quinta-feira, 5 de março de 2020

Economistas liberais precisam ser responsabilizados pelo baixo crescimento – por Daniel Pereira Andrade (Estadão)

Saiu o PIB de 2019: o resultado foi de 1,1%, frustrando mais uma vez a expectativa dos analistas de mercado, que haviam previsto crescimento de 2,5%. A mesma decepção já havia ocorrido em 2018, com um PIB de 1,3% contrariando a previsão de 2,7%. Em 2017, o resultado ficou em magro 1%. Como alguns analistas já apontaram, trata-se da retomada econômica mais lenta da história do país após um período de recessão. Essa situação coloca uma questão óbvia, mas que tem sido sistematicamente evitada: o modelo econômico liberal é realmente capaz de entregar os resultados que promete? No caso brasileiro, é preciso notar que esse modelo vem sendo adotado já desde 2015, quando Dilma deu um “cavalo de pau” na política econômica ao substituir o ministro Guido Mantega por Joaquim Levy. A política econômica foi continuada e aprofundada no governo Temer sob o comando de Henrique Meirelles e finalmente foi radicalizada no governo Bolsonaro com o “superministro” Paulo Guedes. Ao longo desse tempo, a promessa inicial de um ajuste fiscal inconveniente e passageiro converteu-se depois em uma virtude e acabou consagrada como um projeto “liberal-democrata” de país. Após o impeachment, não faltou apoio do Congresso, do mercado e da imprensa às medidas, criando um verdadeiro céu de brigadeiro para o “dream team” de Meirelles e para Guedes. As equipes econômicas foram inclusive blindadas no debate público dos escândalos políticos proporcionados pelo Executivo, tanto nos episódios de corrupção de Temer quanto nos de conflito de Bolsonaro. Mesmo nesse último caso, o Congresso assumiu o protagonismo na condução da agenda de reformas. E elas foram sistematicamente aprovadas, como a mais radical reforma trabalhista desde a promulgação da CLT, a PEC do teto dos gastos, a reforma da previdência, a PEC da liberdade econômica e, ao que tudo indica, muito em breve, as reformas tributária e administrativa e a autonomia do Banco Central.
A promessa, no entanto, de entregar uma economia pujante não se realizou. Além de o crescimento ser pífio, a reforma trabalhista não gerou os empregos nem o aumento da formalidade que prometia. Diante do fracasso, as culpas começaram a ser distribuídas. Mas, ao contrário do que se fazia insistentemente com a “nova matriz econômica” do governo Dilma, nenhuma responsabilidade tem sido atribuída à política econômica liberal. A culpa é sempre atribuída aos outros: aos presidentes controversos, aos deputados e senadores corruptos, aos funcionários públicos “parasitas”, à eterna herança petista e por aí vai.
É curioso notar que os economistas liberais, que sempre louvam a responsabilidade individual no mercado, nunca se responsabilizam pelos resultados das políticas econômicas que defendem. Não se vê, da parte dos economistas ortodoxos, nenhuma autocrítica, salvo raríssimas exceções. Suas teorias sobre o funcionamento dos mercados autorregulados e eficientes nunca são questionadas. Para os neoliberais, se a economia não funciona como o previsto, não é porque seus modelos lógico-dedutivos não são capazes de explicar a realidade, mas, inversamente, é porque a realidade política e social está atrapalhando o funcionando idealmente previsto do mercado. Invertem assim a lógica científica ao atribuir ao mundo, e não às suas teorias, o problema. Mesmo não havendo evidências de que reformas trabalhistas gerem empregos ou mesmo que as evidências disponíveis mostrem que políticas de austeridade geram contração ao invés de expansão econômica, os fatos do mundo real são ignorados em nome de seus modelos matemáticos. Os economistas ortodoxos “confundem as coisas da lógica com a lógica das coisas”, já advertia Pierre Bourdieu.
Ao acusar o mundo pelas falhas no funcionamento desse mercado ideal que só existe em suas cabeças, eles podem propor a radicalização da mesma política econômica como solução para os problemas que ela mesma cria. Sugerem mesmo a consolidação nas leis e na Constituição da política econômica liberal de modo a blindá-la das pressões da sociedade e das interferências políticas dos governantes eleitos, procurando construir na prática algo que só existe em suas teorias: um mundo econômico puro apartado da realidade social e política.
Mas é preciso perguntar, como forma de conclusão, se o problema dos economistas liberais se resume à sua teimosia epistemológica ou se há outro estímulo para que sigam persistindo em seus modelos cujas previsões não se realizam. É possível questionar, por exemplo, se a falta de crescimento afeta a todos da mesma maneira, se a política econômica não está favorecendo certos grupos em detrimento da maioria e se, nesse sentido, os próprios economistas de mercado não estão sendo beneficiados pelos erros que insistem em cometer. Afinal, quando não se paga a conta dos próprios equívocos, mas antes se é recompensado por eles, é fácil seguir errando adiante.


