No último trimestre de 2008, a produção industrial brasileira caiu forte e abruptamente. Em consonância com a derrocada da indústria, o PIB declinou 3,6%. Na mesma proporção, entraram em parafuso os diagnósticos dos especialistas em crises pretéritas, aquelas que surgiam do estrangulamento do balanço de pagamentos. As malditas da periferia passavam pelas agruras da desvalorização da moeda nativa e terminavam na elevação da taxa de juro e no ajuste fiscal, com o propósito de abafar as tensões inflacionárias e reduzir a chamada absorção doméstica.
Também em matéria de crises, o Brasil foi promovido a investment grade. O baque na produção industrial e no PIB foi deflagrado por uma fortíssima contração global do crédito que atingiu o País no auge de um ciclo de expansão. O credit crunch universal afetou de forma aguda as expectativas dos bancos, empresas e famílias consumidoras. Em setembro, a quebra do Lehman Brothers explicitou o risco sistêmico abrigado na inflação de ativos, o que incluía as frenéticas valorizações cambiais promovidas pelos capitais que buscavam os papéis públicos e privados dos emergentes.
Os empresários, antes empolgados com as expectativas de crescimento de suas vendas e dos lucros, cuidaram de preservar os balanços de suas empresas. No afã de resguardar o equilíbrio patrimonial de longo prazo, as empresas cortaram os projetos de investimento. Caíram fora do endividamento adicional ou cuidaram de manter sob a forma líquida a “poupança” decorrente dos lucros acumulados no passado. O susto foi suficientemente grande para aconselhar os empresários a resguardar o capital de giro: ao imaginar a contração da demanda, reduziram a produção corrente e demitiram preventivamente os trabalhadores.
A incerteza radical paralisou as decisões e negou os novos fluxos de gasto. Em tais circunstâncias, a tentativa de redução do endividamento e dos gastos de empresas e famílias em busca da liquidez e do reequilíbrio patrimonial é uma decisão racional do ponto de vista microeconômico, mas danosa para o conjunto da economia, pois leva necessariamente à ulterior deterioração dos balanços. É o paradoxo da desalavancagem.
A riqueza concentra-se, agora, na posse do dinheiro em si (ou substitutos próximos, os títulos da dívida pública). Essa corrida privada para as formas imaginárias, mas socialmente necessárias, do valor e da riqueza vai afetar negativamente a valorização e a reprodução da verdadeira riqueza social, ou seja, a demanda de ativos reprodutivos e de trabalhadores. Diante da busca coletiva pelo reequilíbrio patrimonial e pela liquidez, os preços inflados dos direitos sobre a riqueza real – ações e dívidas privadas – despencam e, não raro, arrastam os preços de bens e serviços.
Keynes escreveu a Teoria Geral para explicar esse momento de “ruptura de expectativas” e não a ocorrência de simples flutuações cíclicas da economia capitalista. Nas flutuações cíclicas, a contração do investimento e do consumo deprime a acumulação interna das empresas e a renda das famílias, suscitando problemas de endividamento e risco que podem ser resolvidos com mudanças suaves na política monetária e na velocidade e intensidade do gasto público.
Nas crises, ocorre o colapso dos critérios de avaliação da riqueza que vinham prevalecendo. As expectativas de longo prazo capitulam diante da incerteza e não é mais possível precificar os ativos. Os métodos habituais que permitem avaliar a relação risco/rendimento dos ativos sucumbem diante do medo do futuro.
Em sua palestra na quarta-feira 11, em São Paulo, o economista Nouriel Roubini disse, com alguma ironia, que a única demanda que cresce no mundo de hoje é a do governo. No caso do Brasil, as casamatas da burocracia estão preparadas para lançar o País em uma recessão ampla, geral e irrestrita. Os projetos de infraestrutura têm de passar por um calvário de aprovações e de restrições. Frequentemente, os tribunais bloqueiam o andamento dos projetos de investimento, ao conceder generosamente liminares para os derrotados nas concorrências.
Os critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal são apropriados, sim, para tempos normais, mas danosos em uma situação de crise aguda de crédito e demanda. Outras não são as penas do Banco Central e da Fazenda, frequentemente ameaçados pelo Ministério Público quando tentam ampliar o Fundo Garantidor de Crédito. Destinado a garantir os empréstimos dos bancos de menor porte para as pequenas e médias empresas, o Fundo não decola, porque os rapazes do parquet ameaçam seguidamente os membros do Conselho Monetário Nacional com processos de improbidade administrativa.
Para enfrentar a recessão da demanda e da fome exangue por liquidez, os governos precisam negociar urgentemente com o Congresso uma legislação econômica de emergência, com prazo determinado e competências claramente definidas. Caso contrário, no futuro, ninguém se lembrará que os males e infortúnios da economia em crise foram descurados por conta de uma legislação inadequada.
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