PSDB corre o risco de se tornar uma legenda maldita - por Eleonora De Lucena (Folha de São Paulo)
CIENTISTA POLÍTICO DIZ QUE O PARTIDO VIVE CRISE PROFUNDA E PRECISA DE UM CHEFE PARA SUPERÁ-LA
Depois de abocanhar quase 44 milhões de votos na última eleição presidencial, o PSDB vive a sua pior crise.
Para enfrentá-la precisa ter um único chefe. A opinião é de Leôncio Martins Rodrigues, 76. Cientista político próximo do PSDB e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele teme pelo futuro dos tucanos. "O PSDB corre esse risco de virar uma legenda maldita", afirma.
Na entrevista, Leôncio diz estranhar o silêncio do ex-governador José Serra e comenta o desmanche na oposição. Para ele, a falta de perspectiva de poder e a disputa entre as lideranças tucanas explicam o momento conturbado.
Folha - Essa é a maior crise que o PSDB já viveu?
Leôncio Martins Rodrigues - Sim. Nunca houve uma crise assim tão forte.
Como o sr. explica essa crise?
A intelectualidade erra. Minha impressão é que o PSDB está sem uma mensagem e não tem liderança. Ou melhor, tem liderança demais. Duas grandes lideranças, Aécio e Serra, e esse é o problema. Partido só tem um chefe. Partido com dois chefes briga. Isso faz parte da essência da política. Os bolcheviques tinham um chefe: Lênin. Quando o pobre Lênin morreu, Stálin e Trótski brigaram de morte. O partido tem de ter uma só liderança.
E o governador Alckmin?
Você pode pôr também o Alckmin [como liderança].
Onde foi parar o capital político exibido pelo PSDB na eleição? Ele se evaporou?
Grande parte da votação de Serra não era de votos tucanos ideologicamente. Foi um voto anti-Lula, anti-Dilma, por ela representar a continuidade do Lula e do PT. Dilma muito habilmente entrou no eleitorado de classe média, que se encanta com o fato de ela ser mais taciturna, de ser mais comedida no falar, de falar melhor.
Pode ter havido uma divisão do trabalho: o Lula fica com a parte popular, enquanto ela se orienta para um eleitorado um pouco mais culto e de renda mais elevada. Eu já vi vários amigos que tinham votado no Serra fazendo muitos elogios à Dilma. A mídia também está fazendo. Isso vai fortalecer brutalmente, não sei se o PT, mas a Dilma.
O crescimento do governismo, que o PSDB não consegue deter, explica a crise?
É o terceiro mandato que eles não têm a Presidência. Isso provoca crise. Perderam muitos Estados, tiveram a bancada diminuída. O político se comporta para ganhar as eleições: se a mensagem não dá votos, ele muda.
Há uma debandada do PSDB. É a falta de perspectiva de poder que explica?
Os partidos fazem programas para chegar ao poder, e não vão ao poder para realizar programas. Então, mudam. Eles não vão ficar perdendo tempo, perdendo eleições, gastando dinheiro. Não conseguem arrecadar, não conseguem bons contribuintes sem a perspectiva de ganhar o poder. Têm que mudar, não tem conversa. Tem legendas no Brasil que, com certa frequência, se tornam malditas. Arena, depois o PFL. E eles vão mudando.
O DEM é a maldita da vez?
O DEM não é ainda. O DEM foi criado para evitar uma legenda maldita, mas se arrisca a ficar também.
E o PSDB?
O PSDB corre esse risco de virar uma legenda maldita.
O PSDB é o partido da direita?
De jeito nenhum. O PSDB foi um partido moderno. Fernando Henrique teve muita coragem de tomar medidas, de inventar uma cultura política brasileira, com as privatizações, as agências, o Proer. Foi um partido modernizador do capitalismo no Brasil.
Qual vai ser a característica do PSDB daqui para frente?
Eu não sei. O político sempre quer ascender, mas depende das possibilidades. Aécio vem de um Estado importante, tem ambições, mas tem de enfrentar outros. Não sei o que vai acontecer, mas acho que pode ser muito mal para o país.
O quê?
A liquidação do PSDB.
O sr. acredita nessa hipótese?
Liquidar eu não diria, porque criar um novo partido é uma coisa um pouco complicada. Mas a perspectiva de juntar com outro partido pode ser boa, porque os partidos recebem muito dinheiro do Estado, não é?
A fusão com o DEM seria boa para o PSDB e para o DEM?
Não sei.
Se essa fusão se confirmar, o PSDB não será um partido mais à direita do que é hoje?
O que é ser de esquerda? Stálin era de esquerda? Os termos direita e esquerda são usados na luta política para desmoralizar o adversário.
O sr. concorda com a tese de que a linha seguida por Alckmin é mais conservadora do que a de Serra ou Aécio?
O PSDB sempre foi um partido paulista. Você se lembra dos líderes. Do outro lado tinha o Aécio, que não era tão importante. Mas os partidos sempre têm uma característica regional muito marcada. O PSDB não conseguiu entrar no Rio. Tem outro problema.
As lideranças do PSDB estão envelhecendo. Não houve o surgimento de uma nova liderança, mais jovem, que encontrasse uma nova mensagem capaz de galvanizar parte da população. O PT teve mais gana para chegar ao poder, de gente que vinha mais de baixo, de classe média. Gente que queria ascender mais, com mais garra. E teve um líder muito bom desse ponto de vista, o Lula, que soube galvanizar mais as massas, levar um pouco de emoção também ao campo da política. O PSDB não está conseguindo levar. Seria preciso que ele tivesse formado novas lideranças. Não apareceram novas lideranças.
Não sei para onde vai o Serra. Vai disputar a prefeitura? Seria esmagado pelos adversários imediatamente. A primeira coisa que iriam fazer é lembrar que ele assinou em cartório que não iria abandonar a prefeitura, e largou. Isso dificulta muito que ele possa concorrer à Prefeitura de São Paulo. Vai ficar esperando a nova eleição? É muito tempo sem cargo.
E a fusão PSDB-DEM?
Você tem mais dinheiro, mais tempo de TV, mais poder de chantagem, mais votos no Legislativo. Você pode chantagear melhor o Executivo. Mas, em compensação, você tende a aumentar a confusão interna. É mais gente disputando o poder e mais alas. Se o partido não surge de um impulso da própria sociedade, a confusão aumenta. Eu não sei como vão dividir, quem é que vai mandar.
E o papel do Aécio? Ficou mais complicado com o evento no Rio, a recusa ao bafômetro, a carteira vencida?
Seguramente o cacife dele baixa bastante. Para um candidato que tem um comportamento de playboy conta muito mal. Porque o presidente da República tem que aparentar responsabilidade, seriedade. Não dá para ficar passeando em alta velocidade e se recusar a cumprir certos rituais, como o bafômetro, ter carteira de motorista em dia. Proceder dessa maneira é dizer: estou acima da lei. Isso em campanha vai ser jogado contra ele. Pioraram muito as chances dele: depois desse episódio terá mais dificuldade para agrupar o PSDB. O Aécio teria de fincar um pé em São Paulo. Ele não consegue. Você não pode ser uma liderança nacional se não conquista São Paulo.
Isso não beneficia Serra? Por que ele está tão calado? Não seria hora de ele, que galvanizou tantos votos há poucos meses, tomar a frente do partido e botar ordem na casa?
Teoricamente, concordo com você. Mas não tenho a menor ideia de por que ele está tão calado. É possível que tenha ficado um pouco abatido com a derrota.
Quem botará ordem na casa?
Em princípio seria o Serra. Mas ele vai encontrar um obstáculo, que não é nada bobo: o Alckmin. Alckmin é muito esperto. Sabe se conter, não é tão açodado assim.
O que deveria ter acontecido seria o surgimento de uma liderança forte, nacional, com mais ou menos 50 anos, com experiência, que se dispusesse a viajar pelo Brasil, ficar conhecido, ganhar apoios locais dos caciques, dos pequenos caciques locais. Mas isso não apareceu.
