Marco Aurélio Carone, do Novo Jornal |
Em Minas Gerais, uma das
formas de entender o que representaram os doze anos do governo de Aécio Neves –
sete dele mesmo e cinco de Antonio Anastasia – é conhecer a trajetória do
publicitário Marco Aurélio Carone.
Em 2002, Carone
se candidatou a governador pelo minúsculo PSDC, mas sua missão, segundo ele
conta, não era chegar ao Palácio da Liberdade, mas defender Aécio no
enfrentamento com o ex-governador Newton Cardoso, também candidato.
Aécio ganhou e,
pela atuação de Carone, o partido dele foi recompensado pelo caixa de campanha
de Aécio, e o próprio candidato, alguns anos depois, vendeu o título de seu
jornal, Diário de Minas, o mais antigo do Estado, para um grupo ligado a Aécio
Neves.
Pela venda, o
publicitário diz que recebeu R$ 600 mil. “Queriam comprar o meu silêncio ou
pagar por elogios, mas esse produto não estava à venda”, diz Carone.
Com o dinheiro
da venda do jornal, o ex-aliado de Aécio contratou um dos jornalistas mais premiados
de Minas Gerais, o veterano Geraldo Elísio, o repórter Pica-Pau dos tempos da
rádio Itatiaia e Prêmio Esso de Jornalismo em 1977, com uma reportagem
publicada em O Estado de Minas que denunciou a prática de tortura na Polícia
Militar.
Juntos, eles
mantiveram na internet o Novo Jornal, um site de notícias que, em poucos anos,
se transformou num dos poucos veículos críticos de Aécio e do governo dele e de
Anastasia.
O Novo Jornal
chegou a ter mais de um milhão de acessos num dia, com suas reportagens que
tratavam de escândalos do grupo de Aécio, entre eles a Lista de Furnas.
“O Novo Jornal
foi o primeiro veículo a publicar a perícia da Polícia Federal que comprovou a
autenticidade da lista de Furnas”, conta Geraldo.
Era um tema
recorrente no site, assim como as denúncias de favorecimento do governo ao
grupo de Zezé Perrella, o do Helicoca, e outros que os grandes jornais, rádios
e emissoras de TV de Minas nunca noticiaram.
No início de
2014, já com a pré-campanha de Aécio a presidente da República na rua, Carone foi preso sob acusação de ser o relações públicas de uma
organização criminosa destinada a achacar empresários, denúncia que até agora
não resultou em condenação, mas suficiente para deixá-lo na cadeia durante nove
meses, os três últimos em solitária.
Filho de um
ex-prefeito de Belo Horizonte, cassado em 1964, que depois da abertura chegou a
presidir o conselho de administração de uma subsidiária da Companhia Vale do
Rio Doce, e de uma ex-deputada federal, Carone hoje anda de muletas e tem a
expressão cansada, depois que sofreu um enfarte na cadeia.
Geraldo Elísio,
o editor do Novo Jornal, teve a casa revirada por um delegado e três
investigadores, num mandado de busca e apreensão.
Os policiais
queriam documentos para comprovar a denúncia de extorsão, mas o que
encontraram, e levaram, foi um computador, com os textos de livros que Geraldo
escrevia, entre eles um de memórias.
O advogado Dino
Miraglia, que defendia o homem que entregou a lista de Furnas à Polícia
Federal, Nilton Monteiro, também teve a casa e o escritório revirados, num
mandado de busca cumprido até com o sobrevoo de helicóptero da PM.
O escritório de
um advogado é inviolável, mas nenhuma voz da OAB local se levantou contra a
arbitrariedade.
Depois do
episódio, Dino Miraglia abandonou a causa e também sofreu danos pessoais – a
esposa entrou com pedido de divórcio. Hoje, evita falar sobre qualquer
assunto referente à Lista de Furnas.
O Sindicato dos
Jornalistas do Estado de Minas também não se levantou em defesa do fechamento
do Novo Jornal nem da invasão policial à casa de Geraldo Elísio.
Jornalistas com
quem conversei contam que, na época, até o jornal do sindicato era bancado pela
máquina de publicidade comandada pela irmã de Aécio, Andrea Neves.
Esta é parte de
uma história que comecei a apurar dentro projeto do projeto do DCM sobre a
Lista de Furnas, a famosa lista, que eclodiu num momento em que as denúncias do
mensalão ameaçavam o governo Lula, em 2005.
A lista tem os
nomes dos políticos que receberam dinheiro do caixa 2 formado por um diretor de
Furnas, Dimas Toledo, com a propina paga por fornecedores da estatal. A maioria
é do PSDB, e aparecem na relação Aécio Neves, José Serra e o governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin.
“Há duas
maneiras de você calar um delator. Uma é matando, a outra é assassinando a sua
reputação”, disse-me um delegado da Polícia Federal que investigou a lista. “Em
Minas, foi criada uma máquina para destruir a reputação dos denunciantes da
Lista de Furnas”, acrescentou.
No governo de
Aécio, a Polícia Civil de Minas divulgou que a lista era falsa, versão que foi
publicada pela revista Veja. Numa investigação paralela, conduzida pela
Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, a
conclusão foi oposta.
Dimas Toledo,
para não sair de Furnas, pressionou Aécio Neves a negociar com Lula sua
permanência no cargo. Para isso, mandou entregar a lista com sua assinatura e
os valores recebidos por Aécio Neves e por outros políticos.
