Saiu o PIB de 2019: o
resultado foi de 1,1%, frustrando mais uma vez a expectativa dos analistas de
mercado, que haviam previsto crescimento de 2,5%. A mesma decepção já havia
ocorrido em 2018, com um PIB de 1,3% contrariando a previsão de 2,7%. Em 2017,
o resultado ficou em magro 1%. Como alguns analistas já apontaram, trata-se da
retomada econômica mais lenta da história do país após um período de recessão. Essa
situação coloca uma questão óbvia, mas que tem sido sistematicamente evitada: o
modelo econômico liberal é realmente capaz de entregar os resultados que
promete? No caso brasileiro, é preciso notar que esse modelo vem sendo adotado
já desde 2015, quando Dilma deu um “cavalo de pau” na política econômica ao
substituir o ministro Guido Mantega por Joaquim Levy. A política econômica foi
continuada e aprofundada no governo Temer sob o comando de Henrique Meirelles e
finalmente foi radicalizada no governo Bolsonaro com o “superministro” Paulo
Guedes. Ao longo desse tempo, a promessa inicial de um ajuste fiscal
inconveniente e passageiro converteu-se depois em uma virtude e acabou
consagrada como um projeto “liberal-democrata” de país. Após o impeachment, não
faltou apoio do Congresso, do mercado e da imprensa às medidas, criando um
verdadeiro céu de brigadeiro para o “dream team” de Meirelles e para Guedes. As
equipes econômicas foram inclusive blindadas no debate público dos escândalos
políticos proporcionados pelo Executivo, tanto nos episódios de corrupção de
Temer quanto nos de conflito de Bolsonaro. Mesmo nesse último caso, o Congresso
assumiu o protagonismo na condução da agenda de reformas. E elas foram
sistematicamente aprovadas, como a mais radical reforma trabalhista desde a
promulgação da CLT, a PEC do teto dos gastos, a reforma da previdência, a PEC
da liberdade econômica e, ao que tudo indica, muito em breve, as reformas
tributária e administrativa e a autonomia do Banco Central.
A promessa, no entanto,
de entregar uma economia pujante não se realizou. Além de o crescimento ser
pífio, a reforma trabalhista não gerou os empregos nem o aumento da formalidade
que prometia. Diante do fracasso, as culpas começaram a ser distribuídas. Mas,
ao contrário do que se fazia insistentemente com a “nova matriz econômica” do
governo Dilma, nenhuma responsabilidade tem sido atribuída à política econômica
liberal. A culpa é sempre atribuída aos outros: aos presidentes controversos,
aos deputados e senadores corruptos, aos funcionários públicos “parasitas”, à
eterna herança petista e por aí vai.
É curioso notar que os
economistas liberais, que sempre louvam a responsabilidade individual no
mercado, nunca se responsabilizam pelos resultados das políticas econômicas que
defendem. Não se vê, da parte dos economistas ortodoxos, nenhuma autocrítica,
salvo raríssimas exceções. Suas teorias sobre o funcionamento dos mercados
autorregulados e eficientes nunca são questionadas. Para os neoliberais, se a
economia não funciona como o previsto, não é porque seus modelos
lógico-dedutivos não são capazes de explicar a realidade, mas, inversamente, é
porque a realidade política e social está atrapalhando o funcionando idealmente
previsto do mercado. Invertem assim a lógica científica ao atribuir ao mundo, e
não às suas teorias, o problema. Mesmo não havendo evidências de que reformas
trabalhistas gerem empregos ou mesmo que as evidências disponíveis mostrem que
políticas de austeridade geram contração ao invés de expansão econômica, os fatos
do mundo real são ignorados em nome de seus modelos matemáticos. Os economistas
ortodoxos “confundem as coisas da lógica com a lógica das coisas”, já advertia
Pierre Bourdieu.
Ao acusar o mundo pelas
falhas no funcionamento desse mercado ideal que só existe em suas cabeças, eles
podem propor a radicalização da mesma política econômica como solução para os
problemas que ela mesma cria. Sugerem mesmo a consolidação nas leis e na
Constituição da política econômica liberal de modo a blindá-la das pressões da
sociedade e das interferências políticas dos governantes eleitos, procurando
construir na prática algo que só existe em suas teorias: um mundo econômico
puro apartado da realidade social e política.
Mas é preciso perguntar,
como forma de conclusão, se o problema dos economistas liberais se resume à sua
teimosia epistemológica ou se há outro estímulo para que sigam persistindo em
seus modelos cujas previsões não se realizam. É possível questionar, por
exemplo, se a falta de crescimento afeta a todos da mesma maneira, se a
política econômica não está favorecendo certos grupos em detrimento da maioria
e se, nesse sentido, os próprios economistas de mercado não estão sendo
beneficiados pelos erros que insistem em cometer. Afinal, quando não se paga a
conta dos próprios equívocos, mas antes se é recompensado por eles, é fácil
seguir errando adiante.
Daniel Pereira Andrade é
professor de sociologia da EAESP-FGV.