Daniel Pereira Andrade é professor de sociologia da EAESP-FGV.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Dançarina pulando alegremente no campo - por Ed Gregory (Stokpic - Fotografia)

Trecho 3 de Anti-Dühring, de Friedrich Engels (Boitempo)

“No momento em que a sociedade se apossa dos meios de produção e os utiliza para a produção mediante socialização imediata, o trabalho de cada qual, não importando quão distinto seja seu caráter especificamente útil, é de antemão e diretamente trabalho social. Nesse caso, a quantidade de trabalho social contido num produto não precisa primeiro ser aferida por alguma via indireta: a experiência cotidiana indica diretamente a quantidade que, em média, se faz necessária. A sociedade pode simplesmente calcular quantas horas de trabalho estão contidas numa máquina a vapor, num hectolitro de trigo da última colheita, em cem metros quadrados de tecido de determinada qualidade. Nesse caso, portanto, nem pode lhe ocorrer a ideia de expressar as quantidades de trabalho depositadas nos produtos numa medida apenas relativa, oscilante, insuficiente, que antes era incontornável como quebra-galho – num terceiro produto, enfim –, e não em sua medida natural, adequada, absoluta, que ela já conhece de modo direto: o tempo. Da mesma forma, não ocorreria à química expressar os pesos atômicos de modo relativo, pela via indireta do átomo de hidrogênio, no momento em que tivesse condições de expressá-los de modo absoluto, em sua medida adequada, a saber, em peso real, em bilionésimos ou quadrilionésimos de grama. Portanto, sob os pressupostos colocados, a sociedade não atribui valores aos produtos. Ela não expressa de modo enviesado e sem sentido o fato simples de cem metros quadrados de tecido exigirem, digamos, mil horas de trabalho para ser produzidos dizendo que eles valeriam mil horas de trabalho. Todavia, também nesse caso a sociedade deverá saber quanto trabalho cada objeto de uso necessitará para sua confecção. Ela terá de organizar o plano de produção segundo os meios de produção, entre os quais figuram especialmente as forças de trabalho. A utilidade dos diversos objetos de uso, ponderados entre si e em relação às quantidades de trabalho necessárias para sua confecção, determinará em última análise o plano. As pessoas resolvem tudo de maneira bem simples, sem a interveniência do tão aclamado “valor”[h].
O conceito de valor é a expressão mais universal e, em consequência, mais abrangente das condições econômicas da produção de mercadorias. No conceito de valor, está contido o embrião não só do dinheiro, mas também de todas as formas mais desenvolvidas da produção e da troca de mercadorias.
No fato de o valor ser a expressão do trabalho social contido nos produtos privados já reside a possibilidade da diferenciação entre o trabalho social e o trabalho privado contido no mesmo produto. Assim, se um produtor privado continuar a produzir à maneira antiga enquanto o modo social de produção progride, ele terá uma sensação bem palpável dessa diferença. O mesmo acontece quando o conjunto dos confeccionadores privados de determinado gênero de mercadorias produz uma quantidade delas que excede a demanda social. No fato de o valor de uma mercadoria só poder ser expresso em outra mercadoria e só poder ser realizada na troca por ela reside a possibilidade de a troca nem mesmo acontecer ou não tornar efetivo o valor correto. Por fim, ingressa no mercado a mercadoria específica chamada força de trabalho, determinando-se seu valor, como o de qualquer outra mercadoria, segundo o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Portanto, na forma-valor dos produtos está contida embrionariamente toda a forma de produção capitalista, o antagonismo entre capitalistas e trabalhadores assalariados, o exército industrial de reserva, as crises. Querer abolir a forma de produção capitalista mediante a instituição do “valor verdadeiro”[159] significa, por conseguinte, querer abolir o catolicismo mediante a instituição do “verdadeiro” papa[160] ou querer instituir uma sociedade em que os produtores finalmente dominariam seu produto mediante a execução consequente de uma categoria econômica, que é a expressão mais abrangente da escravização do produtor por seu próprio produto.
Tendo a sociedade produtora de mercadorias desenvolvido a forma do valor inerente às mercadorias como tais até a forma de dinheiro, logo aparecem à luz do dia diversos embriões ainda ocultos no valor. O efeito seguinte e mais essencial é a generalização da forma da mercadoria. O dinheiro impinge a forma de mercadoria também aos objetos até ali produzidos para o consumo próprio direto, arrastando-os para dentro da troca. Desse modo, a forma de mercadoria e o dinheiro penetram na economia doméstica do sistema comunitário socializado diretamente para a produção, rompe um vínculo comunitário após o outro e dissolve o sistema comunitário num aglomerado de produtores privados. O dinheiro substitui primeiramente, como se pode observar na Índia, o cultivo comum do solo pelo cultivo individualizado; mais tarde, pela repartição definitiva, ele dissolve a propriedade comum da terra de cultivo em sua forma de redistribuição periodicamente reiterada (por exemplo, nas propriedades rurais às margens do rio Mosela, de modo incipiente também na comunidade russa); por fim, ele pressiona pela distribuição da posse comum ainda restante da floresta e da pastagem. Independentemente de outras causas fundadas no desenvolvimento da produção que também colaboraram nesse ponto, o dinheiro permanece o meio mais poderoso em termos de incidência sobre o sistema comunitário. (...)
