sexta-feira, 18 de maio de 2012
O capital se faz em casa - por Ciro Gomes (CartaCapital)
Já comentei aqui que uma das premissas do êxito civilizatório é a existência de altos níveis domésticos de poupança vinculada ao investimento.
O que não devemos deixar de enfatizar, entretanto, é que, ao contrario da intoxicação ideológica ainda disseminada entre nós, a taxa interna de poupança das nações não é conseqüência fatalista das forças do acaso. É, claramente, conseqüência de arranjos institucionais que a POLÍTICA, e só ela, é capaz de fazer – repetirei.
Duas negativas para entrarmos numa proposta de como o Brasil poderia sair dos atuais níveis precários de investimento (menos de 19% do PIB) para taxas mais altas no tempo; mas, pelo menos, e com urgência, para algo ao redor de 23% ou 24% do PIB, os quais, imagino, lastreariam uma taxa sustentável de crescimento acima dos críticos 5 % necessários para cobrir os ganhos de produtividade, e incorporar os ainda cerca de um milhão e meio de jovens que, por ano, chegam ao mercado de trabalho procurando seu ansiado primeiro emprego.
A importantíssima e perigosa (para ela) cruzada da presidenta Dilma Rousseff contra a usura e o rentismo tem que ser apoiada. Por uma questão muito simples: num país onde a taxa de juros que o governo paga pela manutenção de excedentes financeiros é maior que a rentabilidade média dos negócios, a economia tende a parar.
Óbvio ululante, pois quem tem dinheiro prefere especular, sem produzir, porque ganha mais e quem não tem dinheiro – caso da maioria esmagadora de nossos empreendedores – não pode tomar emprestado pra produzir, e ganhar menos que os juros a pagar ao banco. Dedicarei um espaço destes a esta conjuntura, proximamente.
Por isto será referencia para a história se este momento (melhor, esta tendência) for pra valer, como creio que possa ser.
A primeira consequência será uma migração de ativos da agiotagem para negócios mais rentáveis.
A classe média vai pensar agora em usar sua pequena poupança para comprar imóveis e, quem sabe no futuro, passar a crer em capitalização de empresas, por exemplo. Isto é historicamente muito bom, mas ainda não é a construção de uma cultura de poupança e investimento para o País.
A outra negativa faço com muito cuidado. E deriva de uma de muitas conversas com o grande brasileiro e patriota professor Carlos Lessa. Em tempos de crise e estagnação econômica o governo deveria pagar aos trabalhadores para abrirem buracos e, ato contínuo, pagar para eles taparem os buracos; em tradução grosseira, Keynes demonstraria nesta frase, a ele atribuída, o fato de que quem promove desenvolvimento é o gasto, o investimento – e não a poupança, emenda cheio de sabedoria Carlos Lessa. Isto foi dramaticamente verdadeiro na experiência de Roosevelt no New Deal. E seria muito conveniente no Japão e na Europa de hoje.
Mas a experiência nacional desenvolvimentista brasileira, lastreada na fundação do endividamento brasileiro (ou seja, na tentativa de acelerar o desenvolvimento do País sem a construção de uma institucionalidade que assentasse nossa sorte em nosso próprio capital) deu no que deu: é verdade que temos a 15ª economia industrial do mundo, mas também temos uma das piores distribuições de renda e um passivo externo que, de tempos em tempos nos prega grandes sustos (temo estarmos, a médio prazo, nos aproximando de outro).
Não sendo eu um economista, posso ser herege. O capital dos outros é tão bem-vindo quanto menos dele necessitarmos. A finança internacional funciona igual dono de banco: quanto menos dele precisamos, mais solícitos são, quanto mais dele precisamos… está em reunião, não pode nos atender.
Assim, ter lastro próprio em alto nível doméstico de poupança é condição sine qua non para participarmos de forma sustentável de um naco da poupança financeira internacional.
Sem se falar da absoluta impossibilidade ainda (e, creio, por muito tempo) de praticarmos déficits orçamentários, mesmo com a melhor intenção de acelerarmos, baseado neles, nosso desenvolvimento. Peculiaridades de nossa história.
Estou que nem Padre Vieira no início de seus belíssimos e intermináveis sermões: desculpem, não posso ser breve.
Feitas as negativas, pretendo propor à discussão algumas pistas para que pudéssemos elevar nossa taxa interna de poupança.
E tenho pra mim que o centro desta institucionalidade nova tem a ver com a forma como organizamos nosso modelo tributário, com a forma com que tratamos nossa lógica previdenciária, com o modo como organizamos nosso mercado de capitais, com o formato tosco de nossa contabilidade pública, e, em última análise, com a cultura de parcimônia e austeridade que nos falta amplamente, na vida privada e, especialmente, na vida pública.
Do mais simples, embora nada trivial, ao mais complexo.
A contabilidade pública. À falta de qualquer planejamento, de curto prazo que seja, a conta pública brasileira é feita pelo ano fiscal que coincide com o ano civil. E nos obrigamos como dogma de fé – depois das sucessivas maluquices do período de Fernando Henrique – a produzir ex ante, um superávit primário calculado pela simples diferença entre o que arrecada o governo e o que gasta, exceto serviço da dívida. Ponto.
É hora já de corrigirmos esta absoluta falta de senso. Um exemplo melhor que mil palavras: manter preventivamente um quilômetro de estrada custa de 10 a 15 mil dólares por ano. Não o fazemos por “economia”. Aí deixamos as estradas federais se destruírem, matar pessoas, encarecer por 4 vezes o custo do frete rodoviário do País em comparação com o concorrente internacional, para reconstruir a mesma estrada, quatro anos depois, por 200 mil dólares o quilômetro – ou seja, economizamos na melhor hipótese, 60 mil dólares para nos obrigarmos a gastar 200 mil dólares. Que economia é esta?
Foi assim no apagão do setor elétrico, é assim na contabilidade dos juros (o maior gasto corrente do País).
Com a paciência de meus queridos leitores, vamos continuar nesta tecla pelos próximos textos, se uma conjuntura comovente não nos interromper.
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