Dos partidos da oposição, o único que aceitou o convite da Presidenta Dilma para conversar sobre o Brasil e a reforma política foi o PSOL.
Demotucanos e assemelhados declinaram.
Os campos se definem em relação às ruas.
Caminha-se para um realinhamento da cena política brasileira.
Se a conversa Dilma/PSOL abrir espaços para um aggiornamento à esquerda da governabilidade, algo de inestimável importância terá acontecido nos dias correm.
Alegam PSDB, Demos e PPS não ter sobre o que conversar.
Faz sentido.
Dilma pretendia ouvi-los sobre a convocação de um plebiscito para estreitar a aderência do sistema político às ruas.
A proposta foi enviada ao Congresso nesta 3ª feira, cercada pela rejeição conservadora.
‘Ora direis ouvir as ruas’, replicam demotucanos em sua esférica coerência.
Ouvir as ruas é tudo o que o credo neoliberal entende que não deva ser feito nessa hora; em qualquer hora.
A escuta forte da sociedade soa como dissonância chavista aos ouvidos congestionados pela cera secular do interesse dominante.
A democracia para esse sistema auditivo é um ornamento.
Um adereço nos colóquios dos salões elegantes. Um caramelo, após o cafezinho.
Nos dias que correm, a democracia é a citação de rodapé da judicialização da política.
Sobretudo, a democracia destas siglas gêmeas deve lubrificar a obediência da sociedade aos livres mercados.
É o oposto do que pensa a tradição socialista: a democracia cresce justamente quando escapa aos limites liberais e se impõe como força normativa aos mercados.
Ganha relevância assim.
Quando assume o papel de contrapeso histórico aos apetites rapinosos do dinheiro grosso.
É democracia de fato ao romper a película liberal para se tornar, também, democracia social.
O extremo oposto conservador entende que ouvir as ruas é algo que só cabe em doses módicas.
Com o dinheiro a cerzir as amarras entre o presente e o futuro.
De quatro em quatro anos.
Nunca em ciclos curtos, ou de crise, quando o mais aconselhável são as elites – no limite, os quartéis - assumirem a tutela da vontade popular.
Consultas regulares à cidadania e tudo o mais que possa tornar volátil o mando e o comando devem ser execrados.
Volatilidade é uma prerrogativa dos capitais.
Irrepartível.
À política cabe a tarefa de calcificar o poder e embalsamar a sociedade.
Editoriais de O Globo, Estadão e Veja, ademais de centuriões da mesma extração, uivam a rejeição ao plebiscito e à Constituinte.
O que lhes interessava das ruas, as ruas já deram.
O Datafolha, no calor da Paulista, recompôs a chance de um 2º turno em 2014.
A narrativa tratou de ofuscar o ruído de longo curso, subjacente ao desabafo da hora: se candidato, Lula levaria de 1ª, com 46% dos votos.
A Folha entendeu; e tanto que escondeu o tropeço na primeira página. E pisoteou a informação nas entrelinhas internas.
É preciso desfrutar a ‘colheita’, crua, se necessário, para não desperdiçar a janela de oportunidade.
Interesses que operam no sentido de subtrair fatias de poder à democracia estão satisfeitos com o saldo.
Há mais de 30 anos tem sido hábeis em interditar o debate das grandes escolhas do desenvolvimento.
Para isso, escavaram fossos intransponíveis entre a soberania nacional e a supremacia das finanças desreguladas no circuito global.
Assim se assegurou a hegemonia do poder extra-ruas.
Por que abririam mão dele justamente agora, em pleno divisor de ciclo, quando linhas de passagem terão que ser erguidas em direção a um novo projeto de desenvolvimento?
O ‘não’ ao convite de Dilma encerra a solidez de uma coerência histórica.
A contrapartida cabe à esquerda.
A sorte do país e o destino de sua democracia dependem, em grande parte, do desdobramento concreto que o diálogo simbólico entre Dilma e o PSOL produzir na unificação da agenda progressista brasileira. Não apenas para articular a reforma política. Mas para democratizar o crucial debate sobre o passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.
A ver.
Comentário
Tanto do PT como do PSOL, por motivos diversos, não espero nada. Algumas boas figuras que compõem estes partidos podem eventualmente fazer alguma diferença. Porém, normalmente, ou há escusos interesses venais atrás de um discurso de centro-esquerda, ou, um burocratismo e distanciamento completo das massas por trás de um discurso de extrema-esquerda.
Um comentário:
É tão frustante você querer fazer as coisas funcionarem e não ter a colaboração da maioria. Essa não-seriedade é de irritar! Realmente, "O ‘não’ ao convite de Dilma encerra a solidez de uma coerência histórica."
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