Anteriormente (no item VI da seção “Economia política”[161]), vimos que é uma contradição em si falar em valor do trabalho. Visto que, sob certas condições sociais, o trabalho não gera só produtos, mas também valor, e esse valor é medido pelo trabalho, este não pode ter um valor específico, assim como o peso em si não pode ter um peso específico nem o calor uma temperatura específica. Porém, a característica de toda a confusão social que matuta sobre o “verdadeiro valor” é imaginar que, na atual sociedade, o trabalhador não estaria recebendo o “valor” cheio do seu trabalho e que o socialismo teria sido vocacionado para resolver isso. Disso faria parte, então, em primeiro lugar, descobrir qual é o valor do trabalho, e este se descobre quando se tenta medir o trabalho não pela sua medida adequada (ou seja, pelo tempo), mas pelo seu produto. O trabalhador deve receber o “resultado cheio do trabalho”[162]. Não só o produto do trabalho, mas também o próprio trabalho deve ser diretamente permutável pelo produto, isto é, uma hora de trabalho pelo produto de outra hora de trabalho. Isso, porém, de imediato apresenta um senão bastante “duvidoso”. O produto inteiro é distribuído. A função progressiva mais importante da sociedade, a acumulação, é subtraída da sociedade e confiada às mãos e à arbitrariedade dos indivíduos. Os indivíduos podem fazer com seus “resultados” o que quiserem; na melhor das hipóteses, a sociedade permanecerá tão rica ou tão pobre como sempre foi. Portanto, os meios de produção acumulados no passado só foram centralizados nas mãos da sociedade para que todos os meios de produção que vierem a ser acumulados no futuro sejam de novo fragmentados nas mãos dos indivíduos. Afrontamos nossos próprios pressupostos; chegamos a uma pura absurdidade.
O que se quer é trocar o trabalho líquido, a força de trabalho ativa, pelo produto do trabalho. Nesse caso, ele é mercadoria, tal e qual o produto pelo qual se pretende trocá-lo. Nesse caso, o valor dessa força de trabalho de modo algum é determinado pelo seu produto, mas pelo trabalho social nele corporificado, ou seja, conforme a atual lei do salário. Mas é justamente isso que não deve acontecer. O que se quer é que o trabalho líquido, a força de trabalho, seja permutável pelo seu produto cheio – o que quer dizer que ele seja permutável não pelo seu valor, mas pelo seu valor de uso; o que se quer é que a lei do valor vigore para todas as demais mercadorias, mas seja revogada para a força de trabalho. Essa confusão que anula a si mesma é que se oculta atrás do “valor do trabalho”.
Portanto, a “troca de trabalho por trabalho segundo o princípio da estimativa igual” é, na medida em que ela faz sentido, a trocabilidade de produtos de trabalho social igual uns pelos outros, ou seja, a lei do valor é a lei fundamental exatamente da produção de mercadorias e, portanto, também da forma suprema dela, da produção capitalista. Ela se impõe na atual sociedade do mesmo modo singular como conseguem se impor as leis econômicas numa sociedade de produtores privados: como lei natural inerente às coisas e relações, que atua cega e independentemente da vontade e da iniciativa do produtor. Ao alçar essa lei à condição de lei fundamental de sua comuna econômica e exigir que esta a execute com plena consciência, o sr. Dühring faz da lei fundamental da sociedade vigente a lei fundamental de sua sociedade fantasiosa. Ele quer a sociedade vigente, só que sem suas mazelas. Ao fazer isso, ele se move exatamente no mesmo terreno que Proudhon. A exemplo deste, ele quer eliminar as mazelas que resultaram da evolução da produção de mercadorias para a produção capitalista fazendo valer para elas a lei fundamental da produção de mercadorias, cuja ação justamente ocasionou essas mazelas. A exemplo de Proudhon, ele quer abolir as consequências reais da lei do valor mediante consequências fantasiosas.
Mas, por mais altivo que seja o porte com que nosso moderno Dom Quixote monta seu majestoso Rocinante, o “princípio universal da justiça”[163], seguido do seu valoroso Sancho Pança, Abraham Enss[164], em sua expedição de cavaleiro andante na conquista do elmo de Mambrino, o “valor do trabalho”, receamos, mesmo, que ele nada trará para casa além da já tão familiar bacia de barbeiro[165].”
a Enunciei, já em 1844, que a referida ponderação de utilidade e dispêndio de trabalho na decisão a ser tomada quanto à produção é tudo o que resta do conceito de valor da economia política numa sociedade comunista (Deutsch-Französische Jahrbücher, p. 95 [Friedrich Engels, “Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie”, em Karl Marx e Friedrich Engels, Werke, v. 1, p. 499]). Porém, a fundamentação científica dessa tese, como se vê, só se tornou possível mediante O capital de Marx. (Nota de Engels.)
159 Eugen Dühring, Kritische Geschichte, cit., p. 78. Weitling, a quem Engels reiteradamente toma como ponto de comparação na crítica a Dühring, também utilizou o conceito de “valor verdadeiro” (Wilhelm Weitling, Garantien, cit., p. 51). (N. E. A.)
160 Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 65 (MEGA-2 II/6, cit., p. 116) [ed. bras.: O capital, Livro I, cit., p. 162]. (N. E. A.)
161 Cf. p. 223-8. (N. E. B.)
162 Eugen Dühring, Cursus der Nationalund Socialökonomie, cit., p. 324. (N. E. A.)
163 Eugen Dühring, Cursus der Nationalund Socialökonomie, cit., p. 282. (N. E. A.)
164 Abraham Enss, Engels Attentat auf den gesunden Menschenverstand oder Der wissenschaftliche Bankerott im Marxistischen Sozialismus. Ein offener Brief an meine Freunde in Berlin (Grand-Saconnex/Suíça, 1877). (N. E. A.)
165 Alusão ao romance de Miguel de Cervantes Saavedra, El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha [ed. bras.: O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha, trad. Sérgio Molina, São Paulo, Editora 34, 2011-2, 2 v.]. (N. E. A.)


ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring. São Paulo: Boitempo, 2015, pp. 343-346.

Fotografia - por Mariusz Hermansdorfer (Magdeleine)

Trecho 2 de Anti-Dühring, de Friedrich Engels (Boitempo)

“ (...) De acordo com isso, está claro qual é o papel histórico que o poder desempenha no desenvolvimento econômico. Em primeiro lugar, todo poder político está baseado originalmente numa função social, econômica e se intensifica à medida que, pela dissolução dos sistemas comunitários originais, os membros da sociedade são convertidos em produtores privados, ou seja, tornam-se ainda mais estranhos aos administradores das funções sociais comuns. Em segundo lugar, depois que o poder político ganha autonomia em relação à sociedade, convertendo-se de servidor em senhor, ele pode atuar em duas direções. Ou ele atua no sentido e na direção do desenvolvimento econômico regular (nesse caso, não há conflito entre ambos e o desenvolvimento econômico é acelerado), ou ele atua na contramão desse desenvolvimento (nesse caso, com poucas exceções, ele sucumbe regularmente ao desenvolvimento econômico). Essas poucas exceções são casos isolados de conquista, nos quais os conquistadores mais rudimentares exterminaram ou desterraram a população de um país e devastaram ou deixaram deteriorar-se as forças produtivas com as quais não sabiam o que fazer. Foi o que fizeram os cristãos na Espanha moura com a maior parte das instalações de irrigação, nas quais estava baseada a agricultura e a jardinagem altamente desenvolvidas dos mouros. Toda conquista por um povo mais rudimentar obviamente perturba o desenvolvimento econômico e destrói numerosas forças produtivas. Porém, na esmagadora maioria dos casos de conquista duradoura, o conquistador mais rudimentar se adapta à “situação da economia”[67] mais avançada que resulta da conquista; ele é assimilado pelos conquistados e, na maior parte das vezes, precisa adotar inclusive a língua deles. Porém, excetuando os casos de conquista, onde o poder estatal interno de um país se tornou antagônico ao seu desenvolvimento econômico, como até agora aconteceu em certo patamar com quase todo poder político, a luta terminou, todas as vezes, com a derrubada do poder político. Sem exceção e implacavelmente, o desenvolvimento econômico seguiu seu caminho – já mencionamos[68] o último e mais contundente exemplo disso: a Grande Revolução Francesa. Se, conforme a teoria do sr. Dühring, a situação econômica e, com ela, a constituição econômica de determinado país dependem simplesmente do poder político, não há como vislumbrar por que, depois de 1848, Frederico Guilherme IV não conseguiu, apesar do seu “magnífico exército”[69], enxertar as guildas medievais e outras esquisitices românticas[70] nas ferrovias, nas máquinas a vapor e na grande indústria em franco desenvolvimento no seu país; ou por que o czar da Rússia[71], que evidentemente é muito mais poderoso, não só não consegue pagar suas dívidas, como nem mesmo tem como sustentar seu “poder” sem continuamente pedir empréstimos à “situação da economia” da Europa ocidental.
Para o sr. Dühring, o poder é o mal absoluto, e o primeiro ato de poder foi, para ele, a queda em pecado, sendo que toda sua exposição é uma pregação lamurienta sobre a contaminação de toda a história pregressa com o pecado original, sobre a falsificação infame de todas as leis naturais e sociais gerada pelo poder, essa força diabólica. Porém, o sr. Dühring não diz uma palavra sequer sobre o outro papel desempenhado pelo poder na história (um papel revolucionário), sobre o fato de ele ser, nas palavras de Marx, a parteira de toda sociedade velha que está prenhe de uma sociedade nova[72], a ferramenta com que o movimento social se impõe e despedaça formas políticas enrijecidas e mortas. Só muito a contragosto ele admite a possibilidade de que, para derrubar a economia de espoliação, talvez o uso da força seja necessário – infelizmente! Porque todo uso da força desmoraliza aquele que faz uso dela[73]. E isso é dito apesar do forte impulso moral e espiritual resultante de cada revolução vitoriosa! E isso é dito na Alemanha, onde um confronto violento, que pode inclusive ser impingido ao povo, pelo menos teria a vantagem de eliminar a subserviência que penetrou na consciência nacional em decorrência da humilhação da Guerra dos Trinta Anos! E esse modo de pensar apagado, anêmico e sem vigor, próprio de um pregador, tem a pretensão de impingir-se ao partido mais revolucionário que a história conhece?”
67 Eugen Dühring, Kritische Geschichte, cit., p. 231. (N. E. A.)
68 Cf. p. 47 e 141. (N. E. B.)
69 Frase de efeito extraída da saudação de ano-novo de Frederico Guilherme IV ao Exército alemão no dia 1o de janeiro de 1849 (Preussischer Staats-Anzeiger, Berlim, n. 3, 3 jan. 1849). Essa expressão foi usada a partir de 1849 no movimento revolucionário dos trabalhadores para caracterizar o militarismo prussiano. Ver também Karl Marx, “Eine Neujahrsgratulation”, Neue Rheinische Zeitung, Colônia, n. 190, 9 jan. 1849. (N. E. A.)
70 No dia 9 de fevereiro de 1849, o governo prussiano promulgou um decreto referente à instituição de conselhos corporativos e a diversas alterações na ordem geral das corporações e outro sobre a instituição de tribunais corporativos, com os quais ele, de fato, anulou a liberdade de comércio e indústria proclamada em 1808, restaurando a legislação semimedieval das corporações. Já em 1849, Marx caracterizou esses decretos como “duas ordens corporativas, que fazem jus às do ano de 1500” (Karl Marx, “Die Thronrede”, Neue Rheinische Zeitung, Colônia, n. 235, 2 mar. 1849). (N. E. A.)
71 Alexandre II. (N. E. A.)
72 Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 782; MEGA-2 II/6, cit., p. 674 [ed. bras.: O capital, Livro I, cit., p. 821]. (N. E. A.)
73 Eugen Dühring, Cursus der Nationalund Socialökonomie, cit., p. 348-9. Idem, Cursus der Philosophie, cit., p. 335. (N. E. A.)

