sábado, 14 de dezembro de 2013

Sobre a tentativa de virada de mesa do Fluminense

Se o STJD condenar a Portuguesa, tem que tirar o título de 2010 do fluminense – por Fábio Sormani (Terra)

O STJD está numa sinuca de bico. Se condenar a Portuguesa e tirar da equipe paulista quatro pontos, o tribunal terá que retirar o título conquistado pelo Fluminense em 2010.

Sabem por quê? Vamos aos fatos…

O Duque de Caxias, time do Rio de Janeiro, escalou Leandro Chaves de maneira irregular na partida contra o Icasa. Isso porque o atacante, que começou a Série B pelo Ipatinga, havia recebido um cartão amarelo pelo clube mineiro. Com a camisa do Duque de Caxias, ele tomou mais dois cartões, contra Guaratinguetá e Paraná. E o jogo seguinte era contra o Icasa. O Duque de Caxias colocou Leandro Chaves em campo. Alegou que não sabia do cartão recebido pelo jogador quando ele estava no Ipatinga.

O Duque de Caxias foi enquadrado no Artigo 214 do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), que fala sobre “incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente”. Pena: “perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição (três pontos), independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais)”.

O Duque de Caxias foi absolvido pelo STJD, que aceitou a argumentação do clube, que deixou Leandro Chaves de fora quando ele recebeu o terceiro cartão amarelo com a camisa do Duque de Caxias. Com a decisão, não foi rebaixado para a Série C, mas sim o Brasiliense, que permaneceria na B se o time do Rio de Janeiro tivesse sido condenado.

Esse fato ocorreu em 2010.

Pois bem, neste mesmo ano de 2010, o Fluminense foi campeão brasileiro. Terminou a competição com 71 pontos e o Cruzeiro com 69.

No empate em 1-1 diante do Goiás, pela 35ª rodada do segundo turno, o time carioca escalou o meia Tartá de maneira irregular no parecer do STJD. Isso porque o jogador, que iniciou a competição pelo Atlético-PR, levou dois cartões amarelos, na segunda rodada (empate em 2-2 contra o Guarani) e sétima (derrota 0-1 para o Vitória).

Já com a camisa do Fluminense, para onde foi transferido, Tartá tomou cartão amarelo na rodada 31, diante de seu ex-time, no empate em 2-2  na Arena da Baixada.

No jogo seguinte, triunfo de 2-0 contra o Grêmio, no Engenhão, Tartá ficou de fora.

Mas nos dois jogos seguintes, empate 0-0 contra o Inter, em Porto Alegre, e vitória 1-0 sobre o Vasco (gol de Tartá), o jogador recebeu cartões amarelos.

Ou seja: se o STJD desconsiderou o cartão amarelo que Leandro Chaves recebeu com a camisa do Ipatinga, deveria fazer o mesmo com os dois que Tartá levou com a camisa do Atlético-PR.

Portanto, segundo entendimento do STJD, na partida contra o Goiás Tartá não tinha condições de jogo.

O caso foi levantado depois de encerrada a competição, exatamente como acontece agora neste episódio envolvendo Héverton, meia da Portuguesa. Mas o Fluminense nem sequer foi a julgamento no STJD. Deveria, mas não foi; deveria ter sido enquadrado no mesmo artigo 214 do CBJD, mas não foi.

Se fosse, perderia quatro pontos. E se perdesse quatro pontos, acabaria o Brasileiro de 2010 com 67 e o Cruzeiro, que terminou com 69, seria o campeão nacional.

E sabem o que Paulo Schmidt, o procurador geral do tribunal, disse à época em entrevista ao SporTV (veja vídeo abaixo) quando questionado sobre a irregularidade de Tartá? Disse Schmidt: “Rediscutir o título que foi conquistado no campo de jogo, da forma que foi, abrir precedente não só para o Cruzeiro, mas vários clubes discutir tudo isso…”

Então, STJD, como é que fica agora? A situação é a mesma. A Portuguesa, usando as mesmas palavras de Paulo Schmidt, conquistou o direito de permanecer na Série A no campo de jogo, de forma heroica.

Se valeu para o Fluminense, tem que valer para a Portuguesa também.



