segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A Semiótica da Imobilidade e a Democracia Palhaça - por Reinaldo Melo (Inquietas Leituras / Jornal GGN)

     Lúcia Santaella, em seu livro A Assinatura das Coisas, afirma que "o mundo não está dividido entre coisas, de um lado, e signos de um outro. Isto quer dizer: não há nada que não possa ser um signo, ou melhor, tudo é signo, ou melhor ainda, todas as coisas têm a sua própria assinatura." 

      Coerente com sua própria teoria, a professora, uma das maiores especialistas em semiótica do Brasil, posta em seu Facebook uma análise sobre as ciclofaixas na cidade de SP: 

     Coadunando a mensagem com a teoria, pode-se afirmar que vemos um signo cujo significado revela como são discutidas as questões coletivas em nossa sociedade: por meio do ponto de vista individualista, que produz um unilateralismo em que se fecha o olhar para a multiplicidade mais óbvia do mundo que o rodeia.

      A mensagem poderia passar por imperceptível, como qualquer outro comentário de alguém que vê o mundo com o fígado, mas, por ser de uma professora PHD que já lecionou em Berlim, é de se espantar com o fato de que intelectualidade e sensatez não são irmãos siameses.

      Primeiramente a falta de compostura para com o prefeito de uma cidade, chamando-o de pintor de ruas e dizendo que as ciclofaixas foram encomendadas do "diabo em pessoa". Interessante, como a professora estabelece a política de criação de ciclofaixas como uma política demoníaca.

      Um dado importante: em 2012, morreram na cidade de SP 52 ciclistas, um por semana. Fora os casos de atropelamento. Em Março de 2013, a mídia deu destaque para o caso do ciclista David Santos Souza, que teve seu braço arrancado. O motorista não o socorreu e jogou o braço num córrego.  
O ciclista David Santos Souza
     Certamente, a professora se utilizou apenas do seu olhar unilateral de motorista de uma sociedade em que as grandes cidades são estruturadas para comportar o símbolo mor do individualismo contemporâneo, o automóvel, oprimindo e excluindo qualquer cidadão que se locomova por outros meios: o pedestre, o ciclista, os passageiros de ônibus.

      A professora recomenda ao prefeito o estudo ("só um pouquinho") de semiótica para o conhecimento de efeitos das cores em nosso sistema nervoso central, dizendo que a cor vermelha da ciclo faixa se caracteriza como poluição visual. E destila o fel da incompreensão afirmando que é uma propaganda política de um partido político cuja cor característica é vermelha. E para completar tal azedume, a cereja do bolo é asseverar que São Paulo não é uma cidade como a capital holandesa Amsterdam para que haja ciclofaixas a torto e a direito.

      Santaella deveria deixar de analisar o fato através de sua semiótica estática e estudar um pouquinho mais para constatar que a cor vermelha foi estabelecida pelas normas nacionais de  trânsito, no intuito de chamar a atenção do motorista mesmo, não se compondo como poluição visual. De onde se conclui também que não se caracteriza como propaganda política partidária.

      Ao mesmo tempo, o sentimento de vira-lata também surpreende, vindo de uma estudiosa como Santaella. A elite paulistana sempre teve a Europa como modelo em educação, política, arte, etc. Afirmar que São Paulo não é Amsterdam é dizer que as políticas de lá nunca dariam certo aqui porque não temos a "evolução" do europeu.
      A mensagem de Lúcia Santaella poderia passar como algo inocente, como apenas uma expressão natural de uma cultura mal humorada do paulistano que nunca está contente com nada do que é feito em sua cidade, mesmo que seja algo positivo. Mas revela-se como algo gravíssimo: ao se discutir política se enfoca mais no caráter privado do que no público.

 
     Dane-se o fato de morrer um ciclista atropelado por semana, que se exploda as mais de 4600 pessoas que morrem por causa da poluição de veículos em São Paulo, que se seja indiferente ao efeito estufa e com a desertificação da região metropolitana paulista. 

 
     Este desprezo pelo bem comum é consequência da visão torpe e individualista de parte do eleitorado que discute a política partidária com as enzimas do fígado. 

 
     Não é à toa que uma recente pesquisa demonstrou que os candidatos favoritos para ocuparem uma cadeira na Câmara dos Deputados sejam Tiririca, Marcos Feliciano e Paulo Maluf.

