Como a Sabesp optou por repassar dividendos milionários aos seus acionistas em detrimento do investimento em novas fontes de captação e proteção das existentes, como o Sistema Cantareira
Alckmin critica ONU e Aécio culpa governo federal por falta de água |
Desde o início do ano, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, esforça-se para encontrar um culpado pela crise de abastecimento que assola o estado de São Paulo, em especial a capital. Em um primeiro momento, o alvo foi São Pedro, o santo com preferências partidárias que ordenou que suas nuvens permanecessem longe das terras bandeirantes. Agora, ao lado do candidato à Presidência Aécio Neves, novos responsáveis foram escolhidos. Enquanto para o governo paulista a ONU mente ao responsabilizá-lo pela crise, Aécio culpa o governo federal pela falta de água nas torneiras dos paulistas.
Uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual de São Paulo mostra claramente, e com base em farta documentação, quem são os verdadeiros responsáveis pela crise que pode comprometer o abastecimento na capital pelos próximos anos. Em cerca de 140 páginas, os promotores Alexandra Facciolli, Geraldo Navarro Cabanas, Ivan Carneiro Castanheira e Rodrigo Sanches Garcia, aém do procurador da República Leandro Zedes Lares Fernandes, detalham como a atual crise de abastecimento na capital paulista e na região de Campinas, ambas abastecidas pelo Sistema Cantareira, é tragédia anunciada resultante de uma escolha do governo de São Paulo e da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo, a Sabesp.
Amparada em uma série de estudos de professores da Unicamp, relatórios da própria Sabesp e informações das agências reguladoras, os signatários ofereceram a ação na Justiça com o objetivo de “estabelecer restrições e limites ao direito de uso pela Sabesp das águas do Sistema Cantareira e coibir o uso indiscriminado da segunda parcela do volume morto desse sistema produtor, uma vez que tal situação, levada às últimas consequências, poderá trazer sérias implicações ao abastecimento público, levando a um colapso das duas regiões abastecidas (Bacia do Piracicaba e Região Metropolitana de São Paulo), riscos à saúde pública, impactos ao meio ambiente, com possibilidades de novas tragédias ambientais, como a mortandade ocorrida em fevereiro no Rio Piracicaba, bem como impactos à indústria, agricultura e economia em geral”.
Segundo os promotores, mal vigiada pela Agência Nacional de Águas e pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – alvos da mesma ação –, a Sabesp, sob a tutela do governo tucano, escolheu bater recordes na Bolsa de Nova York em vez de educar seus clientes sobre a natureza limitada dos recursos hídricos. O resultado: ao passo que transformava investimentos necessários para a manutenção do abastecimento em "distribuição de dividendos" milionários, a Sabesp deixou de criar novos sistemas de captação e sobrecarregou o Sistema Cantareira a ponto de reduzi-lo a 3% de sua capacidade total.
"De acordo com este relatório, o 20-F 2013 da Sabesp, conclui-se claramente que em 2012 e 2013 não foram tomadas medidas para proteger o Sistema Cantareira da mais severa estiagem registrada em toda a série histórica. Paralelamente, foram os dois anos nos quais se obtiveram os maiores lucros líquidos da história da companhia e de distribuição de dividendos, valendo observar que, nesse período, o Sistema Cantareira foi responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração daquele sistema produtor, que não mais conseguiu se recuperar diante da gravidade do atual evento climático de escassez", cravam os promotores.
Aos números: desde 2004, quando recebeu a outorga para utilização do Cantareira, a Sabesp lucrou cerca de 12 bilhões de reais. Desse total, quase 4 bilhões foram direto para o bolso dos acionistas. Em 2012 e 2013, anos citados na ação civil pública como recorde de lucros da estatal, os repasses aos acionistas somaram 500 milhões e o lucro ficou na casa de 1,9 bilhão de reais. Desse total que foi para as mãos dos acionistas, 73% saiu da destruição do Sistema Cantareira.
Além de sobrecarregar o Cantareira para manter os altos lucros, a Sabesp, não por falta de dinheiro, deixou de planejar e executar novas obras de captação. Entretanto, desde 2004, quando da concessão da outorga para uso por dez anos do Cantareira pela Sabesp, a Agência Nacional de Água já alertava sobre a necessidade de investimentos nessas novas fontes. Em seu artigo 16, lembram os promotores, a outorga estipulava que a Sabesp “deveria realizar em 30 meses estudos e projetos que viabilizem a redução de sua dependência do sistema (Cantareira)”. Não foi o que ocorreu. Em uma década a Sabesp não criou nenhum novo sistema produtor. O mais importante deles, o São Lourenço, está atrasado em dois anos e suas licitações já foram alvo de matérias de CartaCapital. (Saiba mais aqui e aqui).