Fotografia - por Alex Blăjan (Unsplash)

Trecho de Anti-Dühring, de Friedrich Engels (Boitempo)

“Enquanto na França o furacão da Revolução varria o país, na Inglaterra ocorria uma revolução silenciosa, mas nem por isso menos portentosa. O vapor e a nova maquinaria instrumental transformaram a manufatura na grande indústria moderna e, desse modo, revolucionaram todo o fundamento da sociedade burguesa. O ritmo sonolento do desenvolvimento da época da manufatura converteu-se num verdadeiro Sturm und Drang [intempestivo e impetuoso ] [20] da produção. Com rapidez cada vez maior, tornava-se efetiva a divisão da sociedade em grandes capitalistas e proletários sem posses, entre os quais, no lugar do antigo estamento médio estável, uma massa inconstante de artífices e pequenos comerciantes (a parte mais flutuante da população) era levada a uma existência instável. O novo modo de produção se encontrava apenas no começo de seu ramo ascendente; ele era, todavia, o modo de produção normal, dependendo das circunstâncias o único. Porém, já naquela época, ele gerou mazelas sociais gritantes: aglomeração de uma população sem lar nos piores locais de residência das grandes cidades; dissolução de todos os vínculos tradicionais de origem, de submissão patriarcal, de família; excesso de trabalho, especialmente no caso de mulheres e crianças, em escala assustadora; desmoralização maciça da classe trabalhadora repentinamente lançada em relações inteiramente novas[21]. Em meio a isso, entrou em cena como reformador um fabricante de 29 anos, um homem dotado de um caráter de singeleza tão infantil que chegava às raias do sublime e, ao mesmo tempo, um líder nato de pessoas como poucos. Robert Owen[22] se apropriara da teoria dos iluministas materialistas segundo a qual o caráter do ser humano seria o produto, por um lado, de sua organização inata e, por outro, das circunstâncias que o envolvem durante todo seu tempo de vida, mas especialmente durante o período do seu desenvolvimento. Na Revolução Industrial, a maioria dos seus colegas de estamento nada mais via além de confusão e caos – a situação propícia para aproveitar-se da falta de clareza e enriquecer rapidamente. Owen viu nela a oportunidade para aplicar sua tese favorita e, desse modo, pôr ordem no caos. Ele já havia tentado isso exitosamente em Manchester como dirigente de uma fábrica de quinhentos trabalhadores[23]. De 1800 a 1829, dirigiu a grande tecelagem de algodão de New Lanark, na Escócia, na qualidade de sócio-gerente. Caminhando no mesmo sentido que havia seguido antes, só que com maior liberdade de ação, ele obteve um êxito que lhe rendeu notoriedade em nível europeu. Owen transformou uma população que aos poucos atingiu a cifra de 2,5 mil pessoas – população esta originalmente composta dos elementos mais variados e, em sua grande maioria, fortemente desmoralizados – na colônia-modelo perfeita, na qual embriaguez, polícia, juiz, processos, assistência aos pobres, necessidade de ação caritativa eram coisas desconhecidas. E ele fez isso apenas proporcionando às pessoas circunstâncias humanamente dignas e, sobretudo, mandando educar com cuidado a geração em crescimento[24]. Ele foi o inventor dos jardins de infância e foi ali que os introduziu pela primeira vez[25]. A partir do segundo ano de vida, as crianças entravam na escola, onde se entretinham de tal maneira que ficava difícil levá-las novamente para casa. Enquanto seus concorrentes tinham jornadas de trabalho de 13 a 14 horas diárias, em New Lanark se trabalhava apenas 10,5 horas[26]. Quando certa vez uma crise do algodão obrigou a parar a fábrica por quatro meses, os trabalhadores continuaram a receber seu salário integral[27]. Nesse processo, o estabelecimento mais que duplicou seu valor e, até o último momento, gerou lucros abundantes para os proprietários.
Owen não se contentou com tudo o que havia conseguido. A seu ver, a existência que ele tinha proporcionado a seus trabalhadores não era nem de longe humanamente digna: “As pessoas eram minhas escravas”[28]. As circunstâncias relativamente favoráveis em que ele as havia colocado ainda estavam muito longe de permitir-lhes um desenvolvimento integral e racional do caráter e do entendimento, para não falar de uma atividade vital livre.
Ainda assim, a parcela trabalhadora dessas 2,5 mil pessoas produziu tanta riqueza real para a sociedade quanto, meio século antes, nem uma população de 600 mil pessoas teria conseguido gerar. Perguntei a mim mesmo: o que é feito da diferença entre a riqueza consumida por 2,5 mil pessoas e aquela que 600 mil teriam de consumir?[29]
Estava claro qual era a resposta. Essa riqueza foi usada para gerar para os donos do estabelecimento 5% de juros sobre o capital investido e, além disso, mais de 300 mil libras esterlinas (6 milhões de marcos) de lucro[30]. E o que valia para New Lanark valia em escala ainda maior para todas as fábricas da Inglaterra. “Sem essa nova riqueza criada pelas máquinas não teria sido possível fazer as guerras para derrubar Napoleão e sustentar os princípios sociais aristocráticos. E esse novo poder foi criado pela classe trabalhadora.”[31] Em consequência, pertenciam-lhe também seus frutos. As novas e poderosas forças produtivas, que até ali só serviram para o enriquecimento de alguns indivíduos e a escravização das massas, ofereceram a Owen o fundamento para uma nova formação social e estavam destinadas, como propriedade comum de todos, a operar somente para o bem-estar comum de todos.
Dessa maneira, o comunismo de Owen surgiu como puro negócio, como fruto, por assim dizer, do cálculo comercial. E ele sempre manteve o mesmo caráter voltado para a dimensão prática. Em 1823, por exemplo, Owen propôs a eliminação da miséria irlandesa mediante colônias comunistas e anexou cálculos completos referentes a custos de instalação, gastos anuais e rendimentos estimados[32]. Desse modo, no seu plano definitivo para o futuro, a elaboração técnica dos detalhes foi efetuada com um conhecimento de causa tal que, uma vez admitido o método proposto por Owen para a reforma da sociedade, pouca coisa haveria a dizer do ponto de vista especializado contra a instalação em seus detalhes.