 
     O eleitor de Tiririca mal sabe de sua trajetória nestes quatro anos em que exerceu o cargo de deputado, mas se seduz com a estratégia de riso que o candidato adota em sua campanha, ou seja vota-se no candidato por que ele causa o riso zombando da política, a única ciência capaz de engendrar caminhos para o bem estar coletivo. Troca-se o voto pelo riso individual, anulação da política ou de qualquer reflexão ou conhecimento sobre ela.
A brasília de tiririca
      No caso de Marcos Feliciano, desemboca-se na mesma gravidade, sem a "inocência" humorística de Tiririca. 

 
     Feliciano ficou famoso por conta de sua postura frente à presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, onde obstruiu projetos que favoreciam minorias, ao mesmo tempo dando declarações racistas, homofóbicas e machistas, contrastando com o cargo que ocupava. 

 
     O eleitor de Feliciano combina sua visão fundamentalista com a visão sobre a política: para ele não há diferença entre o seu moralismo e o Estado. Um deputado tem de aliciar, subornar, chantagear o Estado para que este se torne imóvel em sua obrigação: formular políticas para uma sociedade heterogênea e multicultural. Com a eleição de Feliciano e, consequentemente, com o aumento da bancada evangélica, o que se estabelece é a crise do Estado, prestes a se transformar num templo em que uma parcela religiosa da sociedade impede que políticas públicas e laicas, que favorecem todo o coletivo, sejam barradas e até revogadas.
Feliciano e o fundamentalismo na política
      O eleitor de Paulo Maluf é o retrato perfeito que vemos por meio das afirmações da professora Santaella: o bordão "foi Maluf que fez" coaduna com a visão de progresso que o paulista possui. Concreto, asfalto e viadutos foram a herança que Maluf deixou através de suas gestões pautadas pela visão futurista utópica de uma São Paulo sempre em movimento. A cidade feita para o carro e para o cidadão de bem. Se há engarrafamento, Maluf projeta um viaduto ali, um minhocão aqui para resolver o fluxo. Há problemas de ordem social, salientando as contradições do projeto futurista com os anseios dos mais pobres? Não há o porquê de se preocupar, Maluf botará a Rota na rua. 

 
     Além do fascismo claro, há ainda a indiferença para com o fato de Maluf ser réu em vários processos de corrupção e não poder sair do país por estar sendo caçado pela Interpol. A indignação seletiva é um dos traços de um povo que elege aqueles que fazem faltar água nas torneiras, mas que se ferramenta do ódio contra políticos preocupados com a diminuição da taxa de poluição e da imobilidade urbana.
Paulo Maluf, símbolo da indignação seletiva do paulistano
      Tal natureza do eleitor e das figuras centrais destas eleições é consequência de uma visão publicitária ideológica, que quer atingir o indivíduo eleitor como mero consumidor a escolher um candidato conforme seus desejos íntimos e sua visão unilateral do mundo. Mas isso fica para outro texto.

 
     O que se pode concluir é que candidatos e eleitores são signos que fazem da política algo totalmente surreal. Há uma imobilidade do pensamento crítico e reflexivo que poderia contribuir com a construção de uma sociedade harmônica, mas o que se vê é uma indiferença para com os problemas sociais e com as decisões que possam solucionar alguns desses problemas. E quando não há a indiferença, depara-se, constantemente, com o fel destilado contra qualquer mecanismo que queira discutir ou resolver tais questões.

 
     A professora Santaella, dentro de seu véu de cidadã crítica, não percebe que seu discurso favorece a armação de um circo no palco das discussões sobre políticas públicas e faz com que a democracia seja vista através da miopia que favorece os donos do picadeiros, fazendo de nós, PHD's ou não, nos verdadeiros palhaços dessa ilusão de (semi)ótica chamada democracia.

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Só tenho uma coisa a dizer a respeito da mulher: Louca!

Muito bom o trecho: "mas, por ser de uma professora PHD que já lecionou em Berlim, é de se espantar com o fato de que
intelectualidade e sensatez não são irmãos siameses."

Legal também: "A indignação seletiva é um dos traços de um povo que elege aqueles que fazem faltar água nas torneiras, mas que se
ferramenta do ódio contra políticos preocupados com a diminuição da taxa de poluição e da imobilidade urbana."

Muito bom: "Há uma imobilidade do pensamento crítico e reflexivo que poderia contribuir com a construção de uma sociedade harmônica, mas o que se vê é uma indiferença para com os problemas sociais e com as decisões que possam solucionar alguns desses problemas. E quando não há a indiferença, depara-se, constantemente, com o fel destilado contra qualquer mecanismo que queira discutir ou resolver tais questões.