quinta-feira, 19 de março de 2009

A Sisbin e o papel de Thomaz Bastos - por Por Gilberto Marotta (blog do Nassif)

Nassif,
Demorei a responder porque não queria macular esse post tão bom com qualquer bobagem (e espero não tê-lo feito. rsrs). Gostei muito da sua análise, mas acho que ela merece ser aprofundada. A intercalação de dois trechos específicos me parece problemática:
“Esse esquema começa a esboroar não apenas com o chamado escândalo do “mensalão”, mas pela iniciativa histórica do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos”
“Sentindo que o processo era inevitável, e escaldado pelo “mensalão”, Lula dá ampla liberdade para o aparato do Estado se organizar.”
Dito assim, passa uma impressão de que Bastos caiu de pára-quedas ali, e por iniciativa própria iniciou uma revolução na pasta da Justiça, e que Lula apenas se rendeu aos fatos e deixou-o fazer sua revolução, assim, como se não tivesse mais nada a fazer.
Isso talvez explique reações como as dos comentários da Vera (”Só não esqueçam, que se o crime organizado não tivesse apoio moral e politico nesse governo, a história poderia ser bem diferente”), do F.Alves (”oq estaria Paulo Lacerda fazendo em Portugal?? e Lula, afinal, seria mesmo um grande estrategista ou eh somente um presidente q tem medo [como diz PHAmorim]?? sobra alguem descente nesta historia ou vou ter q votar no Vesgo do Panico nas proximas eleicoes???”) e João Vergílio (”O Governo Lula está claramente UNIDO aos tucanos e demos na tentativa de melar essa operação”).
Sabemos que não é o caso de demonizar FHC (como se ele nunca tivesse feito NADA pelo fortalecimento das instituições), como não é o caso de santificar Lula (como se ele tivesse feito TUDO pelo fortalecimento das instituições). É importante, no entanto, esclarecer melhor as responsabilidades em cada caso:
Está claro que a gênese do “fenômeno” Daniel Dantas repousa nas costas de DEM/PSDB. Foi ACM quem conduziu os primeiros passos do jovem “brilhante”, assim como foi o núcleo financista tucano que criou as bases normativas, legais e negociais para que o banqueiro pudesse alavancar seu império financeiro.
Da mesma forma, é preciso deixar claro também que Márcio Thomaz Bastos não tomou nenhuma iniciativa sozinho, de maneira personalista, à margem do governo. Ao contrário, sua relação com o PT, bastante antiga, denota que havia uma intenção, já entranhada no partido, em Lula e na cúpula do PT, de tratar a segurança, a pasta da justiça, de forma republicana, de modo inédito no País. É importante lembrar que as relações de Márcio Thomaz Bastos com o PT vêem de longe. Ele é amigo de Dirceu, e depois de Lula, há muito tempo. Fez parte do chamado Governo Paralelo, iniciativa do PT durante o governo Collor, foi conselheiro na elaboração dos programas de governo do PT, até ser nomeado por Lula ministro da Justiça, em 2003. No programa de governo de 2002, lê-se a frase “nosso governo buscará instituir um sistema de Segurança Pública nacionalmente articulado”. Logo depois Márcio Thomaz Bastos lideraria a implementação do sistema único de segurança pública nacional.
Acho importante destacar as seguintes citações, bastante elucidativas, de Bastos (em 2004, ao Programa Roda Viva): “Quando, antes da posse, quando nós convidamos, eu convidei o doutor Paulo Lacerda e comuniquei o presidente, nós combinamos, eu e o presidente, isso. Eu expliquei para ele, ele conhece a Polícia Federal, o presidente tem muitos amigos, tem muitas relações na Polícia Federal, eu expliquei para ele que a idéia era fazer uma polícia impessoal, uma Polícia Federal republicana.(…) Essa é a direção da impessoalidade e do apreço aos valores republicanos, ou seja, não persegue e não protege.”
Chamo atenção para o “nós convidamos”, ato falho logo corrigido.
“…quando conversamos isso antes da posse, eu dizia ao presidente: ‘Nós precisamos ter uma política de segurança de Estado e não uma política de segurança só de governo [gesticulando], uma política de país, uma política que paire acima dos entre choques partidários, eleitorais e políticos.’”
Não por acaso esse planejamento, que nasce antes mesmo da campanha vitoriosa de Lula em 2002, se traduziu numa extensa lista de ações governamentais, logo a seguir:
- RDD;
- Reforma do Judiciário;
- Estruturação da PF (aumento da despesa de custeio da PF 2002/2003: 75% e 2002/2004: 140%);
- Aumento expressivo do número de operações da PF (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_opera%C3%A7%C3%B5es_da_Pol%C3%ADcia_Federal) com proporcional aumento do nº de prisões (o que indica melhoria da qualidade técnica das investigações) e atingindo todos os níveis sociais. Pela primeira vez foram investigados e presos políticos, empresários, juízes etc.;