PSDB: a hora tardia da reflexão política – por Luis Nassif
Por mais que tente analisar, não consigo ver futuro no PSDB. Haverá o PSDB de Alckmin e o de Aécio, mas não o PSDB nacional, como alternativa de pensamento e poder.
O que Leôncio coloca em sua entrevista é uma espécie de neossebastianismo intelectual: um cavaleiro que surgirá no horizonte no seu cavalo branco, armado de ideias e de liderança, ou quem sabe um El Cid Campeador, e ressuscitará o partido.
Não é assim.
Embora não tivesse militância, como o PT, o PSDB que chegou ao Real era fruto de circunstâncias históricas únicas. Eram os combatentes da ditadura que, em determinado momento, fugiram do fisiologismo do PMDB.
Naquelas circunstâncias, o partido passou a ganhar adeptos na sociedade civil. Não apenas a mídia, sua maior aliada, mas setores modernos, de diversos segmentos econômicos e sociais.
No meu livro "Os Cabeças de Planilha" escrevo sobre vários temas de modernização, sementes plantadas nos anos 80 e 90, que começam a florescer nos anos 90. A questão da descentralização, do estado enxuto (porém forte), dos programas de qualidade, da inovação, a herança da Constituinte, criando cidadãos, definindo recursos obrigatórios para saúde e educação etc.
FHC tornou-se o receptador automático de todas essas ideias, porque, depois dos problemas dos governos Sarney, Collor e Itamar, pela primeira vez parecia-se ter um governo racional. Para ele convergiram as esperanças dos setores racionais do país, segmentos técnicos, universitários, pessoal de inovação, gestão, saúde, meio ambiente, novas ONGs desenvolvendo tecnologias sociais.
A visão do Leôncio – de que ideias brotam do nada – é inexplicável para alguém que era apresentado como do exército intelectual de FHC. A rigor, FHC não desenvolveu um só tema modernizante. Limitou-se a ficar em estado de êxtase com o sucesso do real, repetindo bobagens como "uma nova Renascença chegando", sem conseguir coordenar o exército que se apresentava.
Esse momento, mágico, único, foi jogado fora por FHC e mais ainda por esse enorme blefe chamado José Serra.
Quando Serra foi eleito, escrevi um artigo dizendo que ou ele rompia com o fernandismo e inaugurava o serrismo (modo de dizer que seria fundamental a reciclagem de ideias no PSDB) ou desapareceria. Ele me ligou e disse que era amigo de FHC e jamais romperia com ele. Eu falando de princípios programáticos e ele pensava nas relações pessoais – típicas do compadrio da tradição social e política brasileira mais atrasada.
Até pouco tempo atrás, eram tucanas as melhores cabeças na área de inovação e universidade. Geraldo Alckmin jamais conseguiu aproveitá-las, por não ter visão sobre o tema. Quando Serra entrou, imaginei que faria uma revolução na economia paulista, trazendo as ideias desses quadros. Que nada! Um dia encontrei um dos principais militantes da inovação, serrista de primeira hora. Perguntei: e aí? E ele: não dá, o homem tem raiva da Universidade.
Até 2002, o PT não tinha conseguido se apossar ainda de nenhuma das bandeiras modernizantes. Mas tinha a bandeira mais forte: o aprofundamento das políticas sociais, a reação contra a fome e a miséria, resultantes óbvias do processo de cidadania deflagrado pela Constituinte e da extraordinária insensibilidade social no discurso público de FHC.
Agora se entra em novo tempo político e econômico em que se percebe o desenvolvimento como algo sistêmico. E o PSDB ingressa sem votos, sem quadros e sem a menor condição de ser o receptador das novas ideias: todas ficaram com os governos Lula e Dilma, na passagem do PT de oposição a governo.
