A relação entre o poder e o jornalismo é necessariamente tensa: o primeiro faz, o segundo critica. A folclórica definição de que jornalismo é separar o joio do trigo e, então, publicar o joio reforça a noção de que o bom jornalismo deve ser um cão de guarda da sociedade sobre os poderosos, sejam eles políticos, juízes ou empresários. Um cão fiel ao seu real dono, o leitor, o internauta, o telespectador, o ouvinte.
Mas, para exercer corretamente o papel de
fiscal do poder, o bom jornalismo precisa saber separar fato de ficção e
publicar apenas fatos.
A manchete da Folha desta segunda (29),
"Dilma não cumpriu 43% das promessas de 2010", é exemplo de
jornalismo superficial. A reportagem tenta cumprir a louvável função de avaliar
o cumprimento das metas do governo, mas se perde em falhas metodológicas,
avaliações subjetivas e erros grosseiros.
A Folha promete entregar ao leitor o
boletim com as notas do governo federal, mas dá o mesmo peso a temas tão
díspares como a ampliação de efetivo de um órgão e a redução da pobreza ou o
controle da inflação. É óbvio que uma avaliação séria daria mais peso às duas
últimas prioridades, mas há ainda falhas de apuração. Listo algumas:
Reforma política: "Com os protestos
de 2013, Dilma tentou aprovar um projeto às pressas. Não conseguiu". Na
realidade, o compromisso de encaminhar proposta de realização de plebiscito
para o Congresso foi cumprido. Cobrar do Executivo a realização da reforma
significa desconhecer que a elaboração de leis é competência do Legislativo.
Manter o controle da inflação: "A
meta de 4,5% foi superada". A Folha escolhe avaliar pelo centro da
inflação. Desconhece que, pela política de metas vigente desde 1999, a inflação
está sob controle se mantida dentro das bandas fixadas pelo Conselho Monetário
Nacional. Isso ocorre desde 2011 e vai se repetir em 2014.
Valorização do salário mínimo: "A
política de valorização atrelada ao PIB foi mantida, mas afetada pela freada
econômica". No governo Dilma, a política de valorização do salário mínimo
virou lei e o seu crescimento real foi de 12%. Não sabemos o que a Folha
esperava mais.
Fortalecer a agricultura familiar e o
agronegócio: "Há avanços pontuais em programas de agricultura familiar. Já
o agronegócio reclama até da interlocução". O crédito para agricultura
familiar cresceu de R$ 16 bilhões, na safra 2010/2011, para R$ 24 bilhões, na
atual safra. Para o agronegócio, cresceu de R$ 100 bilhões para R$ 156 bilhões.
Houve diminuição das taxas de juros para a
maioria das linhas de crédito. No caso da agricultura familiar, são todas taxas
negativas. Quanto à interlocução, sugerimos conversar com a CNA sobre a
qualidade de nossa parceria.
Atenção especial ao transporte urbano:
"Impulsionado pela Copa, investiu em mobilidade, mas até o limite de 30%
de cada projeto". Estamos investindo R$ 143 bilhões em obras de mobilidade
em todo o país. Os investimentos associados à Copa eram 5% desse montante.
Estamos fazendo nove metrôs, 13 VLTs, 189 BRTs e corredores de ônibus. Quanto
ao limite de 30% do valor de cada projeto, desconhecemos essa restrição, criada
pela Folha.
Erradicar a pobreza absoluta: "Apesar
da trajetória de queda, o Ipea apontou 6,5 milhões de miseráveis em 2012".
Desconhecemos esse estudo do Ipea, mas a Folha usa dados de 2012 para avaliar o
desempenho de todo o mandato.
Reforçar a Polícia Federal e a Força
Nacional de Segurança: "A PF perdeu pessoal e reduziu operações; FN se
consolidou, mas tem operação menor". Ampliamos em 1,2% o efetivo da PF, em
comparação com dezembro de 2010. Em relação ao final do governo FHC, o pessoal
ativo é 59% maior. Entre 2011 e julho de 2014, a PF realizou 967 operações. No
segundo mandato do presidente Lula, foram 981.
O texto conclui que, se o Brasil fosse um
colégio, a gestão da presidenta Dilma Rousseff teria “passado de ano raspando”.
Por essa analogia, a Folha teria sido reprovada.
Um comentário:
No trecho: "A folclórica definição de que jornalismo é separar o joio do trigo e, então, publicar o joio reforça a noção de que o bom jornalismo deve ser um cão de guarda da sociedade sobre os poderosos, sejam eles políticos, juízes ou empresários.", acrescento a opinião que o jornalismo também deva publicar o trigo para que a população possa separá-los por si só.
E o final foi muito irônico!
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