sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Trecho 2 de Anti-Dühring, de Friedrich Engels (Boitempo)

“ (...) De acordo com isso, está claro qual é o papel histórico que o poder desempenha no desenvolvimento econômico. Em primeiro lugar, todo poder político está baseado originalmente numa função social, econômica e se intensifica à medida que, pela dissolução dos sistemas comunitários originais, os membros da sociedade são convertidos em produtores privados, ou seja, tornam-se ainda mais estranhos aos administradores das funções sociais comuns. Em segundo lugar, depois que o poder político ganha autonomia em relação à sociedade, convertendo-se de servidor em senhor, ele pode atuar em duas direções. Ou ele atua no sentido e na direção do desenvolvimento econômico regular (nesse caso, não há conflito entre ambos e o desenvolvimento econômico é acelerado), ou ele atua na contramão desse desenvolvimento (nesse caso, com poucas exceções, ele sucumbe regularmente ao desenvolvimento econômico). Essas poucas exceções são casos isolados de conquista, nos quais os conquistadores mais rudimentares exterminaram ou desterraram a população de um país e devastaram ou deixaram deteriorar-se as forças produtivas com as quais não sabiam o que fazer. Foi o que fizeram os cristãos na Espanha moura com a maior parte das instalações de irrigação, nas quais estava baseada a agricultura e a jardinagem altamente desenvolvidas dos mouros. Toda conquista por um povo mais rudimentar obviamente perturba o desenvolvimento econômico e destrói numerosas forças produtivas. Porém, na esmagadora maioria dos casos de conquista duradoura, o conquistador mais rudimentar se adapta à “situação da economia”[67] mais avançada que resulta da conquista; ele é assimilado pelos conquistados e, na maior parte das vezes, precisa adotar inclusive a língua deles. Porém, excetuando os casos de conquista, onde o poder estatal interno de um país se tornou antagônico ao seu desenvolvimento econômico, como até agora aconteceu em certo patamar com quase todo poder político, a luta terminou, todas as vezes, com a derrubada do poder político. Sem exceção e implacavelmente, o desenvolvimento econômico seguiu seu caminho – já mencionamos[68] o último e mais contundente exemplo disso: a Grande Revolução Francesa. Se, conforme a teoria do sr. Dühring, a situação econômica e, com ela, a constituição econômica de determinado país dependem simplesmente do poder político, não há como vislumbrar por que, depois de 1848, Frederico Guilherme IV não conseguiu, apesar do seu “magnífico exército”[69], enxertar as guildas medievais e outras esquisitices românticas[70] nas ferrovias, nas máquinas a vapor e na grande indústria em franco desenvolvimento no seu país; ou por que o czar da Rússia[71], que evidentemente é muito mais poderoso, não só não consegue pagar suas dívidas, como nem mesmo tem como sustentar seu “poder” sem continuamente pedir empréstimos à “situação da economia” da Europa ocidental.
Para o sr. Dühring, o poder é o mal absoluto, e o primeiro ato de poder foi, para ele, a queda em pecado, sendo que toda sua exposição é uma pregação lamurienta sobre a contaminação de toda a história pregressa com o pecado original, sobre a falsificação infame de todas as leis naturais e sociais gerada pelo poder, essa força diabólica. Porém, o sr. Dühring não diz uma palavra sequer sobre o outro papel desempenhado pelo poder na história (um papel revolucionário), sobre o fato de ele ser, nas palavras de Marx, a parteira de toda sociedade velha que está prenhe de uma sociedade nova[72], a ferramenta com que o movimento social se impõe e despedaça formas políticas enrijecidas e mortas. Só muito a contragosto ele admite a possibilidade de que, para derrubar a economia de espoliação, talvez o uso da força seja necessário – infelizmente! Porque todo uso da força desmoraliza aquele que faz uso dela[73]. E isso é dito apesar do forte impulso moral e espiritual resultante de cada revolução vitoriosa! E isso é dito na Alemanha, onde um confronto violento, que pode inclusive ser impingido ao povo, pelo menos teria a vantagem de eliminar a subserviência que penetrou na consciência nacional em decorrência da humilhação da Guerra dos Trinta Anos! E esse modo de pensar apagado, anêmico e sem vigor, próprio de um pregador, tem a pretensão de impingir-se ao partido mais revolucionário que a história conhece?”
67 Eugen Dühring, Kritische Geschichte, cit., p. 231. (N. E. A.)
68 Cf. p. 47 e 141. (N. E. B.)
69 Frase de efeito extraída da saudação de ano-novo de Frederico Guilherme IV ao Exército alemão no dia 1o de janeiro de 1849 (Preussischer Staats-Anzeiger, Berlim, n. 3, 3 jan. 1849). Essa expressão foi usada a partir de 1849 no movimento revolucionário dos trabalhadores para caracterizar o militarismo prussiano. Ver também Karl Marx, “Eine Neujahrsgratulation”, Neue Rheinische Zeitung, Colônia, n. 190, 9 jan. 1849. (N. E. A.)
70 No dia 9 de fevereiro de 1849, o governo prussiano promulgou um decreto referente à instituição de conselhos corporativos e a diversas alterações na ordem geral das corporações e outro sobre a instituição de tribunais corporativos, com os quais ele, de fato, anulou a liberdade de comércio e indústria proclamada em 1808, restaurando a legislação semimedieval das corporações. Já em 1849, Marx caracterizou esses decretos como “duas ordens corporativas, que fazem jus às do ano de 1500” (Karl Marx, “Die Thronrede”, Neue Rheinische Zeitung, Colônia, n. 235, 2 mar. 1849). (N. E. A.)
71 Alexandre II. (N. E. A.)
72 Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 782; MEGA-2 II/6, cit., p. 674 [ed. bras.: O capital, Livro I, cit., p. 821]. (N. E. A.)
73 Eugen Dühring, Cursus der Nationalund Socialökonomie, cit., p. 348-9. Idem, Cursus der Philosophie, cit., p. 335. (N. E. A.)

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