“ (...) De
acordo com isso, está claro qual é o papel histórico que o poder desempenha no desenvolvimento
econômico. Em primeiro lugar, todo poder político está baseado originalmente
numa função social, econômica e se intensifica à medida que, pela dissolução
dos sistemas comunitários originais, os membros da sociedade são convertidos em
produtores privados, ou seja, tornam-se ainda mais estranhos aos administradores
das funções sociais comuns. Em segundo lugar, depois que o poder político ganha
autonomia em relação à sociedade, convertendo-se de servidor em senhor, ele
pode atuar em duas direções. Ou ele atua no sentido e na direção do
desenvolvimento econômico regular (nesse caso, não há conflito entre ambos e o
desenvolvimento econômico é acelerado), ou ele atua na contramão desse desenvolvimento
(nesse caso, com poucas exceções, ele sucumbe regularmente ao desenvolvimento
econômico). Essas poucas exceções são casos isolados de conquista, nos quais os
conquistadores mais rudimentares exterminaram ou desterraram a população de um
país e devastaram ou deixaram deteriorar-se as forças produtivas com as quais
não sabiam o que fazer. Foi o que fizeram os cristãos na Espanha moura com a
maior parte das instalações de irrigação, nas quais estava baseada a agricultura
e a jardinagem altamente desenvolvidas dos mouros. Toda conquista por um povo
mais rudimentar obviamente perturba o desenvolvimento econômico e destrói numerosas
forças produtivas. Porém, na esmagadora maioria dos casos de conquista duradoura,
o conquistador mais rudimentar se adapta à “situação da economia”[67] mais avançada
que resulta da conquista; ele é assimilado pelos conquistados e, na maior parte
das vezes, precisa adotar inclusive a língua deles. Porém, excetuando os casos
de conquista, onde o poder estatal interno de um país se tornou antagônico ao seu
desenvolvimento econômico, como até agora aconteceu em certo patamar com quase
todo poder político, a luta terminou, todas as vezes, com a derrubada do poder
político. Sem exceção e implacavelmente, o desenvolvimento econômico seguiu seu
caminho – já mencionamos[68] o último e mais contundente exemplo disso: a
Grande Revolução Francesa. Se, conforme a teoria do sr. Dühring, a situação
econômica e, com ela, a constituição econômica de determinado país dependem
simplesmente do poder político, não há como vislumbrar por que, depois de 1848,
Frederico Guilherme IV não conseguiu, apesar do seu “magnífico exército”[69],
enxertar as guildas medievais e outras esquisitices românticas[70] nas ferrovias,
nas máquinas a vapor e na grande indústria em franco desenvolvimento no seu país;
ou por que o czar da Rússia[71], que evidentemente é muito mais poderoso, não
só não consegue pagar suas dívidas, como nem mesmo tem como sustentar seu “poder”
sem continuamente pedir empréstimos à “situação da economia” da Europa ocidental.
Para o sr.
Dühring, o poder é o mal absoluto, e o primeiro ato de poder foi, para ele, a
queda em pecado, sendo que toda sua exposição é uma pregação lamurienta sobre a
contaminação de toda a história pregressa com o pecado original, sobre a
falsificação infame de todas as leis naturais e sociais gerada pelo poder, essa
força diabólica. Porém, o sr. Dühring não diz uma palavra sequer sobre o outro papel
desempenhado pelo poder na história (um papel revolucionário), sobre o fato de
ele ser, nas palavras de Marx, a parteira de toda sociedade velha que está prenhe
de uma sociedade nova[72], a ferramenta com que o movimento social se impõe e
despedaça formas políticas enrijecidas e mortas. Só muito a contragosto ele admite
a possibilidade de que, para derrubar a economia de espoliação, talvez o uso da
força seja necessário – infelizmente! Porque todo uso da força desmoraliza
aquele que faz uso dela[73]. E isso é dito apesar do forte impulso moral e
espiritual resultante de cada revolução vitoriosa! E isso é dito na Alemanha,
onde um confronto violento, que pode inclusive ser impingido ao povo, pelo
menos teria a vantagem de eliminar a subserviência que penetrou na consciência
nacional em decorrência da humilhação da Guerra dos Trinta Anos! E esse modo de
pensar apagado, anêmico e sem vigor, próprio de um pregador, tem a pretensão de
impingir-se ao partido mais revolucionário que a história conhece?”
67 Eugen Dühring, Kritische Geschichte, cit., p. 231. (N. E. A.)
68
Cf. p. 47 e 141. (N. E. B.)
69
Frase de efeito extraída da saudação de ano-novo de Frederico Guilherme IV ao
Exército alemão no dia 1o de janeiro de 1849 (Preussischer Staats-Anzeiger, Berlim, n. 3, 3 jan. 1849). Essa
expressão foi usada a partir de 1849 no movimento revolucionário dos trabalhadores
para caracterizar o militarismo prussiano. Ver também Karl Marx, “Eine
Neujahrsgratulation”, Neue Rheinische
Zeitung, Colônia, n. 190, 9 jan. 1849. (N. E. A.)
70
No dia 9 de fevereiro de 1849, o governo prussiano promulgou um decreto
referente à instituição de conselhos corporativos e a diversas alterações na
ordem geral das corporações e outro sobre a instituição de tribunais
corporativos, com os quais ele, de fato, anulou a liberdade de comércio e
indústria proclamada em 1808, restaurando a legislação semimedieval das
corporações. Já em 1849, Marx caracterizou esses decretos como “duas ordens
corporativas, que fazem jus às do ano de 1500” (Karl Marx, “Die Thronrede”, Neue Rheinische Zeitung, Colônia, n.
235, 2 mar. 1849). (N. E. A.)
71
Alexandre II. (N. E. A.)
72
Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 782;
MEGA-2 II/6, cit., p. 674 [ed. bras.: O capital,
Livro I, cit., p. 821]. (N. E. A.)
73 Eugen Dühring, Cursus der Nationalund Socialökonomie,
cit., p. 348-9. Idem, Cursus der
Philosophie, cit., p. 335. (N. E. A.)
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