O passo à frente na direção do comunismo foi o ponto de mudança na vida de Owen. Enquanto apareceu como simples filantropo, ele só colheu riqueza, aplauso, honra e fama. Era o homem mais popular da Europa. Era ouvido com simpatia não só pelos seus colegas de estamento, mas também por estadistas e príncipes. Porém, quando começou a destacar-se com suas teorias comunistas, a coisa mudou de figura. A seu ver, havia três grandes obstáculos que, em especial, obstruíam o caminho para a reforma social: a propriedade privada, a religião e a forma atual do casamento[33]. Ele sabia o que o aguardava quando os atacou: a proscrição geral pela sociedade oficial, a perda de toda a sua posição social. Owen, porém, não pôde ser dissuadido de atacá-los incondicionalmente, e aconteceu o que ele havia previsto. Banido da sociedade oficial, silenciado pela imprensa, empobrecido pelos seus ensaios comunistas malsucedidos na América do Norte, pelos quais sacrificara todo o seu patrimônio[34], ele se voltou diretamente para a classe dos trabalhadores e permaneceu ativo no meio dela por mais trinta anos. Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais que foram feitos na Inglaterra visando ao interesse dos trabalhadores estão vinculados ao nome de Owen. Foi ele que conseguiu aprovar, em 1819, após cinco anos de esforços, a primeira lei restritiva ao trabalho de mulheres e crianças nas fábricas[35]. Foi ele que presidiu o primeiro congresso no qual as trade unions [sindicatos de trabalhadores] de toda a Inglaterra se uniram numa única grande cooperativa sindical[36]. Foi ele que introduziu, como regras de transição para a organização inteiramente comunista da sociedade, as sociedades cooperativas (cooperativas de consumo e de produção) – que, desde então, pelo menos fornecem a prova de que tanto o comerciante como o fabricante são pessoas bastante dispensáveis[37] – e os bazares do trabalho, instituições para a permuta de produtos do trabalho por meio de um papel-moeda cuja unidade era a hora trabalhada; trata-se de instituições que necessariamente fracassariam, mas que anteciparam o banco de troca proudhoniano, o qual surgiu muito tempo depois, e que se diferenciaram dele por não representarem a panaceia para todos os males da sociedade, sendo apenas um primeiro passo para uma transformação bem mais radical dela[38].”
20 Referência ao movimento pré-romântico que dominou a literatura alemã entre as décadas de 1760 e 1780 e ao qual pertenceram Herder, Goethe e Schiller, entre outros. (N. E. B.)
21 Engels descreveu esse desdobramento em seu escrito Die Lage der arbeitenden Klasse in England (Leipzig, 1845), p. 3-229 (MEGA-2 I/4, cit.) [ed. bras.: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra segundo as observações do autor e fontes autênticas, trad. B. A. Schumann, São Paulo, Boitempo, 2008]. (N. E. A.)
22 Nas exposições seguintes sobre Owen, Engels se baseou no escrito de Robert Owen, The Revolution in the Mind and Practice of the Human Race; or, the Coming Change from Irrationality to Rationality (Londres, 1849).
Na apreciação de Owen, Engels enfatizou, em especial, os aspectos que o evidenciavam teoricamente como representante dos interesses da classe trabalhadora e atestavam sua estreita ligação com o movimento trabalhador e o traço prático de suas aspirações. Para Dühring, a característica fundamental da atitude de Owen era contar com o apoio de príncipes e governos, reputando suas concepções pedagógicas como insignificantes. Dühring chamou a teoria do dinheiro por horas trabalhadas de “quimera” (Eugen Dühring, Kritische Geschichte, cit., p. 302), negando também os méritos de Owen na questão da cooperativa e das associações de consumo.
Marx já havia apontado para a conexão entre o materialismo e o socialismo (ou comunismo) franceses em 1845, em A sagrada família, nominando Owen como um daqueles que desenvolvem a teoria do materialismo “como a base lógica do comunismo” (Friedrich Engels e Karl Marx, Die heilige Familie, cit., p. 208 [ed. bras. A sagrada família, cit., p. 150]).
Owen partiu do pressuposto de que as faculdades inatas do ser humano e as circunstâncias que o cercam se influenciam reciprocamente e que o ser humano deve modificar, antes de tudo, as circunstâncias sociais, criando uma nova sociedade sobre a base da propriedade comum. Dado que Owen considerava o ser humano um ser natural e social, mas não historicamente concreto, determinado por sua condição de classe, sua visão antropológica permaneceu abstrata, apelando a todas as classes e camadas. Indo além do pensamento iluminista burguês, ele considerou de saída a grande produção baseada em máquinas como base de transformações sociais e, desse modo, chegou perto de conhecer um dos principais pressupostos da nova configuração socialista. (N. E. A.)
23 Robert Owen, The Revolution in the Mind, cit., p. 9-10. (N. E. A.)
24 Ibidem, p. 10-11, 13. (N. E. A.)
25 Ibidem, p. 15-8. (N. E. A.)
26 Ibidem, p. 19. (N. E. A.)
27 Ibidem, p. 30. (N. E. A.)
28 Ibidem, p. 21: “The people were slaves at my mercy”. (N. E. A.)
29 Idem: “And yet the working part of this population of 2,500 persons was daily producing as much real wealth for society, as, less than half a Century before, it would have required the working part of a population of 600,000 to create. I asked myself what became of the difference between the wealth consumed by 2,500 persons and that which would have been consumed by 600,000”. (N. E. A.)
30 Ibidem, p. 30. (N. E. A.)
31 Ibidem, p. 22: “If this new wealth had not been created by machinery, imperfectly as it has been applied, the wars of Europe, in Opposition to Napoleon, and to support the aristocratic principles of society, could not have been maintained. And yet this new power was the creation of the working classes”. (N. E. A.)
32 Robert Owen, Report of the Proceedings at the Several Public Meetings, Held in Dublin. On the 18th March, 12th April, 19th April, and 3rd May (Dublim, 1823), p. 109-25. (N. E. A.)
33 Esse enunciado era um dos conhecimentos fundamentais de Owen, que ele repetiu a partir de 1820 em quase todas as suas publicações. (N. E. A.)
34 Em abril de 1825, Owen adquiriu a colônia New Harmony no estado norte-americano de Indiana. Essa colônia havia sido fundada em 1815 pelo pregador Johann Georg Rapp, natural de Württemberg, Alemanha. Owen estabeleceu primeiro uma sociedade preliminar (preliminary society), visando aprimorar o caráter e as condições de vida dos seus membros e prepará-los para a criação da comunidade comunista. No início de 1826, ela decidiu transformar-se em comunidade comunista. No dia 5 de fevereiro de 1826, foi fundada a New Harmony Community of Equality [Comunidade da Igualdade Nova Harmonia]. Seus princípios supremos eram, consoantes à Constituição, igualdade plena de direitos para todos os adultos e igualdade de deveres em conformidade com a capacitação física e intelectual, propriedade comum e união cooperativa nas questões sociais e no entretenimento. Entre as diversas pessoas que afluíram para New Harmony, encontravam-se famosos cientistas, mas também elementos variados e apenas poucos trabalhadores, faltando de saída, portanto, o fundamento econômico correspondente ao sistema fabril. Ademais, a transformação precoce numa comunidade comunista e a impossibilidade de gerir econômica e politicamente o gigantesco empreendimento, bem como discórdias internas, levaram ao fracasso do experimento em 1827. Falharam também os esforços de Owen para criar grupos comunistas menores nas terras em torno de Harmony. (N. E. A.)
