A direita só chegará à presidência da República com o auxílio
involuntário do Partido dos Trabalhadores. A estratégia do PT obedece às
diretivas de Lula. Segue-se que o obstáculo a que Joaquim Barbosa – o cavalo de
Troia que a direita busca contrabandear – impeça a reconstituição democrática,
encontra-se no discernimento do ex-presidente Luiz Inácio.
Submeter a plebiscito algumas das aberrações decretadas por Temer, por
exemplo, jamais seria cogitado por tal demofóbico. No momento, fragmentar a
esquerda equivale a criar inesperada oportunidade a uma direita sem rumo. Não é
centralizando frentes de siglas sem voto ou efetiva representatividade que se
evitará o abismo autofágico. Ao contrário, este talvez resulte da ambição de
parasitas inoculados em movimentos de massa. Lula pode implodir a manobra de
concentração burocrática, ou submeter-se a ela, vencido pelo estalinismo
historicista que o cerca.
A sagacidade do emergente líder metalúrgico conquistou sólida adesão do
lado esquerdo da política. O cálculo do sapo barbudo manteve os liderados na
senda favorável aos pobres e à democracia. Embora desconfiando dos que cursaram
universidades, foram muitos os diplomados que, com ele, colaboraram na
construção do primeiro partido visceralmente trabalhista. A Universidade o
adotou. Adotou-o, garantindo-lhe a tribuna negada pela mídia e, ainda,
considerável fatia de votos surrupiados à classe média. A esquerda isolada não
elege presidente da República. Foi Lula, seu discernimento, que dobrou o
sectarismo da opinião vigiada e punida quando, antigamente, divergia do velho
Partidão.
A barafunda de junho de 2013 gerou confusão ideológica na esquerda.
Anônimos e mascarados abriram a porta das ruas à direita. E delas a direita não
mais saiu, contribuindo para o baixo nível da campanha eleitoral de 2014.
Pormenor relevante: a Lava Jato, a rigor, não existia. A demonstração de força
da direita, com indisfarçada simpatia da mídia, animou o periférico time
curitibano. Tinha padrinhos poderosos. Tinha jogo.
À difícil vitória de Dilma Rousseff,
apesar da hesitação petista, seguiu-se a contestação de sua legitimidade pelo
derrotado Aécio Neves. O mandato de Dilma passou às mãos do Judiciário.
Não do STF, mas da Lava Jato curitibana. Sergio Moro reduziu toda atividade
política dos brasileiros ao Partido dos Trabalhadores, e comprimiu esse
complexo partido aos operadores associados à quadrilha de Pedro Barusco, Paulo
Roberto Costa, Nestor Cerveró, Jorge Zelada, com coordenação do doleiro
Youssef. Foram dois anos de conduções coercitivas, prisões humilhantes,
vazamentos ilegais e ameaças apocalípticas, tolerados a pretexto de revelar o
saque patrocinado pelo PT. Indiferente, destruiu segmentos estratégicos da
infraestrutura brasileira, de onde os atuais desemprego e abulia
empresarial. Escrevia-se o capítulo inicial da saga “Prendam Lula”, só
encerrado com o impedimento da presidente Dilma Rousseff, com prelibação na
Câmara dos Deputados, em 17 de abril de 2016.
A lembrança não é ociosa porque poucos
participantes das libações não estão presos ou em vias de sê-lo, em arrastão
que incorporou parte ladravaz do empresariado. Consumado o impedimento, o
pelotão curitibano aliviou a exclusiva malignidade do PT, descobriu quadrilhas
operando fora da Petrobrás, e, em êxtase, vem anunciando que a sociedade e a
economia brasileiras se transformaram em vasto cupinzeiro de corrupção. A Lava
Jato replica raros tumores de efeitos colaterais positivos, sem, contudo,
promover reparação aos caluniados e arbitrariamente presos. A meta, como
sempre, era Lula. Mas nesta gigantesca facciosidade parte da esquerda
embriagou-se com o rancor da psicologia reacionária.
Em 2010, a alegada marola de 2008 submergiu o planeta. Não obstante,
Dilma acrescentou programas à pauta social petista. Ousada ou imprudente, seu
primeiro mandato sustentou a generosidade da era de abundância em contexto
econômico de soma zero. O conflito consistia em saber quem pagaria a conta
social. Ao fundo, a ganância estrangeira pelo pré-sal e o incômodo do Império com
as fumaças brasileiras de autonomia nuclear. A hesitação do segundo mandato,
com ministério formado com decisiva influência de Lula, espelhou a intensidade
da queda de braço. O impedimento de Dilma assinalou a derrota de toda a
esquerda.
Os petistas aceitaram a tese da hierarquia partidária, debitando o
infortúnio à incapacidade de Dilma Rousseff e sua personalidade belicosa.
Defeitos nada triviais, embora sem contribuição significativa para a essência
do conflito central. Na versão em uso, todavia, a maioria dos militantes
imagina que, fosse Lula presidente, o desastre seria evitado. Ilusão
sebastianista, exceto se o imaginário presidente cumprisse o programa de Michel
Temer.
Intrigas à esquerda, o enredo
curitibano avançava, valendo-se de excepcionalidades quando necessárias.
Surpreendentemente, as derrotas jurídicas extraíram das lideranças de esquerda
a reclamação de que a direita estava se comportando como direita! Desde 17 de
abril de 2016 ficara selado o destino de Lula e, sem Judiciário e Legislativo,
ruas lotadas não comprometeriam o sucesso do projeto “prendam Lula”. Nem as
ruas foram lotadas, mas repartidas com a direita em lua de mel com Moro, em
Curitiba, e as polícias militares locais.
A associação entre inocência penal e direito à candidatura respondia ao
ataque direto ao ex-presidente. Mas, apesar da reiteração de que as leis
concluiriam pela prisão de Lula, o clamor contra a injustiça penal continuou,
por interpolação de cálculo eleitoral, subordinado ao reconhecimento de seu
direito à candidatura. Com a condenação em segunda instância, a guilhotina da
“ficha suja” vedou a essencial via de sucesso jurídico. O sebastianismo
adquiriu, então, uma dimensão mística, exigindo conversão dos eleitores a credo
contrário à racionalidade. Sustentar a candidatura Lula “até o fim” não tem
sentido político claro.
Ou melhor, algum sentido faz. O silêncio de Lula, ignorando a fúria
vocabular do “sebastianismo evangélico” contra os que discordam, mantem sitiada
grande parte das esquerdas. A chantagem emocional com que assediam históricos
apoiadores decepciona. Levantar o sítio à esquerda se impõe como urgente medida
reunificadora, indispensável à vitória contra a avalanche reacionária.
Não importam os bumbos acampados em Curitiba. O cárcere solitário sadicamente
imposto a Lula não é único. A hora do lobo é a hora da solidão interna. A hora
de Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário