Certa feita, o ex-governador Leonel Brizola disse que “o PT é a UDN de macacão”. Essa frase não se explicava apenas pela notória destreza verbal do caudilho gaúcho e pela histórica rivalidade de seu trabalhismo decadente com o obreirismo emergente do PT. Ela também se justificava pela crítica à postura de oposicionismo contumaz e desleal, associada a um empedernido moralismo, que marcava o partido de Lula na época em que a conquista do governo federal ainda se encontrava algo distante.
(…) Mas a UDN e suas lideranças não atuavam de forma isolada nesta sua estratégia de oposicionismo desleal. Elas contavam com a sustentação política de setores da sociedade que se identificavam com sua perspectiva elitista liberal-conservadora. Para esses setores, Vargas e o favorecimento dos setores mais pobres da população por meio de políticas sociais eram anátemas: cumpria extirpar a eles e às práticas imorais de trato da coisa pública que supostamente lhes acompanhariam.
(…) Com o declínio das lideranças e partidos conservadores mais tradicionais, que sucumbiram ao fisiologismo rasteiro, tornando-se inclusive base de sustentação do governo Lula, o eleitorado mais consistentemente conservador viu-se órfão. E fez sua opção mais de forma negativa que positiva.
Se há um sentimento que tem animado o espírito político conservador hoje no Brasil, este é o do antipetismo (e uma variante sua, o antilulismo). E nenhuma outra agremiação tem incorporado melhor este papel de anti-PT e anti-Lula do que o PSDB (com a sugestiva exceção mineira). Ao tornar-se estuário deste conservadorismo social e político, os tucanos têm adotado - sobretudo na cena nacional - um discurso e uma postura cada vez mais conservadores e elitistas. É a forma encontrada de reter o novo eleitor - esse direitista “tucano novo”. O curioso disto é que talvez nenhum partido seja mais próximo do PT em sua origem histórica e no perfil de seus formuladores do que o PSDB. Mas a disputa eleitoral da democracia prega peças: ela força os partidos para onde os eleitores estão. Isto talvez explique o processo de udenização pelo qual passam os tucanos.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP.
Por Danilo Morais
A defesa de um autoritarismo instrumental caracterizava a UDN, o que parece uma contradição em termos, dada também a defesa do liberalismo de forma doutrinária por essa organização. Entretanto, pelo conceito de práxis liberal, a forma como a teoria liberal foi e é reinterpretada e posta em prática pelos atores políticos que a defendem no Brasil, que Wanderley Guilherme dos Santos (ver SANTOS, Wanderley Guilherme, Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática, Rio de Janeiro, Rocco, 1998) compreende esta pretensa contradição. A defesa do autoritarismo, para a UDN, é uma alternativa para “estabilizar” (reprimir) os conflitos sociais e, após isso, estabelecer novamente o regime democrático, sobre as rédeas da tradicional elite política e econômica.
Hoje, os herdeiros diretos desta tradição política são o PSDB e o DEM. Wanderley Guilherme dos Santos já havia de alguma forma visualizado isso em 1998, dada a transformação do autoritarismo instrumental, que em sua forma tradicional foi abandonado e a atualização do liberalismo doutrinário, na concepção neoliberal abraçada pelos dois partidos, que defendem, segundo entendo, uma forma de democracia liberal elitista.
Em trabalho de 2004, fiz a seguinte interpretação:
“Santos parece concordar (…) que a ordem liberal clássica, que não foi nem está presente em nosso país, não é condição necessária para a ampliação e aprofundamento de nossa democracia, sendo mesmo um obstáculo para este processo em seu ideário pretensamente atualizado, o neoliberalismo. Este neoliberalismo nada mais é no Brasil que uma nova roupagem para o velho liberalismo doutrinário descrito como parte da práxis liberal de nossas elites.” (Morais, Danilo de Souza “A práxis liberal, o domínio da cidadania regulada e a emergência da nova cidadania”, mimeo, 2004 p.10)
Assim sendo, a interpretação de Cláudio Couto está bem fundamentada, porém, o alinhamento do PSDB com a tradição udenista remonta a constituição do governo de FHC e não a oposição ao governo Lula. Esta sintonia entre PSDB e a tradição udenista fica apenas mais evidente com a oposição tucana ao governo petista, pois emerge na memória política nacional o papel que mais desempenhou a UDN, qual seja: a de partido de oposição liberal às medidas de ampliação dos direitos de cidadania, utilizando para isso práticas golpista.
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