Em 2002, cada medicamento de referência tinha três versões de genéricos. Hoje tem oito. A concorrência triplicou e os preços caíram
Em períodos eleitorais, são comuns manifestações monotemáticas e desavergonhadas como a do ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB) no artigo "Na saúde, o PT não tem remédio" (13/6), no qual dissimula dados do mercado de medicamentos genéricos e ilude acerca da gestão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
No Brasil, como em qualquer país, a presença dos genéricos trouxe benefícios. Aumentou a concorrência e os preços caíram. A lei que criou essa classe de medicamentos foi editada em 1999, depois da aprovação pelo Congresso Nacional de um projeto de lei apresentado em 1991 por um deputado do PT. A obsessão pela paternidade da medida faz com que esse senhor se comporte como padrasto que não aceita a possibilidade de o pai ser capaz de cuidar ainda melhor do próprio filho.
Em 2002, os genéricos representavam apenas 3,9% do volume de medicamentos vendidos no Brasil. Em 2006, saltou para 15% e hoje está em 30%. De cada três medicamentos vendidos, um é genérico. Um aumento de quase dez vezes desde 2002, com participação próxima dos 31% observados na França.
Entre 2000 e 2002, foram registrados 512 genéricos no país, apenas 170 ao ano. Em 2012, a Anvisa registrou 413 desses medicamentos. Ao final de 2002, cada medicamento de referência tinha, em média, apenas três versões de genéricos. Hoje tem cerca de oito. A concorrência triplicou nos últimos 12 anos e os preços estão bem mais baixos.
O ex-ministro se esqueceu da exigência que fez em 2002 para que os medicamentos similares passassem pelos mesmos testes de equivalência pelos quais passam os genéricos para serem considerados cópias idênticas dos seus referenciais. O prazo para essa ação expira no final de 2014. E o governo e os setores envolvidos discutem o que fazer para beneficiar o consumidor com essa medida, que deu aos similares as garantias que os genéricos já possuíam.
Omitindo o fato de ter alterado em 2001 a lei que criou a Anvisa para esvaziar o poder de diretores que discordavam dele, o padrasto dos genéricos faz considerações irreais sobre a conduta deles. Desde sua criação, os diretores da Anvisa são indicados pela Presidência da República e dependem de aprovação do Senado para serem nomeados para mandatos de três anos. Tive a honra de passar por esse processo duas vezes, sendo aprovado por senadores de vários partidos, incluindo o PSDB.
Em 2002, 45% da mão de obra da Anvisa era composta por servidores da própria agência, 20% eram concursados oriundos de outros órgãos públicos e 35% eram indicados por critérios nem sempre transparentes e, por vezes, indesejáveis, definidos pelo ex-ministro. O primeiro concurso público foi autorizado pelo então presidente Lula em 2004. Hoje, o número de profissionais técnicos escolhidos por concurso público chega a 99% do total de seus servidores.
Na criação da Anvisa, o ex-ministro incluiu 88 cargos de confiança que eram preenchidos por indicação dele. Hoje, a escolha é feita depois de edital público, análise de currículo, entrevistas e deliberação da diretoria colegiada. Isso fez com que 75% dos cargos existentes fossem ocupados por servidores concursados. É desrespeitoso dirigir-se a eles como loteadores de cargos públicos.
A Anvisa conta com um parlatório onde são atendidos os agentes externos. As reuniões são gravadas e as atas registradas. Se o ex-ministro tivesse identificado aqueles que chama de lobistas e, nas suas palavras, "operam livremente na agência", teria incluído os 43 atendimentos feitos a deputados e senadores do PSDB entre 2010 e 2014.
Como farmacêutico, aprendi a respeitar os números, uma vez que existem casos em que uma pequena variação na dosagem dos remédios representa a diferença entre a vida e a morte. Os economistas gostam deles por outros motivos. Mas uma coisa é certa: os números falam por si e não mentem.
Dirceu Barbano, 48, farmacêutico, é diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
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