sexta-feira, 13 de junho de 2014

Protestos: um ano depois - por Aldo Fornazieri (Jornal GGN / Blog do Nassif)

     Não é mera coincidência que um ano após os protestos que sacudiram o Brasil uma pesquisa do Datafolha mostre uma queda nas intenções de voto dos três principais candidatos à presidência da República – Dilma, Aécio Neves e Eduardo Campos. Provavelmente é um fato inédito, ao menos desde a primeira eleição da redemocratização em 1989, que todos os principais candidatos caiam na intenção de votos na corrida presidencial. A rejeição aos candidatos é igualmente alta. Não bastasse isto, a soma dos 13% que não sabem em quem votar com os 17% dos que não pretendem votar em ninguém, indica que, praticamente, um terço do eleitorado se sente desamparado com o atual quadro de candidaturas.

     O pano de fundo desse pessimismo, porém, é muito mais grave: hoje se formou um consenso entre analistas acerca do fato de que existe uma profunda crise de representação política e de legitimidade das instituições. A crise só não é mais grave porque não surgiu uma força política nacional, catalisadora do descontentamento e unificadora dos protestos multifacetados e dos novos movimentos sociais. De qualquer forma, por um lado, o quadro político-conjuntural revela o desencanto com o governo Dilma e a decepção com a penúria de propostas e projetos que expressam as candidaturas de Aécio e de Campos. Por outro, o cenário é de continuidade da crise de capacidade dos governantes de produzir resultados satisfatórios no enfrentamento dos conhecidos problemas da população.

     A crise de capacidade de governança, desvelada em junho de 2013, só se agravou de lá para cá. Os protestos desinflacionaram as boas avaliações que os governantes – prefeitos, governadores e presidência da República – gozavam pela força da inércia. Hoje é difícil encontrar um governante com uma avaliação de bom e ótimo superior a 50%. Das promessas governamentais que brotaram dos protestos de junho do ano passado, poucas foram concretizadas. A rigor, a mobilidade urbana, estopim das manifestações, em alguns sentidos, até se agravou. Ao menos os paulistanos e os moradores da região metropolitana de São Paulo vivem semanas caóticas por conta das greves de motoristas de ônibus e do metrô e das recorrentes falhas nos trens e nas composições metroviárias – fruto da má gestão, quando não da corrupção.

Anomia e Desagregação Social

     Na área da segurança pública, o quadro é o de uma guerra social ou guerra natural. Mais de 50 mil mortos por ano se somam a um crescimento, em todo o país, dos índices de assaltos e furtos. O narcotráfico tornou o crack uma epidemia nacional. As polícias se revelam tão ineficientes quanto violentas: apenas 2% dos homicídios são esclarecidos. As operações de guerra contra as populações pobres no Rio de Janeiro, levadas a efeito pelo mal chamado programa de Unidades de Política Pacificadora, revelaram qual é o verdadeiro objetivo do governo estadual: controlar as pessoas pobres pela força e pela violência. O índice de realização do judiciário também é pífio. Os tumultos urbanos, como as queimas de ônibus, bloqueios de ruas, avenidas e estradas se multiplicaram.

     A contraface perversa das vicissitudes enfrentadas pela população é como as coisas do poder aparecem aos olhos dos cidadãos: corrupção, ineficiências, descalabros na Petrobrás, descaso com a crise da água em São Paulo, superfaturamento em obras do metrô e reforma de vagões, aditamentos absurdos em quase todas as obras públicas, postergação de entrega de obras, má qualidade dos serviços, favorecimento dos grandes grupos econômicos e do setor financeiro, agravamento da crise ambiental muitas vezes provocado pelos próprios governos etc.

     O encontro da corrupção e da incompetência governamentais com os problemas crônicos persistentes enfrentados pela população agrava a anomia social, entendida como a desagregação do convívio e o colapso das normas sociais vinculatórias e integradoras da sociedade, orientadas para atingir metas e fins comuns. Assim, na medida em que a sociedade deixa de ter direção, sentido e valores unificantes, que deveriam ser fornecidos pela direção política, pelas organizações da sociedade civil e pela própria prática social, crescem também as condutas desviantes e anormais que, de modo geral, aprofundam a violência e as formas ilegais para atingir os objetivos particulares. O mau exemplo ou a falta dele da parte dos governantes e a impunidade aumentam a permissividade social. A crise dos partidos e a crise de liderança fazem parte deste contexto de agravamento do vácuo de sentido social e político do país.

Necessidade de Direção Política

     A presente crise representa um desafio não só para os partidos e para os governantes, mas também para os movimentos sociais e para as instituições da sociedade civil. O que salta aos olhos, na história do Brasil, é a fraqueza endêmica da sociedade precariamente organizada, fator que debilita a cidadania participativa. A rigor, do capital ao trabalho, dos privilégios dos ricos às esperanças dos pobres, tudo gira em torno do Estado. Sem um fortalecimento autônomo da organização social e da cidadania não se conseguirá forçar o Estado e os políticos a cumprirem com as suas obrigações.

     O balanço de um ano dos protestos de junho mostra que algumas conquistas foram importantes, a exemplo da redução das tarifas em algumas capitais, da derrubada da PEC 37, etc. De lá para cá, multiplicaram-se também as manifestações de rua, as greves e o surgimento de novos movimentos sociais. O MTST tornou-se um dos principais movimentos do país, com significativo grau de autonomia em face dos partidos e dos governos. Mas o que não evoluiu foi a capacidade de os novos movimentos articularem uma plataforma política e uma frente unificantes, visando politizar a sociedade e buscar uma saída programática para a crise.

     Lutar por reivindicações particulares e por demandas pontuais é importante. Mas não propor uma saída política e programática para a crise representa aceitar que os setores hegemônicos da política brasileira rearticulem, no tempo, o seu domínio e busquem novos processos de relegitimação do pacto excludente da cidadania e de manutenção da desigualdade. O surgimento de um pacto progressista, modernizador e igualitário depende da continuidade da ira social contra o atual sistema político expressa nas ruas, do aprofundamento da organização autônoma da sociedade civil, do fortalecimento do poder constituinte do povo e da construção da unidade dos movimentos transformadores em torno de um programa que expresse os objetivos desse pacto e um novo rumo para o Brasil.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

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