Inovação? O Ministério de Ciências e Tecnologia de Sergio Rezende e Aluizio Mercadante levaram os melhores quadros. Gestão? Dilma é a gestora e tem como assessor de luxo Jorge Gerdau. Desenvolvimentismo? Os irmãos Mendonça de Barros tentaram lançar a bandeira, quando montaram sua revista, mas não houve nenhuma repercussão nas hostes tucanas. Hoje os desenvolvimentistas estão no governo Dilma.
E Dom Sebastião FHC fala genericamente em conquistar a nova classe média que está se formando. Conquistar como? No gogó?
Essa conquista, a formação de princípios programáticos se dá na prática, na criação de políticas específicas que tragam resultados. É essa soma de ideias, em cada setor, que comporá o desenho final de partido. Não há necessidade de formulações abstratas. O que se exige é clareza sobre algumas ideias básicas, que ajudem e consolidar a percepção geral sobre o partido, mas apenas após aparecerem resultados dessas políticas específicas.
E quais são as ideias-forças atuais? Inclusão social, o sonho do suposto destino manifesto de grande potência, a transição do modelo financista para o desenvolvimentista (sem abrir mão dos benefícios de um mercado de capitais desenvolvido), a integração regional, o aprimoramento da gestão pública.
O PT ampliado tem as bandeiras, os quadros técnicos, a militância.
E alguém acha que um partido de proveta como o PSD irá conseguir repetir a saga do velho PSDB? E alguém acha que o PSDB atual conseguirá renascer das cinzas em circunstâncias que nada têm mais a ver com as que motivaram sua criação?
No período de abundância o partido não criou quadros, não criou militância, não criou um modo de governar. Era um caciquismo permanente e a arrogância de quem se julgava portador das grandes verdades. Não será agora, dividido, sem ideias, sem militância, que conseguirá.
Como disse José Sarney antes das eleições, a nova oposição sairá das entranhas da situação.
Os impasses do PSDB - 2 – por Bento (blog do Nassif)
Deveriam corrigir a chamada da entrevista para "cientista político próximo de Serra". A análise do sujeito é tão rasa e chapa-branca em relação a seu mentor que beira o ridículo. Às poucas perguntas objetivas e que realmente demandam seu conhecimento técnico, tais como os efeitos de fusões partidárias, o sujeito responde com "não sei", "pode ser". Já às questões mais complexas e que beiram um exercício de adivinhação, tais como o futuro do PSDB, ele responde de imediato e sem embasamento algum.
Senão vejamos. O analista diz que o PSDB é moderno que FHC modernizou a política do país, mas logo depois cobra do partido como se comporte como máfia siciliana - só pode haver um capo di tutti capi, senão dá bagunça.
Uma hora diz que o partido precisa ter inserção nacional e na outra critica a ascensão de lideranças como Aécio e Alckmin porque "só pode haver um chefe" (referindo-se a Serra como se ele fosse de fato chefe de alguma coisa hoje além da meia dúzia de asseclas tucanos de sempre e de Kassab, que de resto vai acabar perdendo o controle até de seu próprio partido se continuar a fazer o jogo de seu mentor paulista).
Chega ao cúmulo de afirmar que o PSDB carece de liderança intelectual, jogando FHC para escanteio de vez, ao invés de pelo menos lembrar a recente iniciativa dele, ainda que desastrada, de dar alguma coerência temática ao partido. Chega ao cúmulo de falar que o partido está perdendo estados - se tem uma coisa que o PSDB não perdeu, foram eleições estaduais, ainda que os governadores do eixo centro-sul estejam mais preocupados (por motivos óbvios) em manter uma boa relação com o governo federal para tocar obras do que em se meter nessas brigas fratricidas que dizem respeito unicamente ao PSDB paulista.
Que o PSDB está enfraquecido é óbvio, mas daí a dizer que o partido está a beira da morte ou de se tornar uma legenda "maldita", nem mesmo na cabeça do mais cândido dos petistas de SP isso faria sentido.