Até quem mata pode ser absolvido. A Portuguesa deve ser absolvida. Até porque não "matou" ninguém – por Mauro Cezar Pereira (ESPN)

Quando uma pessoa mata outra, ela deve ser presa. E em geral condenada. Mas pode ser absolvida. Tirar a vida de um ser humano não é garantia de cadeia para o autor do crime. Um caso recente? O do cabeleireiro inocentado após matar o próprio pai no Guarujá, em São Paulo. O advogado do réu alegou que o cidadão agiu em legítima defesa. Submetido a julgamento popular em 2012, foi absolvido. Clique aqui e leia mais a respeito. Já em 2013, a mesma tese de defesa livrou da condenaçao por assassinato um homem em Florianópolis. Ele atirou em um garoto de 13 anos em 2011. Acabou penalizado apenas por porte ilegal de arma. Leia mais clicando aqui.

Não estou afirmando que os dois julgamentos foram corretos, sequer tenho condições para tal. Apenas mostro que mesmo quando uma pessoa tira a vida de outra, o homem tenta fazer justiça analisando o contexto, as circunstâncias, as razões pelas quais aquilo aconteceu. Se fosse pura e simplesmente aplicada a lei, sem tais considerações, sem provas, sem análises do que se passou, ambos estariam presos por até 30 anos, pena máxima da legislação brasileira. Vale ressaltar que o dicionário Houaiss define o ato de julgar como "decidir, após reflexão; considerar".

O erro da Lusa será julgado. Heverton participou pouco do Campeonato. Sempre vindo do banco, atuou em seis partidas, na última, quando não poderia jogar, entrou aos 32 minutos do segundo tempo. Ao todo, ficou com a bola por 1 minuto e 37 segundos nessa meia dúzia de aparições. Até seu único gol no Brasileirão foi inútil e nada mudou na derrota por 2 a 1 para o Goiás. A entrada do meia diante do Grêmio não alterou o rumo do campeonato. Mesmo que o time gaúcho vencesse, pelo que se passou em campo nas 38 rodadas a equipe paulista não seria rebaixada. Foram 13 minutos de irrelevante presença de Heverton no gramado. O julgamento não pode ignorar isso.

Mas e se a Portuguesa escalasse, digamos, seu artilheiro, Gilberto (14 gols no certame) e ele estivesse suspenso? E se ele balançassse as redes, levando o time a uma vitória fundamental para o time não voltar à Série B? Claro que o julgamento teria de ser diferente. É óbvio que a análise seria outra. A minha opinião, pelo menos, seria. Pensaria assim até se Heverton, mesmo com sua pequena participação na temporada, fizesse um gol salvador para o time do Canindé ante os gremistas.

Uma coisa é escalar um atleta e se beneficiar nitidamente disso. Outra é cometer um deslize, por mais ridículo que possa ser, mas tal erro em nada alterar o andamento do jogo e da competição. A simples argumentação de que essa é a regra e ponto final soa pobre, rasa e conveniente. Seu defensores, em muitos casos, advogam em causa própria.

Que os julgadores sejam razoáveis. Como procuraram ser com o Duque de Caxias, que escalou jogador suspenso pelo terceiro cartão amarelo em 2010 — clique aqui e leia sobre o caso. E naquela competição, mesmo que fosse punido em quatro pontos o time da Baixada Fluminense nada perderia, apenas sairia da nona para a 14ª posição. E seguiria na Série B.

O STJD tem a chance de ser justo, e não se limitar à fria aplicação de uma regra sem pesar todo o contexto, ignorando o cenário. Para fazer valer o que foi "conquistado no campo de jogo", frase que faz parte de uma declaração do promotor, dada em 2010. A Portuguesa merece ser absolvida, até porque não "matou" ninguém. Mas o Campeonato de 2013 corre o risco de ser assassinado.


