Insurge-se, e de forma direta, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contra a realização de prévias eleitorais para a escolha do candidato de seu partido à sucessão do presidente Lula. A primeira pergunta que todos fazemos é simples: por que temer a consulta às bases partidárias? Os partidos são organizações da cidadania para a conquista do poder, não devem ser rebanhos de eleitores, encabrestados por uma direção partidária, que se julga capaz de pensar por todos, decidir por todos, a todos impor a sua própria visão da política e de governo. Os que temem o povo não podem reivindicar o direito de governá-lo.
As prévias são prévias. Não constituem a eleição, mas a escolha democrática, pelos partidos, de seus candidatos. Há uma distância entre os postulantes, na esfera partidária, e os candidatos, nas eleições populares. Mas é preciso ser soberbamente elitista alguém que se considere mais apto a escolher os candidatos do que a própria base partidária. Essa presunção acarreta grave responsabilidade. Se o escolhido pela cúpula for derrotado – e a derrota, nesse caso, é possibilidade maior do que a vitória – caberá à direção o ônus do malogro eleitoral. Se a decisão é obtida nas prévias, ela é da responsabilidade do corpo partidário. Como advertia Aristóteles, uma multidão tem menos possibilidade de errar do que um só. Um só, ou um pequeno grupo. A escolha será tanto mais legítima quanto mais plural.
O ex-presidente da República se considera o maior líder político brasileiro, como confidenciam alguns de seus amigos. Se assim é, ele sabe que poderá influir sobre os militantes e filiados, de forma a assegurar a escolha do candidato que prefira. A menos que o sociólogo tenha recebido sinais de que o seu prestígio míngua, assolado pelas novas realidades. Ele sabe que, se sair às ruas, provavelmente será indagado por que aderiu com tanto entusiasmo ao Consenso de Washington, a ponto de comprometer, de forma irreparável, a economia nacional. Ele só não conseguiu privatizar tudo e desnacionalizar mais o sistema financeiro, porque houve reação viril à desestatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e de boa parte do setor de energia elétrica. Hoje, mesmo economistas neoliberais concluem que ainda não fomos à breca porque dispomos de um sistema estatal de crédito, que escapou da fúria entreguista do governo FHC.
O mundo está passando por momento de reflexão. Mesmo os mais ricos da América Latina, que se reuniram agora em Cartagena de Índias, sabem que terão que se desfazer de alguns anéis. Não é possível continuar o enriquecimento cada vez maior de reduzida minoria em prejuízo da imensa maioria dos excluídos dos padrões de saúde, de educação, de segurança e do conforto da vida moderna.
É curioso que alguns tucanos sugiram um “gabinete de crise”, com a presença da oposição, a fim de cuidar da administração da crise econômica. Primeiro, eles, se fossem intelectualmente honestos, admitiriam que o governo passado agiu mal quando aceitou as regras da globalização, sem qualquer reciprocidade, e hoje desmascaradas de forma contundente. Admitimos, aqui, normas redigidas pelos serviçais do grande capital financeiro, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a ditatorial Lei de Patentes, a abertura ao fluxo de capitais, a criação dos paraísos fiscais, com as empresas off-shore, a constituição dos fundos especulativos, entre eles o capitaneado pelo banqueiro Daniel Dantas e seus sócios da chamada equipe econômica. Hoje, no centro mundial do capitalismo, essas práticas são inquinadas de criminosas. Mas, entre nós, as coisas são diferentes. O senhor Madoff está de grilhões eletrônicos, confinado em sua casa, enquanto, aqui, o banqueiro Dantas encontra a proteção de altos senhores. Os tucanos que querem ajudar a administrar a crise devem ficar calados. Nos governos parlamentaristas é natural que a oposição crie shadow cabinets, a fim de demonstrar sua capacidade de enfrentar as crises e, assim, preparar-se para confrontar-se com o governo no Parlamento. Nos sistemas presidencialistas, como o norte-americano e o nosso, isso seria apenas inútil petulância.
Já temos, no Brasil, o exemplo da participação direta dos cidadãos nas decisões administrativas e políticas de alguns municípios. Quanto mais se ouve a cidadania, que se torna interessada e vigilante na fiscalização, melhores são os resultados, seja no emprego dos recursos públicos, seja no combate à corrupção. Por isso é difícil entender por que os tucanos de São Paulo não querem ouvir o resto do Brasil.
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