desafiar a lógica.

     Em vez de estimular o crescimento, os autores, veja você, defendem que algumas políticas neoliberais teriam elevado a desigualdade, prejudicando uma expansão econômica duradoura. O artigo foca dois tipos de política, cuja eficácia vinha sendo questionada em inúmeros estudos do departamento de pesquisa do FMI.

     A primeira é a chamada abertura financeira. Segundo os autores, em vez de estimular o investimento produtivo em países com baixo nível de poupança, o livre fluxo internacional de capitais especulativos tende a elevar a frequência das crises e os níveis de desigualdade.

     A segunda crítica refere-se às políticas voltadas para a redução do tamanho do Estado na economia. Os autores destacam que o custo de redução da dívida pública, via aumento de impostos ou cortes de gastos produtivos, pode ser maior do que o benefício.

     "Diante de uma escolha entre viver com uma dívida mais alta –permitindo que a razão dívida-PIB caia organicamente pela via do crescimento– ou promover deliberadamente superavit fiscais para reduzir a dívida, governos com espaço fiscal amplo se dão melhor ao conviver com a dívida." O argumento é reforçado pela referência a um estudo que indica que uma consolidação fiscal de 1% do PIB aumenta a taxa de desemprego em 0,6 ponto percentual no longo prazo, e o índice de Gini, que mede a desigualdade, em 1,5% em cinco anos.

     "Estratégias de consolidação fiscal –quando necessárias– podem ser desenhadas para minimizar o impacto adverso nos grupos de baixa renda. Mas, em alguns casos, as consequências distributivas inconvenientes terão de ser remediadas depois de sua ocorrência, com a utilização de impostos e gastos públicos para redistribuir renda." Gastos com educação, por exemplo, são considerados bem-vindos.

     As evidências são que o esforço fiscal brasileiro em 2015, com corte de gastos efetivos reais da ordem de 4% (descontadas as "despedaladas") e de 40% nos investimentos públicos, aprofundou a crise econômica, prejudicou os mais vulneráveis e manteve, pela falta de arrecadação tributária e as altas taxas de juros, a mesma trajetória de aumento da dívida pública.

     A resposta dada pelo governo interino é diminuir ainda mais o espaço para os investimentos e gastos sociais pelo estabelecimento de uma regra que congela as despesas federais em termos reais. Segundo reportagem do jornal "Financial Times" de terça-feira (31), até o economista David Becker, do Bank of America Merrill Lynch, achou as medidas "agressivas", por não deixarem espaço para a atuação anticíclica do governo.

     A conclusão do texto dos economistas do FMI sugere aos formuladores da política econômica que não se deixem guiar pela fé, e sim pelas evidências. No caso da tragédia brasileira, o governo interino recomenda que o povo não pense, não fale em crise e, sobretudo, tenha muita fé.

Comentário
     Para quem foi às ruas na adolescência gritar “Fora FMI” por conta da aplicação das políticas neoliberais preconizadas pelo fundo, não deixa de ser salutar ver que a própria instituição reconhece hoje a inoperância, a vacuidade, a tragédia que o neoliberalismo lega as sociedades.

     Falta agora combinar com Joaquim Levy, Barbosa, Meirelles, a imprensa marrom  e por conseguinte os coxinhas  que ainda não acordaram para o fracasso incontestável da ideologia que defendem.

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