35 Seus primeiros esforços pela melhoria das condições de trabalho das crianças e dos demais empregados nos diversos ramos da indústria têxtil – que ele havia formulado pela primeira vez num meeting de fabricantes escoceses em janeiro de 1815, em Glasgow – foram descritos por Owen em sua autobiografia, The Life of Robert Owen, cit., v. 1, p. 113-4. […] A despeito da rejeição pelos fabricantes, Owen empreendeu, no período subsequente, múltiplos esforços para tornar pública a sua proposta – uma lei que limitava o trabalho infantil – e apresentá-la ao Parlamento. […] O projeto de lei apresentado em junho de 1815 por iniciativa de Owen só foi transformado em lei em julho de 1819, em forma atenuada. A esfera de validade dessa lei (“An Act to Make Further Provisions for the Regulation of Cotton Mills and Factories, and for the Better Preservation of the Health of Young Persons Employed Therein”, em The Statutes of the United Kingdom of Great Britain and Ireland (Londres, 1819), p. 418-9) ficou restrita à indústria algodoeira. Ela proibiu o trabalho infantil abaixo de nove anos de idade (a proposta original de Owen previa um limite de idade de doze anos, ao passo que o projeto de lei previa dez anos) e fixou para pessoas com menos de dezesseis anos uma jornada de doze horas (em Glasgow, Owen havia exigido a jornada de 10,5 horas para todos os trabalhadores, bem como a aquisição prévia de certos conhecimentos escolares e domésticos por parte das crianças como pressuposto para a admissão ao trabalho na fábrica). O projeto e a lei foram publicadas no anexo à autobiografia de Owen. É possível que essa publicação tenha servido de fonte para Engels (A Supplementary Appendix to the First Volume of The Life of Robert Owen. Written by Himself (Londres, 1858), v. 1., p. 23-6, 31). (N. E. A.)
36 No início de outubro de 1833, teve lugar em Londres uma conferência de delegados dos sindicatos e sociedades cooperativas (National Conference of Trade Unions, “Union Shops” and Co-operative Societies), em cuja preparação e execução Owen teve participação decisiva. Ele deu início ali à fundação de uma união nacional de sindicatos e cooperativas (Grand National Moral Union of the Productive Classes of the United Kingdom), que deveria colocar sob seu controle a produção e encaminhar uma reconfiguração social fundamental com meios pacíficos. A união dos sindicatos aconteceu em fevereiro de 1834, numa conferência em Londres, com a fundação da Grand National Consolidated Trades Unions, na qual foram aprovados também seu programa e seu estatuto. O acirramento das represálias da burguesia e a falta de clareza sobre os métodos e os objetivos, bem como dificuldades organizacionais, levaram à dissolução do grande sindicato em agosto de 1834. (N. E. A.)
37 Como resultado da agitação promovida pelos adeptos de Owen, formou-se, no final da década de 1820, um movimento de consumo que se disseminou rapidamente. Os meios para construir as lojas foram obtidos a partir de pequenas contribuições semanais. Primeiro, foram comprados e vendidos os meios de vida que os trabalhadores mais precisavam. Com o êxito crescente, uma parte do lucro foi utilizada para produzir vestuário e mercadorias industrializadas em pequena escala, sendo que a produção era levada a efeito pelos membros mediante pagamento de salário de aprendiz. A maior parte das cooperativas organizou escolas diurnas para as crianças e noturnas para os adultos. No verão de 1829, após retornar da América do Norte, onde seus planos haviam malogrado, Owen viu nas associações de consumo a possibilidade de organizar uma produção associada à reconfiguração abrangente da sociedade. Seu objetivo era organizar os produtores em associações de consumo e formar um mercado no qual se pudesse trocar diretamente trabalho por trabalho, devendo servir como parâmetro de valoração o tempo que um trabalhador com habilidade mediana levava para produzir um produto. (N. E. A.)
38 Os bazares do trabalho (equitable labour-exchange-bazaars [bazares de troca equitativa de trabalho]) foram criados em várias cidades da Inglaterra pelos adeptos de Owen e pelos socialistas ricardianos (John Gray, William Thompson, John Francis Bray). Em 1820, já existiam tais instituições que remontavam a uma tradição ligada por muito tempo ao movimento sindical. Os bazares forneciam mercadorias em troca de bônus de trabalho ou dinheiro-trabalho. Esses recibos que designavam o valor dos produtos prontos fornecidos pelos produtores eram calculados com base no trabalho despendido para sua confecção. Com isso, os promotores desses bazares procuraram propagar as vantagens de uma troca não vinculada com a forma-dinheiro, encarando-na como um meio de transição pacífica para o socialismo. O primeiro bazar do trabalho fundado por Owen (Institution of the Industrious Classes) funcionou de setembro de 1832 até meados de 1834.
Pierre-Joseph Proudhon, no contexto de sua concepção pequeno-burguesa de socialismo, desenvolveu um programa de reforma social voltado para mudanças na esfera da circulação e para a generalização da produção simples de mercadorias, cujo teor era um sistema de troca e crédito baseado na reciprocidade. Em fevereiro de 1849, ele fundou um banco de troca (Banque du Peuple [Banco do Povo]), que deveria conceder crédito sem juros a cooperativas de trabalho produtivo e organizar uma troca “justa” e “equitativa”. A instituição malogrou depois de cerca de dois meses sem ter feito nenhum negócio.
Já em 1846, Engels caracterizou os planos de Proudhon para uma troca sem dinheiro como “os labour bazaars ou labour markets, [que] há muito já existiram na Inglaterra e foram dez vezes à bancarrota” (carta de Friedrich Engels ao Comitê Comunista de Correspondência em Bruxelas (Paris, 16 set. 1846), em MEGA-2 III/2, Berlim, Dietz, 1979, p. 36). Em seu escrito Zur Wohnungsfrage, Engels indicou, em 1872, que o banco de troca proudhoniano, “antes de Proudhon inventá-lo, [...] já faliu – e não foi só uma vez – na Inglaterra com o nome de Labour Exchange Bazaar” (MEGA-2 I/24, Berlim, Dietz, 1984, p. 19-20) [ed. bras.: Sobre a questão da moradia, trad. Nélio Schneider, São Paulo, Boitempo, 2015, p. 53]. (N. E. A.)

ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring. São Paulo: Boitempo, 2015, pp. 249-99.

domingo, 22 de setembro de 2019

Fotografia — por William Albert Allard (National Geographic)

A moral neopentecostal

No meio deste charco imundo, talvez o que exista de mais putrefato seja a pretensa “moral neopentecostal”.
Quando há um beijo gay em um quadrinho, que tem classificação indicativa para maiores de 16 anos, eles se assanham feito uma fera na selva.
São os pretensos “cidadãos de bem”, os supostos “defensores da família”: justamente os maiores canalhas, os sujeitos mais putrefatos, mais infectos, mais degenerados do país, que ainda se arrogam como portadores de virtudes que só os tão hipócritas quanto eles conseguem enxergar.
Percebam que diante deste assassinato, nem um mísero destes “defensores da família”, nem um destes falsos profetas que representam exatamente o inverso do que Cristo pregava, abre a boca pra falar nada. Nada.
A Agatha não tinha família? Não merecia defesa esta CRIANÇA DE OITO ANOS QUE FOI FUZILADA a mando deste genocida neopentecostal chamado Witzel?
Onde estão os protestos dos “defensores da família”? Onde está a indignação moralista?
Para estes leprosos por dentro, o fato de esta inocente criança ter sido assassinada não é problema nenhum. Problema haveria se ela daqui a alguns anos quisesse beijar outra menina.