terça-feira, 2 de julho de 2013

Cravo e ferradura – por André Singer (Folha)

O governo federal reagiu às jornadas de junho usando o "drible Neymar", consagrado no jogo contra o México no dia 19 de junho passado. Faz uma abertura à esquerda na política, sinaliza um giro à direita na economia e sai pelo meio. Dos cinco pactos propostos pela presidente, os dois mais importantes --plebiscito sobre a reforma política e compromisso com a responsabilidade fiscal-- apontam em direções opostas.

O plebiscito é um antigo sonho da esquerda. Foi incluído na Constituição de 1988 para viabilizar o parágrafo único do artigo primeiro da Carta, no qual consta que a soberania popular se exerce também "diretamente". Como, hoje, boa parte do Congresso faz campanha com dinheiro aportado por empresas, sabe-se que dificilmente aprovará mudanças que restrinjam o peso do poder econômico nas eleições. Assim, se a elite política recusa-se a abrir mão de privilégios, nada mais apropriado do que recorrer à participação direta para furar o bloqueio.

Note-se, contudo, que tendo sido desfraldada de supetão, a bandeira do plebiscito implica uma série de dificuldades para os que desejam vivificar as instituições.

A primeira delas é que a ideia do financiamento público requer tempo para ser absorvida pelo eleitorado. Deverá ser mais racional (tendo poucas semanas de campanha) só apresentar a proposta de proibição de contribuição por pessoas jurídicas, com um teto estrito para as doações individuais.

Em segundo, será necessário impedir que o dinheiro que seja eventualmente limitado nas campanhas venha a ser usado para a compra de lugares privilegiados nas listas partidárias, em caso de se propor a lista fechada, que é mais coerente com o voto ideológico.

Por fim, além das salvaguardas a serem introduzidas nos procedimentos internos aos partidos com vistas ao problema anterior, conviria cogitar de admitir a lista avulsa, o que romperia com o monopólio partidário sobre a representação, reivindicação que, de alguma maneira, emerge das atuais manifestações.

Enfim, enquanto a esquerda fica às voltas com a natural complicação de um plebiscito importante, a segunda proposta do pactário presidencial --"união de forças para garantir a estabilidade da economia e conter a inflação"-- tenta acalmar a direita. Ela indica que a pressão das ruas sobre os gastos públicos vai encontrar a resistência das autoridades. Se houver concessões, como ocorreu na redução dos preços das passagens, elas seriam compensadas por cortes de custeio, que é uma das principais demandas do capital.

A dupla estratégia pode funcionar por um tempo. Depois, os resultados objetivos da gestão econômica acabarão por se impor. Resta saber quando.

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