- Combate contundente à lavagem de dinheiro;
- Criação de 5 mil novos cargos na Polícia Federal, criação dos cargos de guarda penitenciário federal;
- Construção e implementação dos presídios federais;
- Implantação de Laboratórios de DNA no país;
- Implantação do sistema de identificação datiloscópica centralizado;
- Referendo das armas;
- Recrudescimento da fiscalização e coibição do trabalho escravo (evidenciado pelo assassinato de três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, mais o motorista, numa emboscada em Unaí, MG, em 2004);
- Autonomia das Defensorias Públicas;
- Implementação da CGU;
- Alterações no processo de indicação dos ministros do STF e do PGR (lembrando que o atual presidente do STF, Gilmar Mendes, foi indicação CONTESTADÍSSIMA de FHC e seu PGR era ironicamente apelidado de “Engavetador Geral da república”).
É evidente que nem todas essas medidas (e mais outras que não citei) chegaram perto de solucionar o enorme déficit de insegurança e impunidade do País. Até porque muitas foram descaracterizadas, pois tiveram que ter aprovação do Congresso. Mas é preciso reconhecer que esse governo deu uma direção nova à pasta da Justiça. Não foi uma coisa de herói, do acaso, uma iniciativa pessoal do Márcio Thomaz Bastos. Foi, claramente, uma política de governo, de estado. A reverência inédita de Lula à pasta da Justiça se expressa de forma contundente, além das ações coordenadas citadas, pela própria natureza das nomeações. O governo de FHC sofreu um entra e sai de titulares da pasta, muitas escolhas políticas: Nelson Jobim, Milton Seligman, Iris Rezende(!), José de Jesus Filho, Renan Calheiros(!), José Carlos Dias, José Gregori, Aloysio Nunes Ferreira Filho, Miguel Reale Júnior, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro. As escolhas de Lula foram pessoais e técnicas, a Justiça não entrou na partilha partidária e até agora só teve dois titulares, todos dois respeitados na área jurídica. Vale lembrar que Lula pediu para Márcio Thomaz Bastos continuar no cargo, ao que Márcio atendeu o quanto pode.
Concluindo, tenho a firme convicção de que as mudanças verificadas nesse governo não são uma obra pessoal de Bastos, nem surgiram por pressão do “Mensalão”, apenas. Mas configuram um projeto de governo, uma política para a área de justiça e segurança. Uma política delineada por Lula e parte da cúpula petista. É claro que houve a tentativa de Daniel Dantas (e possivelmente de outros entes criminosos) de se entranhar ainda mais no governo do PT, cooptando lideranças importantes. Mas todos os indícios demonstram que: 1) Essas entranhas já existiam antes do governo petista (Daniel Dantas e sua união com os fundos de pensão, sacramentada por FHC e apenas desfeita nesse governo, é a maior prova disso); 2) Lula não é uma dessas lideranças; e 3) Nesse governo estão sendo criados inéditos mecanismos INSTITUCIONAIS para diminuir a promiscuidade entre interesses públicos e privados e a influência de interesses pessoais, políticos e empresariais sobre escolhas que têm que ser republicanas.
Evidente que alguém ainda vai dizer que Lula tem medo por alguma razão pessoal. São os mesmos que não entendem a responsabilidade de Lula e toda a abrangência de suas decisões. Os mesmos que queriam que Lula invadisse a Bolívia quando houve a crise do gás, os mesmos que querem que Lula bata boca com Gilmar Mendes (não vêm que ele, Lula, tem a plena compreensão da dimensão e responsabilidade de seu cargo, Mendes é que não), os mesmos que querem que Lula vá pra TV xingar notórios corruptos que fazem parte da base de apoio de seu governo. Não conseguem entender que medalhões como Jader, Sarney, Calheiros, Collor (pra ficar em apenas alguns nomes) não estão no Congresso nomeados por Lula, mas foram ELEITOS por numerosos cidadãos brasileiros, cuja decisão política (correta ou não) TEM QUE SER RESPEITADA. Eu digo que Lula tem medo porque tem responsabilidade, e seu medo é institucional, é o medo de quem tem compreensão da amplitude e responsabilidade de suas decisões. Das consequências de cada um de seus atos, numa relação política não mesquinha, mas estadista, de custo e benefício para a nação e o que lhe é mais caro, o povo brasileiro. É muito fácil falar de fora, eu queria ver é estar na pele dele, tomando as decisões que ele tem que tomar, sofrendo absurdas e explícitas pressões (STF, imprensa, empresariado, oposição…) de cabo a rabo.
Mais uma vez parabéns pelo belo post. Obrigado.

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