Essa tese da morte iminente do PSDB - e por conseguinte, da oposição - é balela e, de resto, só interessa a uma pessoa neste país: José Serra. É a ele que interessa essa tolice de que alguém tem que tomar as rédeas do PSDB, como se partidos políticos numa democracia fossem cavalos ensandecidos que só podem ser controlados pelo pulso firme de um líder inconteste.
O que está acontecendo com o PSDB é algo que já deveria ter acontecido há muito tempo, pois é ótimo para o partido (e, cada vez mais, também essencial): a transferência de poder dentro da legenda para outros Estados e o enfraquecimento relativo do sempre superdimensionado braço paulista do partido.
Não se vê em qualquer outro Estado movimentação de tucanos como essa para o PSD em SP - no restante do país, é o DEM quem está sangrando. Mas, por algum motivo, querem transformar a crise do PSDB paulista em crise nacional e falência generalizada da oposição.
Sim senhor, ela pode virar sim uma crise de proporções mostruosas, se a vontade da mídia e desse grupo cada vez mais minoritário dentro do PSDB triunfar e, como sugeriu a jornalista, Serra tome as rédeas do partido. Daí realmente não haverá mais espaço para a oxigenação tão necessária ao partido. Mas no final das contas, vai ver é exatamente isso que esse pessoal quer.
Os impasses do PSDB - 3 - por Daniel Diniz (blog do Nassif)
Pode ser tudo isso, mas tenho pra mim que um relevante deflagrador da crise contemporânea do PSDB está lá atrás, no momento de seu máximo sucesso.
O PSDB chegou ao poder muito cedo, com apenas seis ou sete anos de existência. Ainda não havia governado nada, excetuando uma ou outra prefeitura (se não me engano), não havia passado por momentos de depuração partidária (como o PT nos anos 1980, como no caso da eleição de Tancredo, etc).
Ao lado disso, foi sendo sistematicamente abençoado por uma mídia simpática aos seus quadros e suas idéias. Ainda há de se escrever, historiográfica e corretamente, sobre o deslumbramento real da imprensa com FHC. Muito se fala que havia interesses, etc. Havia, claro. Mas havia um enorme otimismo em relação ao seu governo e sua figura. Mesmo no final do seu segundo governo, ainda se suspirava pela falta que aquela inteligência e fina estampa fariam. FHC encarnava muito fielmente o sonho cosmopolita daquela elite, inclusive na imprensa. Pois bem. Ao lado disso, havia o PSDB real, conchavado com o PFL, que cresceu, entre 1994 e 1998, de forma assustadora.
, atualmente, foi muito hábil na tendência ao inchaço que todo o partido tem quando chega ao governo. O PT cresceu sim, mas não inchou. Antes, fez inchar os coligados. O PT implodiu e reorganizou todos os seus coligados - do que o maior e mais completo exemplo é o próprio PL que lhe foi vice em 2002 e do qual nada sobrou em pé.
O PSDB, conquanto tenha também permitido o crescimento tangencial de seus coligados, inchou mais que todos eles. Não havia canto do país sem um prefeito do PSDB - que geralmente tinha origem na Arena, etc, etc. Completamente deslumbrado com o súbito crescimento, o partido tornou-se refém de um jogo em que, grau a grau, perdeu o controle. Uma coisa é FHC subir no palanque com ACM no interior da Bahia em 1994, para garantir uma vitória naquela eleição e impor sua agenda modernizante.
Outra, muito diferente, eram os inúmeros coronéis e assemelhados espalhados pelo Brasil profundo mantendo suas estruturas coronelistas aliados ao governo pretensamente modernizante. Ludibriado pela idéia de 20 anos no poder - que hoje o partido critica no PT mas que Sérgio Motta defendia para os tucanos - o PSDB aceitou lenientemente todo o tipo de quadro, qualquer tipo de crescimento.
Ao lado disso, e também daqueles tempos, determinada arrogância de FHC - inclusive aqui mesmo no Nassif tão bem diagnosticada - que não podia facilmente aceitar alguém a lhe fazer sombra.