Desde então, o
portador da lista, Nilton Monteiro, tem amargado períodos alternados de prisão,
embora nunca tenha sido condenado. No total, já passou mais de dois anos preso,
teve o carro incendiado e hoje poucos sabem onde mora.
A principal
acusação é a de que Nilton inventou a lista. Mas dois dos nomes relacionados
ali, que são deputados, confessaram que receberam exatamente os valores
apresentados na relação, e por caixa 2 de Furnas. Um deles, Roberto Jefferson,
fez a confissão em depoimento à Polícia Federal.
Se essas duas
confissões não são indícios suficientes da autenticidade da lista, a assinatura
de quem fez a relação não deixa dúvidas. A Polícia Federal, contrariando a
versão de Dimas Toledo, garante que a assinatura é mesmo do ex-diretor de
Engenharia de Furnas.
Ainda assim, é
possível que alguém duvide, mas aí convém analisar o perfil dos policiais
federais que fizeram a investigação no Rio e contrapô-las ao delegado que
chefiou a investigação em Minas. Os policiais federais concluíram pela
autenticidade da lista. O de Minas, não.
A Justiça
Federal decretou a prisão de quatro empresários, num caso que nada tem a ver
com a estatal Furnas, mas que revela um modelo de apuração policial nos anos de
Aécio à frente do governo mineiro.
Os empresários
são donos de uma empresa de transporte de valores, responsável por abastecer os
caixas eletrônicos de dois bancos no estado. A acusação que levou a Justiça a
decretar a prisão é a de que eles, durante anos, desviavam parte do dinheiro
que deveria ser entregue aos bancos.
Assim como a
Lista de Furnas, houve duas investigações paralelas. A Polícia Federal concluiu
pelo desvio do dinheiro dos bancos e obteve na Justiça a decretação da prisão
dos empresários.
Em Minas, a
investigação começou bem antes. Mas nunca foi para a frente. Quem garante
é o delegado de Minas que concluiu o inquérito, quando trocou o governo do
Estado, em janeiro, e a antiga cúpula da Polícia Civil foi afastada.
A razão do
inquérito ter sido abafado nos anos do governo de Aécio/Anastasia é que,
segundo o delegado que herdou a investigação, havia influência da irmã de um
dos donos da empresa, Renata Vilhena, a secretária de Planejamento de Aécio
Neves que tocou o famoso choque de gestão.
E o que isso
tem a ver com Furnas? O delegado acusado pelo colega de negligenciar a
investigação da empresa de transporte de valores é o mesmo que concluiu pela
“falsidade” da Lista de Furnas e participou do inquérito que levou à prisão do
dono do site Novo Jornal, do lobista e delator Nilton Monteiro e que também
justificou a busca e apreensão na casa do jornalista Geraldo Elísio e do
advogado Dino Miraglia.
Uma polícia sem
apetite para investigar fatos sensíveis ao grupo político de Aécio é o que
explica, em parte, as razões da Lista de Furnas ter se transformado num tema
quase proibido. Você não viu nada disso em nenhum veículo da chamada grande
imprensa. Mas vai ler aqui, em detalhes.
ATUALIZAÇÃO:
Prezado
Jornalista Kiko Nogueira, diretor do Diário do Centro do Mundo,
Em nome do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, venho elogiar a
iniciativa do DCM de publicar uma série de reportagens sobre a Lista de Furnas
e manifestar nossa surpresa pela forma como o Sindicato foi citado na matéria
intitulada “Como as pessoas envolvidas no vazamento da Lista de Furnas foram
caladas”, publicada na quarta-feira 23/9 e assinada por Joaquim de Carvalho.
Diz a matéria:
“O Sindicato dos Jornalistas do Estado de Minas também não se levantou em
defesa do fechamento do Novo Jornal nem da invasão policial à casa de Geraldo
Elísio. Jornalistas com quem conversei contam que, na época, até o jornal do
sindicato era bancado pela máquina de publicidade comandada pela irmã de Aécio,
Andrea Neves”.
O DCM merece
nosso respeito pela qualidade do jornalismo que pratica e cumpre papel
importante ao tratar do assunto em questão, que não vem recebendo a cobertura
devida pela mídia tradicional.
Estranhamos, no
entanto, a citação do Sindicato na reportagem, uma vez que durante todo o
período dos governos Aécio Neves e Antonio Anastasia em Minas Gerais
(2003-2014) ele esteve à frente das denúncias de censura e coerção contra
jornalistas, imprensa e a sociedade mineira. O Sindicato denunciou publicamente
as arbitrariedades e irregularidades cometidas pelos referidos governos e
denunciou-as também ao Ministério Público.
Estranhamos
também o fato de o Sindicato ter sido atacado, por fontes não identificadas, e
não ter sido ouvido para se defender. O repórter teve oportunidade para isso
quando fomos apresentados, no dia 4 de setembro, no gabinete do deputado
estadual Rogério Correia, em Belo Horizonte, e não o fez. Conversamos inclusive
sobre o tema da reportagem e ele não mencionou a acusação publicada.
Sem mais para o
momento, manifestamos mais uma vez nossa admiração e votos de sucesso.
Atenciosamente,
Kerison Lopes
Presidente do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.
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