Não bastasse a falta de investimento em captação, segundo os promotores, a Sabesp ainda deixou de cumprir uma imposição dos órgãos reguladores, a utilização das “Curvas de Aversão a Risco”. “Por essa metodologia, que é internacionalmente reconhecida, dependendo do mês e do volume atual armazenado no Sistema, as Curvas de Aversão a Risco correspondem a um conjunto de curvas utilizadas para definir a vazão-limite de retirada do sistema de forma segura, sem comprometer os 24 meses subsequentes, de forma a manter uma reserva estratégica ou volume mínimo ao final do período hidrológico seco. No caso do Sistema Cantareira, o cenário hidrológico seco crítico adotado corresponde ao biênio 1953-1954”, explica a ação.
Segundo os promotores, a Sabesp abandonou a metodologia e os mecanismos legais expressamente previstos para garantia, com a necessária antecedência, de níveis aceitáveis de segurança de abastecimento público, que não devem ser inferiores a 95%. “Como visto, continuaram sendo praticadas pela Sabesp elevadas captações do Sistema Cantareira. Isso acarretou o irrefreável, alarmante e histórico rebaixamento dos níveis de água acumulados nos reservatórios, abaixo dos volumes operacionais (volume útil), ensejando conflitos e crises”, afirmam os promotores.
Somente a partir de março de 2014, já diante do colapso hídrico, foi determinada pelos órgãos gestores, de forma insuficiente e tardia, a redução pela Sabesp das vazões de retirada do Sistema Cantareira.
Por fim, os promotores apontam quais foram o resultados e o que está por vir por causa das falhas de gestão da Sabesp. “Estamos, de fato, avançando em uma zona de risco, que não pode ser “maquiada” com os aumentos artificiais do volume útil, em razão da incorporação das parcelas do volume morto. Estamos caminhando a passos largos em direção ao esgotamento. É alarmante a redução rápida dos níveis dos reservatórios verificada nos últimos meses, acenando para a necessidade de medidas urgentes e drásticas para conter o acelerado consumo da reserva estratégica.”
Ao tentar dividir o ônus da crise de abastecimento com o governo federal e criticar a ONU pelos seus problemas, o governo paulista está, mais uma vez, preocupado em esconder o problema em vez de tentar resolvê-lo. É o mesmo procedimento utilizado desde 2004, quando começou a administrar o Sistema Cantareira.
Outro lado
A Sabesp ainda não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem de CartaCapital.
Uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual de São Paulo mostra claramente, e com base em farta documentação, quem são os verdadeiros responsáveis pela crise que pode comprometer o abastecimento na capital pelos próximos anos. Em cerca de 140 páginas, os promotores Alexandra Facciolli, Geraldo Navarro Cabanas, Ivan Carneiro Castanheira e Rodrigo Sanches Garcia, aém do procurador da República Leandro Zedes Lares Fernandes, detalham como a atual crise de abastecimento na capital paulista e na região de Campinas, ambas abastecidas pelo Sistema Cantareira, é tragédia anunciada resultante de uma escolha do governo de São Paulo e da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo, a Sabesp.
Amparada em uma série de estudos de professores da Unicamp, relatórios da própria Sabesp e informações das agências reguladoras, os signatários ofereceram a ação na Justiça com o objetivo de “estabelecer restrições e limites ao direito de uso pela Sabesp das águas do Sistema Cantareira e coibir o uso indiscriminado da segunda parcela do volume morto desse sistema produtor, uma vez que tal situação, levada às últimas consequências, poderá trazer sérias implicações ao abastecimento público, levando a um colapso das duas regiões abastecidas (Bacia do Piracicaba e Região Metropolitana de São Paulo), riscos à saúde pública, impactos ao meio ambiente, com possibilidades de novas tragédias ambientais, como a mortandade ocorrida em fevereiro no Rio Piracicaba, bem como impactos à indústria, agricultura e economia em geral”.
Segundo os promotores, mal vigiada pela Agência Nacional de Águas e pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – alvos da mesma ação –, a Sabesp, sob a tutela do governo tucano, escolheu bater recordes na Bolsa de Nova York em vez de educar seus clientes sobre a natureza limitada dos recursos hídricos. O resultado: ao passo que transformava investimentos necessários para a manutenção do abastecimento em "distribuição de dividendos" milionários, a Sabesp deixou de criar novos sistemas de captação e sobrecarregou o Sistema Cantareira a ponto de reduzi-lo a 3% de sua capacidade total.