É fato que o PT hoje, sobretudo após o mensalão, tem poucos quadros nacionais com capilaridade e viabilidade eleitoral; contudo, também é fato que Lula soube e, possivelmente, saberá, operar o milagre de forjar esse quadro do nada se preciso for (o que a eleição de Dilma parece confirmar). E, atente-se, aceitando e açulando a noção de que o outro poderia ser muito melhor que ele próprio.
O PSDB de FHC, inclusive por meio do que gostava de transparecer o próprio ex-presidente, parecia ter sido o melhor que os tucanos poderiam oferecer; o PT de Lula sempre buscou sublinhar, inclusive por meio da fala do próprio Lula, que iniciava-se em Lula uma fase especial que ainda prometia muito.
Inchado artificialmente em nível muito além do controlável e sem uma liderança internamente construída para fazer frente aquilo que partido, imprensa e classe média tradicional consideraram a fase de ouro do governo federal brasileiro, o PSDB, na medida em que afastou-se do poder (e sem pra ele conseguir retornar eleição após eleição) viu minarem os quadros que, originariamente para ele acorreram no calor do primeiro governo.
Já na última eleição presidencial tornava-se claro: sobraram apenas os fundadores, mais uma meia dúzia que chegou depois e que ajuntou-se a um dos lados para construir a face mais agressiva da campanha de 2010. Era natural portanto que, queimada toda a gordura acumulada em oito anos de governo nos oito de oposição, sobrasse ao PSDB real (o dos fundadores) se desarticular por completo pois já estava sem gordura e, o principal, sem um novo FHC.
A entrevista de Leôncio Martins parece clara: não se considera, fora de Minas, um Aécio lider. Nem Serra ou Alckmin de fato. Não há um novo FHC; talvez por isso o choro isolado do ex-presidente em artigos que ora exortam uma oposição ideologicamente morta ora lamuriam um governo que em nada se parece com o seu.
O PSDB acabou. Assim como o DEM. O que virá em seus lugares? O PSD? Kassab aprofundou uma política higienista em São Paulo; Kátia Abreu é a principal liderança contra a reforma agrária no país e os Borhausen, bem, dispensam comentários. Ou seja, quando se pensa que a coisa vai melhorar, é aí que piora tudo mesmo.
Comentário
De fato, o PSDB tinha tudo em 1994, tudo pra fazer um ótimo governo. Porém, Fernando Henrique Cardoso acabou se transformando, junto com Fernando Collor e Arthur Bernardes, num dos três piores presidentes da história do Brasil. É impressionante. FHC conseguiu fazer o mais difícil.
Hoje, de fato, o partido nada mais é do que um projeto de poder. Talvez, (apenas talvez) em algum momento, não tenha sido. Alguém de boa vontade pôde ter sido enganado, mas há muito, desde o deslumbramento de FHC na presidência, não há nada, absolutamente nada que preste no PSDB em termos de ideias, projetos, gestores. Nada.
Como poderia ter defensores fora da mídia, se toda a ideologia por eles defendida, o famoso consenso de Washington, fracassou clamorosamente em todos os países em que foi implementado. Todos os países – na ordem e evolução que tais políticas foram implementadas – foram quebrando: México, Rússia, Tigres Asiáticos, Uruguai, Brasil, Argentina, etc.
Tudo que FHC fez, tudo que defendeu, terminou de ser enterrado com o crash da bolsa em 2008. Acabou. Não há mais o que debater, não há mais como sequer tentar argumentar sobre o neoliberalismo implementado pelos tucanos: o mesmo foi sepultado pela história.
O PSDB somente subsiste por causa de seus insaciáveis aliados na mídia. E, vejam bem, como a mídia ajudou este partido. Mesmo com todo apoio, com toda a puxação de saco, com todas as críticas feitas à esquerda e ao PT (mesmo quando estes eram somente oposição), toda a rasgação de seda em favor de FHC, e qual é o resultado? Você entra num comércio, num supermercado, num ônibus, e pronuncia as palavras Fernando Henrique Cardoso, e logo os mais variados palavrões são pronunciados para descrevê-lo.
Não é à toa.
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