Cães, ursos e a burocratização do futebol brasileiro – por André Castro Carvalho (Blog do Nassif)

Os acontecimentos desta semana trouxeram recordações das minhas primeiras aulas de Direito e o clássico exemplo do jurista Gustav Radbruch com relação à razoabilidade na interpretação das normas jurídicas. O caso é pertinente a um aviso em uma estação ferroviária na Polônia, no qual se proibia a entrada de pessoas acompanhadas de cães. Só que, em um determinado dia, surgiu uma pessoa acompanhada de um urso, que teve a sua entrada barrada pela autoridade com base na sua interpretação do aviso. A argumentação utilizada pelo “infrator” é que a regra jurídica proibia a entrada de cães, e não de outros animais, o que não legitimaria o obstáculo à sua entrada. Narrada a história aos alunos, há sempre um que ergue a mão e pergunta: “- E se a pessoa fosse um deficiente visual e estivesse com um cão guia?”.

Pois são justamente esses debates que motivam os alunos de Direito a frequentarem os cinco anos de curso e a discutirem fervorosamente, o resto de suas vidas, casos semelhantes ao que ora se observa no futebol brasileiro. Se o mundo jurídico se resumisse exclusivamente a aplicar o texto da norma tal como escrito, não seria necessário perder tempo com esses assuntos – aliás, alguém já teria inventado um “app” para Android ou iOS para resolver qualquer problema jurídico. E, com certeza, ficaria milionário, deixando muitos profissionais do Direito desempregados!

É óbvio que nenhuma discussão jurídica que envolva esse tipo de interpretação mais “livre” das normas é pacífica: entre aqueles que defendem a literalidade da regra, por conta da segurança jurídica que ela representa à sociedade, e aqueles que defendem a sua racionalidade e interpretação conforme o objetivo para o qual foi criada, saem “mortos e feridos” de qualquer debate nos meios acadêmicos. Mas, fora dessa zona cinzenta, há sempre casos que produzem uma unanimidade: no exemplo do mundo canino mencionado, se a norma não for cuidadosamente interpretada, não haverá, por consequência, a sua razoável aplicação – por oportuno, não faz muito tempo que o Shopping Iguatemi de Caxias do Sul foi condenado judicialmente, justamente por barrar a entrada de um deficiente visual com seu cão-guia.

A literalidade é uma característica bem típica de sociedades extremamente burocratizadas, tal como a brasileira. É muito mais seguro e confortável para o aplicador da norma (em geral, um servidor público) fazer um juízo quase que “matemático” do que está escrito a avaliar a finalidade da norma ou se a sua “violação” não representa, na verdade, o seu próprio cumprimento e efetivação da justiça.

Não me impressiona que esse processo de “burocratização”, que sempre permeou a vida do brasileiro, agora atinja o setor desportivo. Afinal, nunca observamos nos noticiários, com tanta frequência, o nome de autoridades ligadas à justiça desportiva como nesses últimos anos. Na época em que ingressei na Universidade, poucos estudantes de Direito sabiam o nome de cor dos ministros do STF; hoje, basta perguntar a um adolescente que ele vai recitar o nome de pelo menos uns dois. E já chegamos ao ponto de saber “na ponta da língua” o nome do procurador geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, tamanha a intensidade com a qual o tema “futebol” vem sendo burocratizado.

Hoje, no exame final, meu ex-professor talvez fizesse a seguinte pergunta: “Descumprir o art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva e escalar um jogador irregular, ao final do segundo tempo, de uma partida que tem pouca importância para o Campeonato Brasileiro, foi suficiente para produzir o efeito nocivo que a norma vislumbra evitar?”

Não quero aqui esmiuçar mais a discussão do caso – até porque há inúmeras variáveis em debate que não estão ao meu alcance para analisar –, mas me parece evidente que é mais do que imprescindível analisar a finalidade da norma que impõe a penalidade pela escalação de jogadores irregulares em uma partida: é para evitar que um artilheiro seja escalado irregularmente e decida o campeonato, ou para não deixar que um jogador entre no final do segundo tempo em um jogo com pouca relevância para o Campeonato? Deixamos a pessoa com o urso ou o deficiente visual com o cão-guia entrar na estação de trem?

André Castro Carvalho é bacharel, mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo


Comentário
Esta aí o vídeo que desmascara completamente o procurador Paulo Schimitt. A questão que resta a ser debatida é a seguinte: ¿Ele é só torcedor do fluminense ou esta ganhando algum $$$ pra defender o indefensável?

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