"De acordo com este relatório, o 20-F 2013 da Sabesp, conclui-se claramente que em 2012 e 2013 não foram tomadas medidas para proteger o Sistema Cantareira da mais severa estiagem registrada em toda a série histórica. Paralelamente, foram os dois anos nos quais se obtiveram os maiores lucros líquidos da história da companhia e de distribuição de dividendos, valendo observar que, nesse período, o Sistema Cantareira foi responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração daquele sistema produtor, que não mais conseguiu se recuperar diante da gravidade do atual evento climático de escassez", cravam os promotores.
Aos números: desde 2004, quando recebeu a outorga para utilização do Cantareira, a Sabesp lucrou cerca de 12 bilhões de reais. Desse total, quase 4 bilhões foram direto para o bolso dos acionistas. Em 2012 e 2013, anos citados na ação civil pública como recorde de lucros da estatal, os repasses aos acionistas somaram 500 milhões e o lucro ficou na casa de 1,9 bilhão de reais. Desse total que foi para as mãos dos acionistas, 73% saiu da destruição do Sistema Cantareira.
Além de sobrecarregar o Cantareira para manter os altos lucros, a Sabesp, não por falta de dinheiro, deixou de planejar e executar novas obras de captação. Entretanto, desde 2004, quando da concessão da outorga para uso por dez anos do Cantareira pela Sabesp, a Agência Nacional de Água já alertava sobre a necessidade de investimentos nessas novas fontes. Em seu artigo 16, lembram os promotores, a outorga estipulava que a Sabesp “deveria realizar em 30 meses estudos e projetos que viabilizem a redução de sua dependência do sistema (Cantareira)”. Não foi o que ocorreu. Em uma década a Sabesp não criou nenhum novo sistema produtor. O mais importante deles, o São Lourenço, está atrasado em dois anos e suas licitações já foram alvo de matérias de CartaCapital. (Saiba mais aqui e aqui).
Não bastasse a falta de investimento em captação, segundo os promotores, a Sabesp ainda deixou de cumprir uma imposição dos órgãos reguladores, a utilização das “Curvas de Aversão a Risco”. “Por essa metodologia, que é internacionalmente reconhecida, dependendo do mês e do volume atual armazenado no Sistema, as Curvas de Aversão a Risco correspondem a um conjunto de curvas utilizadas para definir a vazão-limite de retirada do sistema de forma segura, sem comprometer os 24 meses subsequentes, de forma a manter uma reserva estratégica ou volume mínimo ao final do período hidrológico seco. No caso do Sistema Cantareira, o cenário hidrológico seco crítico adotado corresponde ao biênio 1953-1954”, explica a ação.
Segundo os promotores, a Sabesp abandonou a metodologia e os mecanismos legais expressamente previstos para garantia, com a necessária antecedência, de níveis aceitáveis de segurança de abastecimento público, que não devem ser inferiores a 95%. “Como visto, continuaram sendo praticadas pela Sabesp elevadas captações do Sistema Cantareira. Isso acarretou o irrefreável, alarmante e histórico rebaixamento dos níveis de água acumulados nos reservatórios, abaixo dos volumes operacionais (volume útil), ensejando conflitos e crises”, afirmam os promotores.
Somente a partir de março de 2014, já diante do colapso hídrico, foi determinada pelos órgãos gestores, de forma insuficiente e tardia, a redução pela Sabesp das vazões de retirada do Sistema Cantareira.
Por fim, os promotores apontam quais foram o resultados e o que está por vir por causa das falhas de gestão da Sabesp. “Estamos, de fato, avançando em uma zona de risco, que não pode ser “maquiada” com os aumentos artificiais do volume útil, em razão da incorporação das parcelas do volume morto. Estamos caminhando a passos largos em direção ao esgotamento. É alarmante a redução rápida dos níveis dos reservatórios verificada nos últimos meses, acenando para a necessidade de medidas urgentes e drásticas para conter o acelerado consumo da reserva estratégica.”
Ao tentar dividir o ônus da crise de abastecimento com o governo federal e criticar a ONU pelos seus problemas, o governo paulista está, mais uma vez, preocupado em esconder o problema em vez de tentar resolvê-lo. É o mesmo procedimento utilizado desde 2004, quando começou a administrar o Sistema Cantareira.
Outro lado
A Sabesp ainda não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem de CartaCapital.
Um comentário:
Lembra muito o que acontecia com o sistema de energia elétrica do Brasil.
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